O Shopping Bosque dos Ipês em Campo Grande (MS) foi palco do Rap Brasil Festival, na noite de 30 de novembro.
O evento musical é acusado de humilhar diversos artistas locais. “Vamos reunir os maiores artistas na cena Rap/ Trap/Funk do cenário brasileiro”, dizia no comercial X3K Eventos ao vender ingressos de até R$ 320.
A X3K é uma empresa com sede em Campo Grande e está em nome de Matheus Gonçalves Colombo, parente de Maycon, que também organizará o Dourados Trap Music, anunciado para ocorrer em 2025. A empresa foi aberta em junho desse ano. A íntegra.
PROGRAMAÇÃO PROMETIDA
Segundo a programação anunciada para o Rap Brasil Festival, haveria um intercâmbio musical entre Mc Hariel, Kyan, TZ da Coronel e Yunk Vino e artistas locais como Will Original, MC CK_OFC, Geld Mob e DJ Magão, Pretisa, MC Joãozinho BRT, Versos67.
Também constava na programação que haveria Batalha de Rima entre Mágico, CBL, LICH e Michel. Além disso, havia na programação o anúncio de que haveria Breaking com Carlos Heduardo e a crew Backstage Of The Sou. Outra atividade anunciada era a pista de Skate, com atletas da Rema Board House e Toys Skateboard Shop. Outras ações prometidas foram a Flash Tattoo com o estúdio ‘Na Pele 67 Tattoo & Piercing’ e Graffiti. A íntegra.
A maioria das ações só ficaram na promessa mesmo. O que ocorreu no final foram somente os shows nacionais, com atraso severo e total desorganização, com os artistas nacionais mandando e desmandando.
DESRESPEITO
Em um desabafo na rede social, por vídeo, o rapper Fael, do grupo Versos67, relatou desorganização, desrespeito e a humilhação de artistas regionais. "Primeiro: o evento não teve organização! Não teve cronograma, não entraram em contato com a gente uma semana antes. Mandaram a gente chegar 19h no evento e falaram que ia soltar os artistas às 20h. Quando a gente chegou lá, o palco não estava montado ainda. O camarim dos artistas nacionais já estava pronto, o camarim dos regionais ainda estavam montando", contou Fael.
A decepção dos artistas locais começou a crescer à medida que o evento se desenrolava. Fael revelou que, além da desorganização no cronograma, havia um tratamento desdenhoso por parte da produção do evento para com os artistas da cena local. "Uma moça que trabalhava na produção chegou em mim e falou que a gente, o artista regional, nem era pra ter camarim. Para vocês terem noção. Montaram de última hora o camarim pra nós, e só tinha cadeira, mano. Não tinha freezer, não tinha água, não tinha porra nenhuma”, exclamou.
O rapper apontou ainda o caos que se seguiu com os constantes atrasos e a falta de respeito com os artistas locais. "Mano, passou 20h, passou 21h, 22h, 23h e nada. A gente já estava lá esperando e não soltaram ninguém. A gente começou a subir no palco, cobrar os DJ, cobrar a produção porque não estavam soltando a gente. Teve artista regional que ficou dentro do camarim, e outros que ficaram do lado de fora. A galera só estava esperando a gente ser chamado, e nada”, disse.
Frustrados com os atrasos e com a falta de explicações, Fael e outros artistas começaram a cobrar respostas da produção. "A gente subiu no palco, questionou por que não estavam soltando a gente. Começaram a expulsar a gente do palco, mano. A gente desceu pra não criar tumulto, mas continuamos batendo o pé. A gente ia cantar, de qualquer jeito”, destacou.
Ele ainda relatou o momento em que teve um confronto direto com o responsável pelo evento: "Fomos atrás do dono do evento, o nome dele é Renner. Se alguém conhecer, marca ele aí. A gente não tem contato com ele, nem nas redes sociais, mas sabemos que é ele o dono", citou. De acordo com Fael, a resposta do organizador foi desrespeitosa: "Ele falou que tinha compromisso com o artista nacional, não tinha compromisso com artista regional”.
A humilhação atingiu seu ápice quando os artistas locais foram barrados de se apresentar, mesmo após a produção prometer que isso aconteceria. "A gente ficou batendo o pé, falando que a gente ia cantar, que a gente ia cantar, mano. Até que soltaram a primeira atração nacional, e a gente questionou: ‘E nós, por que não fomos chamados?’ E o que aconteceu? Expulsaram a gente do palco novamente”.
