O cineasta, teatrólogo, roteirista e jornalista Cândido Alberto da Fonseca faleceu nesta quarta-feira (23.abr.25) em Campo Grande (MS), aos 71 anos.
Segundo os familiares, Cândido foi submetido a uma cirurgia, teve complicações no quadro clínico e precisou ser entubado antes de falecer por volta do meio-dia de hoje.
TRAJETÓRIA ARTÍSTICA
Cândido é natural de Campo Grande, Mato Grosso do Sul. Ele retornou para o estado na década de 1970, a convite de José Octávio Guizzo, um dos maiores nomes da cultura local. Ele estava no Rio de Janeiro, onde se formou Jornalismo pela Universidade Gama Filho, mestrado em Ciências da Comunicação pela Universidade Nova de Lisboa e passagem por cursos de Ciência Política em Moscou, ele trouxe uma bagagem intelectual que o colocou na vanguarda das discussões sobre cultura e mídia em MS.
Nos anos 1980, Cândido assumiu a direção executiva da Fundação de Cultura de MS, desempenhando um papel estratégico na articulação de políticas públicas para o setor. Também presidiu a Associação de Cinema e Vídeo de Mato Grosso do Sul (ACVMS), com o objetivo de estruturar e organizar o panorama audiovisual regional.
PRODUÇÕES

Entre suas realizações, destaca-se o curta-metragem "Conceição dos Bugres" (1980), considerado um dos registros mais valiosos sobre a artista homônima. O filme, rodado em 35 mm na casa da escultora em Campo Grande, traz imagens raras da criação dos "bugrinhos" e hoje integra o acervo da Fundação Estadual de Cultura, com processo em curso para ser reconhecido como patrimônio cultural do Estado.
Cândido também dirigiu "Silvino Jacques – Itinerário de um Matador", um documentário sobre uma figura histórica do início do século XX. A produção enfrentou perdas materiais, como o desaparecimento temporário dos negativos, recuperados apenas com apoio da Cinemateca Brasileira.
OUTRAS CONTRIBUIÇÕES

Ele é o idealizador do projeto "Ilustres Desconhecidos", uma série de documentários sobre artistas do MS, como Isaac de Oliveira, Rosane Bonamigo e Lelo. O projeto, anunciado há anos, enfrentou dificuldades para se concretizar, refletindo os desafios persistentes de financiamento e apoio à cultura independente no Brasil. O box com seis documentários teve seu projeto gráfico finalizado e aguardava lançamento, simbolizando uma das maiores contribuições de Cândido à valorização dos artistas de sua terra.
Sempre atento às transformações tecnológicas e sociais, Cândido também foi uma voz ativa na defesa da digitalização da TV Educativa de MS (TVE), vendo na ampliação do sinal uma oportunidade para democratizar o acesso à produção cultural. "A TVE vai atingir o mundo inteiro, isso em si já é uma grande vitória", afirmou em entrevista no programa Cadeira do DJ, onde discutiu temas como a distribuição de recursos e a autonomia financeira das TVs públicas.
Além de suas obras, Cândido foi responsável por articular redes culturais, como a fundação da Sociedade dos Povos Indígenas do Brasil, e incentivou a formação de novos profissionais em um campo historicamente desafiador. Seu legado é refletido na geração de cineastas, atores e produtores que ele inspirou.
DESPEDIDA
O Fórum de Cultura de Campo Grande (FCCG) lamentou a perda em uma nota: "É com profundo pesar que comunicamos a partida do nosso companheiro, o cineasta, Cândido Alberto da Fonseca. Grande artista e profundo militante pelas políticas culturais, sobretudo em Campo Grande, uma figura ímpar para este Fórum. Cândido, agradecemos por tudo, pela bravura, pela força, pela contribuição. Adelante, hermano!"
A cineasta e ex-coordenadora do Museu da Imagem e do Som (MIS), Marinete Pinheiro, destacou a importância histórica das produções de Cândido: "O Cândido marca com seus filmes a transição e o nascimento de Mato Grosso do Sul. Seu curta sobre Conceição dos Bugres é uma referência cultural e documental valiosa sobre um tempo e uma identidade em formação".
Ela apontou que Cândido teve influência direta na sua carreira: "Posso falar por mim. Eu sou cineasta hoje e fui para Cuba por causa dele. Ele articulou com Guido e a escola para a prova acontecer no MS. Eu trabalhei na Umas e Outras Produções antes de ir para Cuba e vi o que era cinema com ele. Fui vê-lo em fevereiro, porque antes da pandemia a gente brigou, daí sentia que precisava muito ir lá agradecer a ele por tudo. Então, estou bem arrasada com ele partindo. Me ensinou muito, inclusive como não fazer as coisas!".

Briguento, nervoso, estourado, interessado, guerreiro, articulador. Esses são alguns adjetivos que podem definir Cândido. Em contraste, ele provou-se um artista à frente de seu tempo, que pensava a cultura como política pública e o audiovisual como ferramenta de transformação social.