À medida que nos aproximamos do pleito eleitoral, o debate sobre os candidatos e suas ideologias se intensifica. Esse cenário, aliado à velocidade das redes sociais e, muitas vezes, ao anonimato proporcionado pela internet, permite a disseminação em massa de diversos tipos de informação, mas principalmente, de desinformação. Com o advento das inteligências artificiais generativas, capazes de criar textos, fotos, áudios e vídeos, a linha entre o que é verdadeiro e o que é falso fica cada vez mais tênue.
Foi justamente para desinformar que uma postagem foi compartilhada em um grupo eleitoral de Campo Grande, com o intuito de insultar candidatos do PT (Partido dos Trabalhadores) e eleitores da esquerda, chamando-os de "burros". O conteúdo, publicado originalmente em uma página do Instagram chamada "Direita da Opressão", atacava o programa Voa Brasil, lançado pelo Governo Lula para facilitar o acesso de aposentados a passagens aéreas.
Na publicação, a página utilizou inteligência artificial para criar imagens de burros, atribuídos ao PT e à esquerda, formando um vídeo com narração, cujo objetivo era deturpar os princípios do programa e descredibilizar uma iniciativa de inclusão social recém-lançada.
Por meio do projeto "Diversidade nas Redações 3: Desinformação e Eleições", promovido pela Énois com patrocínio do Google News Initiative, o TTVChecaZap, agência de checagem de fatos da TeatrineTV nas eleições de 2024, demonstra como esse tipo de postagem é prejudicial, fomentando preconceito e desprezo a candidatos e eleitores.
O Programa
O programa Voa Brasil é uma iniciativa pioneira de inclusão social na aviação brasileira, lançado pelo Governo Federal com o objetivo de democratizar o transporte aéreo no país. Ele oferece passagens aéreas a um custo acessível, de até R$ 200 por trecho, para aposentados do INSS que não tenham viajado de avião nos últimos 12 meses.
A proposta é aproveitar as poltronas vazias nas aeronaves para criar uma nova demanda de passageiros, promovendo a eficiência do setor aéreo e permitindo que mais brasileiros tenham acesso a viagens de avião. Cada aposentado tem direito a adquirir dois bilhetes aéreos por ano por meio do programa, facilitando o deslocamento e aumentando a acessibilidade ao modal aéreo.
Uso de IAs na Desinformação
A internet sempre foi um meio propício para a disseminação de notícias falsas. No entanto, segundo Higor Henrique Picolli Nucci, mestre em Computação Aplicada pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), com foco em inteligência artificial, a situação tende a piorar com o uso indiscriminado das LLMs (Large Language Models), grandes modelos de linguagem computacional.
"Esses modelos são capazes de ler uma quantidade enorme de textos e criar uma notícia a partir deles, com base no contexto que você fornece. No contexto eleitoral, por exemplo, você pode inserir várias informações sobre um candidato e pedir que o modelo transforme isso em uma história fictícia, mas que utiliza fatos reais para criar uma narrativa que parece verídica. Esse é um dos maiores problemas", destacou Nucci.
No caso do vídeo em questão, é fácil perceber que se trata de um conteúdo fantasioso, especialmente porque são utilizados personagens fictícios como pano de fundo para uma narração que distorce a realidade do programa Voa Brasil. Esse tipo de conteúdo difere dos deepfakes, que manipulam fotos, vídeos e áudios de pessoas reais, tornando ainda mais difícil para o usuário comum distinguir entre verdade e ficção.
A falta de ferramentas eficazes disponíveis ao público para checar esses conteúdos é mais um obstáculo. "A IA produz conteúdos com alguns defeitos, como dificuldades em identificar bordas ou olhos em imagens, além de ter problemas com textos. Mas pense num usuário comum, será que ele vai parar para checar uma notícia de um candidato que ele não gosta?", comentou Nucci.
No entanto, há sinais que podem ajudar a identificar se o conteúdo é falso. "Notícias falsas geralmente carecem de dados estatísticos ou, quando têm, os dados são extremamente distorcidos, sempre muito altos ou baixos, como 95% ou 5%. Além disso, costumam usar palavras como 'muito' e 'sempre' para dar ênfase", explicou Nucci.
Risco Eleitoral
O secretário judiciário do Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso do Sul (TRE-MS), Marcos Rafael Coelho, alerta para o uso de inteligências artificiais (IAs) como um risco real à lisura das eleições. No entanto, ele destaca que o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) já dispõe de regulamentações para controlar o uso dessas tecnologias.
Segundo ele, as IAs têm como principal potencial a propagação de notícias falsas e a manipulação da opinião pública. “Esses fatores tornam a IA um instrumento potente para influenciar eleitores, desvirtuando o processo eleitoral e a democracia. Desse modo, é importante que a Justiça Eleitoral esteja atenta ao uso dessas ferramentas em desacordo com as normas de regência”, afirma.
Marcos Rafael Coelho também cita que existem meios eficazes para enfrentar esse problema, como a identificação de conteúdos gerados por IA, conforme resolução do TSE, a colaboração com plataformas de redes sociais e a promoção da educação digital, com o objetivo de treinar usuários para reconhecer fake news e deepfakes, tornando-os mais críticos em relação às informações que consomem.
Além disso, ele ressalta as sanções que podem ser aplicadas a quem for flagrado descumprindo as regras eleitorais. “Multas processuais: A disseminação de propaganda irregular, inclusive conteúdos manipulados, pode acarretar multas processuais em representações eleitorais, quando houver determinação de sua retirada e recusa de atendimento. Essas multas processuais, também chamadas de astreintes, não podem ser aplicadas no exercício do poder de polícia, mas tão somente dentro das representações eleitorais. Cessação imediata: A Justiça Eleitoral pode determinar a retirada imediata do conteúdo irregular e impedir sua circulação, com notificação tanto para a pessoa responsável quanto para o proprietário do veículo onde foi veiculada a propaganda. Implicações criminais e ações judiciais: Se o conteúdo manipulado for considerado uma forma de abuso de poder econômico ou de uso indevido dos meios de comunicação, os responsáveis poderão ser investigados e processados judicialmente com base na Lei Complementar nº 64/1990, sem prejuízo de configuração de outros ilícitos correlatos, inclusive na seara criminal eleitoral”, conclui.