O artista plástico Adilson Schiffer Martinez faleceu na terça-feira (28.jan.25), aos 67 anos, em Dracena, interior de São Paulo, após sofrer uma parada cardíaca.
Ele nasceu em São Manuel, também no interior paulista, a exatos 394,2 km de onde faleceu.
Apesar de ter vivido seus últimos dias em SP, Adilson fez carreira como um dos mais importantes artistas plásticos em Mato Grosso do Sul, estado o qual teve que deixar por falta de oportunidades de trabalho. “Como artista, Adilson teve dificuldades para viver de sua arte. Teve que se mudar para buscar melhores condições. Recentemente, ele me ligou, dizendo que sentia saudade dos amigos daqui. Infelizmente, a falta de condições, algo que não é exclusivo do MS, mas que é muito forte aqui, fez com que ele tivesse que sair”, lamentou sua amiga Carol Garcia, curadora de arte e Coordenadora do Escritório Estadual do Ministério da Cultura (MinC) de Mato Grosso do Sul.
Conforme apurado, o artista chegou a Campo Grande (MS) em 1982 – seis anos após a emancipação política e administrativa de MS. “Ele conviveu com os artistas do Mato Grosso e do recém-dividido Mato Grosso do Sul. Havia muitas trocas, apesar das características dos movimentos no MS serem um pouco diferentes das do Mato Grosso. Aqui, Adilson foi consolidando seu trabalho, que, infelizmente, circulou pouco pelo Centro-Oeste e Brasil, mas tem grande importância para nós. Por quê? Porque ele desenvolveu uma estética própria. No Movimento Guaicuru, se empenhou em abordar a cultura do estado, numa época em que se buscava uma identidade para o Mato Grosso do Sul, após a divisão do estado”, contou Carol.
Em MS, o artista ingressou no Movimento Unidade Guaicuru, criado em 1981 por Henrique Spengler e integrado por artistas visuais e plásticos, jornalistas e músicos, que proclamou a necessidade da valorização da cidadania sul-mato-grossense, além de promover o resgate dos indígenas. “Adilson Schiffer é um artista que fez parte do nosso elenco de artistas visuais, ajudando a contar e construir a história da arte em Mato Grosso do Sul. Sua importância se dá por vários fatores. O primeiro que destaco é o movimento Unidade Guaicuru, que começou como um coletivo e se tornou um movimento. Foi no encontro dele com Henrique Spengler, no início da década de 80, quando ele chegou aqui para trabalhar na Universidade Federal, que esse movimento começou a se consolidar, junto com Jonir Figueiredo. Esse movimento foi fundamental e hoje está sendo cada vez mais reconhecido”, apontou Carol.
Além de Adilson e Henrique, integravam o Movimento Unidade Guaicuru: Cleir Ávila, que retratou a natureza pantaneira. Isaac de Oliveira, autodidata baiano, destacou-se nas artes plásticas, retratando o pantanal e cerrado. Heron Zanatta, inovou com computação gráfica, Jonir Figueiredo que explorou a iconografia pantaneira. Miska Thomé, ligada às artes visuais e à música, reconhecida por seu trabalho cultural em MS. Mary Slessor, nascida em Dourados, que apresentou figuras indígenas, refletindo sua vivência com os Kaiowás.
O Movimento Guaicuru, a partir de Campo Grande, promovia fóruns, manifestos culturais, estimulando discussões e extrapolando o conceito de movimento nativista. “Eles elegeram o Povo Guaicuru, uma civilização mais antiga, ancestral dos Kadiwéu, como símbolo cultural, junto aos outros povos originários. Isso foi algo único e nos diferenciava”, indicou Carol.
Para ela, as ações do Movimento Guaicuru ocorreram antes dos indígenas terem voz artística no cenário nacional. “Naquele tempo, pouco se falava sobre a presença indígena e seu legado cultural. Ele, junto com os outros artistas, trouxe à tona a ideia de que o Mato Grosso do Sul era um território indígena e que esses povos produziam uma cultura relevante para o Brasil. Eles organizaram exposições, as primeiras a circular pelo estado, com a curadoria de Jonir Figueiredo. Nessas exposições, além de artistas contemporâneos, buscavam nas aldeias Kadiwéu e de outras etnias artistas indígenas, ceramistas e suas produções. Esse trabalho foi importante para inserir a arte indígena na sociedade do MS e valorizar sua produção, sem explorar a arte indígena para objetivos pessoais, mas sim para integrá-la ao contexto artístico contemporâneo.”
No recém-nascido estado, Adilson ingressou na primeira turma do curso de Artes Visuais da Faculdade de Artes, Letras e Comunicação e atuou como desenhista técnico na Universidade até 1995. “Ele também deu contribuição na Universidade Federal, ensinando serigrafia e outras técnicas até pedir exoneração para se dedicar exclusivamente à arte”, revelou Carol. O trabalho de Adilson não se limitou às artes plásticas; ele também atuou como curador, cenógrafo e educador.
Assim, Adilson começou a abordar essas temáticas em suas obras, retratando o Mato Grosso do Sul através das artes, com foco nos indígenas e questões sociais da época, como a exportação de peles.
Desde a década de 80, ele produziu sem parar, sempre abordando essas temáticas. “Em suas obras, como ‘As Madonas’, inseria símbolos da cultura indígena e elementos da fauna e flora locais. Sua produção foi exposta em museus, circulou pelo estado e compõe muitos acervos de artes visuais públicos e privados aqui. A grande contribuição de Adilson Schiffer foi dar vida a uma iconografia que representa a história dessa terra tão singular”, disse a coordenadora do MinC.
A última exposição de Schiffer em Mato Grosso do Sul ocorreu em julho de 2022, na Galeria de Vidro, em Campo Grande, com o título "Pássaros do meu Quintal".
Seu trabalho, que circulou pelo estado e compõe diversos acervos de arte, deixou um legado imenso, mas Adilson não foi devidamente reconhecido pela sociedade sul-mato-grossense.
Para a amiga e curadora de arte Carol, com Adilson o estado de Mato Grosso do Sul repetiu a sistemática de não valorizar seus artistas. “Adilson não foi devidamente valorizado e reconhecido em Mato Grosso do Sul. Mas isso não é exclusividade dele; é uma realidade para muitos artistas daqui. Eles enfrentam dificuldades porque falta investimento na arte e cultura, não apenas como um campo econômico, mas também simbólico, político e educacional. A arte é o que projeta nossa identidade, conta nossa história e deixa um registro do tempo das pessoas. Infelizmente, ainda falta essa maturidade no estado, a valorização da arte como um campo essencial”, apontou Carol.
Ela explicou que, quando não se dá valor ao artista local, o estado fracassa em enviar sua cultura ao resto do país. “O MS ainda é um estado com o qual o restante do Brasil tem dificuldade em se identificar. Não é à toa que ainda existe confusão com o nome do estado. Isso é simbólico e reflete essa falta de reconhecimento".
Para concluir, Carol destacou a real importância de Adilson para as artes. “É um dos grandes artistas do Mato Grosso do Sul, eternizado na nossa história. Merece todas as homenagens e reconhecimento pela sua contribuição e será sempre lembrado por nós”, concluiu.