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LEI PAULO GUSTAVO

Sem carreira audiovisual, chefe da Feira Central tenta 'ganhar' edital na Justiça

Liminar judicial pode atrasar certames e prejudicar quase 140 projetos e artistas aprovados

Por TERO QUEIROZ • 18/11/2023 • 18:25
Imagem principal Alvira Soares Melo (Alvira Appel) tenta na justiça emplacar projeto da Associação da Feira Central, Cultural e Turística de Campo Grande (Afecetur), mesmo a entidade não sendo agente do Audiovisual. Foto: Tero Queiroz

Centenas de trabalhadores do Audiovisual campo-grandense estão revoltados com a atitude da presidente  Associação da Feira Central, Cultural e Turística de Campo Grande (Afecetur), Alvira Soares Melo (Alvira Appel Soares), que conseguiu, em 17 de novembro, uma ação liminar na 1ª Vara de Fazenda Pública e de Registros Públicos que barra a continuidade do cronograma para pagamento de 138 projetos e artistas aprovados em dois editais lançados pela Secretaria de Cultura e Turismo (Sectur), com uso de recursos da Lei Paulo Gustavo (LPG). 

Como mostramos aqui no TeatrineTV, a Sectur publicou, no final de setembro, dois editais que juntos somaram R$ 6.672.606,74 em investimentos culturais para segmentos distintos. Os editais foram para ‘Projetos e Premiação das Demais Áreas’ e um edital exclusivo para ‘Projetos e Premiação do Audiovisual’. Alvira propôs que a pessoa jurídica da Feira deveria receber uma premiação de R$ 20 mil pela trajetória cultural no Audiovisual, no entanto, esse espaço era exclusivamente para reconhecer pessoas físicas. Alvira também propôs, por meio do CNPJ da Feira, finalizar o ‘’Documentário - Feira Central, 98 anos de História”, no entanto, para esse espaço uma das regras era que o proponente deveria ter sua Classificação Nacional das Atividades Econômicas (CNAE) relacionada como trabalhador do Audiovisual, o que não é o caso da Feira Central.

“5.1.1. O agente cultural deverá necessariamente se enquadrar na definição de empresas produtoras brasileiras independentes (conforme art. 2o, XIX, da Lei no 12.485/2011), conforme exigido no art. 3o, § 3o, do Decreto no 11.525/2023, que regulamenta a Lei Paulo Gustavo”, regulou o edital. O mesmo decreto prevê ainda maior impedimento na categoria na qual Alvira se inscreveu: "§ 3º  Nas categorias de longas-metragens, séries e telefilmes a que se referem os incisos III, IV e V do § 2º, a execução será realizada obrigatoriamente por empresas produtoras brasileiras independentes, conforme o disposto no inciso XIX do caput do art. 2º da Lei nº 12.485, de 12 de setembro de 2011". A íntegra do decreto da LPG.  

Mesmo diante das claras justificativas, de o porquê foi desclassificada, Alvira usando sua influência política, teria tentado movimentar vereadores a intervir. O vereador Ronilço Guerreiro disse ao TeatrineTV que ele e colegas da Casa de Leis notaram, porém, que o pedido de Alvira não podia ser atendido. “Tinha que ter critérios e ela não cumpriu, segundo o que a própria Comissão disse”, apontou o vereador.

Ao não conseguir apoios no legislativo, Alvira então moveu uma ação na justiça deferida pelo juiz Marcelo Andrade Campos Silva. “Aduziu ainda que, em 01.11.2023, através de edital, foi apresentado resultado preliminar das Propostas de Projetos, onde a IMPETRANTE aparecia empatada com outro proponente, com nota 73”, cita a peça referindo-se a lista de projetos 'pré-aprovados'. A ação não menciona o fato de que Alvira não é agente cultural do Audiovisual, algo eliminatório no edital. Eis a íntegra da ação judicial

Vamos lembrar que A Lei Complementar (LC) nº 195, de 8 de julho de 2022, conhecida popularmente como Lei Paulo Gustavo (LPG), nasceu como uma homenagem ao artista de mesmo nome, vítima de Covid-19. A morte de Paulo gerou comoção nacional, com forte atuação da classe artística e da sociedade em defesa da categoria. A criação da lei teve como principal motivação a crise econômica vivida pelo setor cultural durante a pandemia e grande parte do recurso foi destinada exclusivamente ao audiovisual porque a verba total de R$3.862.000.000,00 (três bilhões, oitocentos e sessenta e dois milhões de reais) foi retirada dos superávits do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA) e uma menor parte, retirada de receitas vinculadas ao Fundo Nacional de Cultura (FNC). A indústria audiovisual brasileira praticamente bancou a Lei Paulo Gustavo, por isso, o setor teve uma maior parcela destinada exclusivamente aos agentes do audiovisual.