Fael contou que a situação ficou tão tensa que alguns artistas decidiram não sair mais do camarim, desanimados com o tratamento recebido. "Mas teve uns que ainda acreditaram e começaram a se preparar. Só que, depois de a primeira atração nacional cantar, tesouraram a gente. Não deixaram ninguém cantar mais”.
O ápice da situação de desrespeito foi uma reação de violência por parte dos seguranças. "Pra vocês terem noção, a gente teve que sair no soco com segurança, mano. Os caras acertaram uma mina lá, foram bater num mano e acertaram a mina. Eu entrei no meio, meu parceiro também entrou. A gente foi pra cima. Não queríamos resolver nada com violência, sabemos que isso é errado, mas e aí? Se eles vêm com pressão, a gente vai reagir como? Calado?".
O desabafo de Fael continua: "Eu fui pra cima, ver o cara acertando uma mina com soco e chute. Se fosse uma criança? Aí eu fui pra cima, carai, nós é rua. A gente cresceu na rua, sem apoio de ninguém. Agora querem olhar pra gente como se fôssemos objeto, como se nosso sonho fosse objeto”.
Fael também fez questão de destacar a frustração do grupo com a falta de reconhecimento ao rap regional, que muitas vezes é tratado apenas como uma forma de ‘cumprir tabela’. "Nós chegamos lá sem nada, sem grana, e fizemos o que podíamos. O pior de tudo é que prometeram cachê, e até agora nada. A água, que só apareceu duas horas depois, chegou com gelo. Não tinha nem água mais. E a gente fez nossa parte”.
Ele compartilhou, com um misto de indignação e frustração, sua própria trajetória e a luta constante para ser reconhecido como artista. "Já fui pra São Paulo três vezes, sozinho. Não recebi ajuda de ninguém. Só minha mina me ajudou, meu sogro comprou um boot pra mim. E olha que eu estava sem grana até para comprar o passe, mano. Mas, graças a Deus, hoje eu tenho condição, mas essa luta não foi fácil”.
Para ele, a falta de apoio e valorização da cena local é o reflexo de uma estrutura que só respeita o artista quando ele já alcança o sucesso nacional. "Aqui a gente é tratado como nada, mano. Só quando estoura que eles querem dar valor. Fui bem tratado lá fora, mas aqui é diferente”.
Fael encerrou seu desabafo deixando claro que a luta pelo respeito aos artistas locais vai continuar. "Não vamos parar, mano. Não é um evento de comédia que vai brecar nosso sonho. E olha, eu sou perseverante. O que não mata, fortalece. Pode anotar: nós vai chegar mais longe ainda. Esse evento foi só pra ganhar dinheiro em cima da nossa cultura. Eles usam o nome do rap, do funk e do trap pra ganhar dinheiro, mas não nos respeitam”. O rapper deixou claro, com firmeza: "Nós é artista também, carai! E um dia, podem ter certeza, vão ter que respeitar a gente”, concluiu. Assista ao vídeo:
Outros depoimentos corroboram com o depoimento de Fael. Assista:
O QUE DIZ A ORGANIZAÇÃO
Numa rede social, Maycon Colombo, que mora em São Paulo (SP), disse ser responsável pelo e evento e reconheceu diversos erros na organização: “Realmente tivemos muitos erros em vários setores no evento. Principalmente em relação aos artistas locais aonde não conseguimos dar a atenção merecida. O Reiner fez a produção pra mim, eu sou o responsável ao todo, e de verdade eu tentei de tudo para todos se apresentar pelo menos um pouco do pouco, mas a produção dos nacionais não me permitiu diminuir tempo por conta que até pra eles já estava super atrasado. Peço desculpas por todo transtorno gerado em todos aspectos (sic)”, escreveu.
Segundo Colombo, apenas uma das atrações ainda não havia recebido o cachê. “Podem ter certeza que jamais iríamos convidar artistas locais para passar todo esse transtorno. Apenas 1 artista não recebeu e estamos aguardando a chave pix para fazer o pagamento (sic)”.
Conforme o produtor, o atraso na montagem da estrutura acarretou o atraso geral do evento. “Tudo isso só aconteceu por conta de atraso na montagem da estrutura. De qualquer forma agradeço por terem aceitado vir em nosso projeto para somar. Infelizmente não conseguimos entregar da forma que gostaríamos (sic)”.
Ele ainda argumentou que ‘não virou as costas para ninguém’ e que seus erros lhe ensinam. “Ressalto que eu em momento algum virei as costas pra ninguém, e tentei ao máximo resolver da melhor forma. Meus erros ficam como aprendizado para evoluir. Deixo aqui meus sinceros pedidos de desculpa a todos envolvidos (sic)”, completou.