O insulto à cultura e aos movimentos de esquerda tem sido uma das principais estratégias da direita conservadora nas eleições, especialmente com o avanço da polarização, alimentada pela internet e suas ferramentas que permitem a rápida disseminação da desinformação.
Em Mato Grosso do Sul, esse cenário não é diferente. Nesta semana, a página "Pantaneiro Conservador", cujo administrador se identifica como "Patriota, Conservador e Cristão", divulgou um vídeo em que militantes de extrema direita exibem uma carteira de trabalho a Guilherme Boulos, candidato à prefeitura de São Paulo pelo PSOL.
Por meio do projeto "Diversidade nas Redações 3: Desinformação e Eleições", promovido pela Énois com patrocínio do Google News Initiative, o TTVChecaZap, agência de checagem de fatos do TeatrineTV nas eleições de 2024, mostra como esse tipo de postagem é prejudicial, pois fomenta o preconceito e desprezo aos artistas.
"Kriptonita"
A postagem da página "Pantaneiro Conservador" compara a CLT à "kriptonita" — substância que enfraquece o Super-Homem nos quadrinhos — de Boulos, insinuando que ele, professor e deputado federal, nunca teria trabalhado. Isso reforça o estereótipo da direita de que militantes de esquerda são "vagabundos" e dependentes do Estado, ofensas que se estendem aos artistas e aos movimentos culturais.
Um discurso semelhante foi propagado pelo vereador Thiago Vargas (PSD) durante uma sessão da Câmara Municipal de Campo Grande, em dezembro de 2023. Na ocasião, vários artistas participaram da sessão para denunciar o descumprimento de editais culturais por parte da prefeita Adriane Lopes (PP) e cobrar o aumento da previsão orçamentária para editais em 2024.
A sessão começou tensa, com vereadores da base da prefeita incomodados pelos cartazes em que os agentes culturais se referiam ao descumprimento dos editais de 2022 e 2023 como um "calote". Vargas aproveitou o momento para insultar os artistas, exibindo uma CLT de maneira vexatória para reforçar estereótipos equivocados.
Ele chegou a afirmar que a Fundação do Trabalho de Mato Grosso do Sul (Funtrab) tinha vagas disponíveis e que os artistas deveriam buscar emprego. A artista visual Thalya Veron, presente na sessão, disse que o sentimento foi de revolta e indignação na plateia: “E a arte em si, ela me ajudou de diversas maneiras. Por trás de toda essa classe artística, existe muito sentimento, existe muita correria e muita batalha para estarmos ali, inseridos num micro-espaço que às vezes é oferecido para nós [...] e que muitas vezes a gente é humilhado. E a arte, ela me ajudou em quadros de ansiedade, depressão, a me colocar na sociedade. Então, a arte me ajudou de diversas maneiras. E cultura, a arte em si, a pintura, o grafite, são movimentos políticos, movimentos de expressão”, destacou.
CULTURA É TRABALHO
O ator, palhaço e produtor cultural Anderson Lima reforçou que o trabalho do artista é como qualquer outro, exigindo dedicação e rotina. “Olha, o trabalho do artista é um trabalho, então ele necessita de rotina, como qualquer outro. O que as pessoas querem negar, ou parte da sociedade quer negar por falta de desinformação, porque que acha que o artista nasce com certo dom e que aquilo ali não precisa ser lapidado diariamente”, afirmou.
Lima também destacou que a atividade artística e cultural gera renda e impulsiona diversos setores da economia. “A gente percebe, sobretudo, que o comércio nosso não é só feito daquelas grandes contratações [...] a cultura, como poucos elementos, consegue envolver toda a cadeia comercial em quase todas as suas esferas de produção. [...] Combater as fake news e dar o devido valor à cultura é fundamental para as pessoas começarem a ter mais respeito e tratar a gente com mais dignidade”, concluiu.
A vereadora Luiza Ribeiro (PT), reconhecida pela defesa da cultura, criticou a propagação de ideias preconceituosas nas redes sociais e aplicativos de mensagens, ressaltando a ignorância de quem propaga esses pensamentos sem considerar o impacto para os outros. “Bem, isso aí é uma arrogância desse povo que se diz direita porque nem compreende nada, porque estuda muito pouco, porque tem até preconceito com estudar [...] os trabalhadores, as pessoas que são de esquerda, geralmente são as pessoas mais trabalhadoras. [...] Essa questão de falar que quem é de esquerda não trabalha vem dessa arrogância, dessa pessoa que se declara de direita ou de extrema direita e que não enxerga mais nada, enxerga só a sua própria existência”, afirmou.