“A Lei Paulo Gustavo é um auxílio emergencial para os artistas. A Feira Central se inscreveu como Associação em duas categorias de audiovisual e premiação ao qual não se enquadra nos critérios da Lei Paulo Gustavo e do Edital. A liminar que ela entrou só retarda o processo criando conflitos e prejudicando os artistas classificados, que poderiam receber até o final do ano os recursos para iniciarem seus projetos, que agora ficaram sem saber quando receberão. Mas a Secretária já está tomando as medidas necessárias para que nossos artistas não sejam prejudicados”, explicou o Superintendente de Cultura e Turismo, Roberto Figueiredo.

Trabalhadores do audiovisual alegaram que a ação judicial movida por Alvira é equivocada e de má-fé, pois é sabido que ela não é uma trabalhadora do Audiovisual assim como a Feira Central também não é. “Foi uma ação arbitrária. Em nenhum momento se preocupa com os agentes culturais do segmento. Pode prejudicar centenas”, disse o cineasta e produtor Fábio Flecha.

“Minha interpretação é que o edital ao buscar facilitar a entrada dos proponentes, buscando não onerar os agentes culturais, deixou pequenas brechas no Fomento, fazendo com que pessoas que não devem sequer ter lido o Decreto se aproveitem. A ação que a proponente realiza para ter resultados tão rápidos claramente se utiliza de sua posição para conseguir o resultado desejado. Mas a meu ver quem tem força jurídica para pontuar de forma mais consistente é o jurídico da Sectur”, comentou o cineasta, ator e produtor Filipe Silveira.

“Claro que repudio a ação da Feira, mas gostaria de deixar aqui minha crítica construtiva à Sectur para futuros editais. Acredito que todos aqueles agentes culturais que foram desclassificados mereciam uma justificativa/retorno por parte da Secretária. Tivemos acesso a testemunhos de outros agentes culturais que participaram do edital e ficaram sem entender o porquê da desclassificação e também ouvimos relatos de pessoas que não receberam respostas aos recursos interpostos. Para garantir total transparência da parte da prefeitura em relação ao processo, teria sido oportuno publicar em diário Oficial a lista dos desclassificados e a motivação/item/critérios utilizados para que isso ocorresse”, observou a cineasta, animadora e produtora Ara de Andrade Martins.

“Qualquer proponente que não possua CNAE de produção audiovisual não pode exigir ser classificado no Edital Paulo Gustavo. Do contrário, a SECTUR estaria infringindo o § 3º do DECRETO Nº 11.525 DE 11 DE MAIO DE 2023. Nós produtores de audiovisual de Campo Grande reforçamos nosso apoio à classificação publicada no Diogrande n. 7.274 e nos opomos veementemente a qualquer tentativa de interferência nas decisões soberanas da SECTUR se em acordo com a legislação”, disse a coordenação do Colegiado de Audiovisual de Mato Grosso do Sul, em ofício.

A reportagem procurou Alvira para ouvi-la acerca da liminar e ela disse: ‘’quando saiu o edital, a gente se enquadrou no audiovisual e estávamos em primeiro lugar como selecionados, recebemos muitos elogios. Numa segunda publicação no diário oficial, fomos retirados sumariamente. Nós constamos como os primeiros colocados, por idade, tempo. Contratamos uma produtora para nos inscrever na linha que pudéssemos participar e no edital que nos inscrevemos estava escrito que podia participar ‘qualquer produtora cultural’”, argumentou. Ela argumentou que solicitou R$ 250 mil para uma produtora finalizar o seu filme documentário sobre a Feira. “Estamos pagando há muito tempo uma produtora para fazer esse filme sobre a feira e buscamos recursos para finalizar”.

Ao ser questionada se o CNAE da Feira se enquadra como trabalhador do ‘audiovisual’, Alvira se exaltou e disse que o ‘Edital publicado pela Sectur’ não trazia tal informação e que o repórter estaria sendo tendencioso. "Compreendo, como jornalista, que você deveria ter isenção e ser imparcial. Só gostaríamos de saber por que fomos retirados. Essa informação que você me deu não existe. Seguimos o edital e não recebemos nenhuma resposta dos responsáveis. Acho que você não está sendo isento. Então, tchau", finalizou.

A informação que a reportagem havia passado para Alvira era de que, no edital que ela se inscreveu, apenas produtoras de audiovisual com caráter jurídico pertinente poderiam se inscrever, sendo isso matriz da LPG. Ela, porém, defendeu que o edital não explicava isso.


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Tags: Afecetur, Alvira Appel Soares, Alvira Soares Melo, Audiovisual, Feira Central, Lei Paulo Gustavo, Secretaria de Cultura e Turismo, Sectur

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