Diversos agentes culturais compareceram, na 6ª feira (25.out.24), à sede da Cultura em Campo Grande – Memorial Apolônio de Carvalho – reunindo-se com o Secretário de Esporte, Turismo e Cultura (Setesc), Marcelo Miranda, e o diretor-presidente da Fundação de Cultura de Mato Grosso do Sul (FCMS), Eduardo Mendes, e equipe.
Capitaneada pelo Fórum Estadual de Cultura do Estado (FESC), a reunião ocorreu no terceiro andar do prédio, onde fica o Museu da Imagem e Som (MIS). Veja a galeria:
Havia representantes de diversos colegiados e imprensa no local. A reunião teve ‘café e bolo’ oferecido pela FCMS e ocorreu 9 dias após agentes culturais realizarem um ‘Chá Revelação’, em protesto contra o atraso de mais de 6 meses nos pagamentos dos editais da Lei Paulo Gustavo.
A conversa iniciou por volta das 15h, extremamente tensa. O Secretário garantiu que está 'trabalhando em prol da cultura'. "Eu tenho certeza de que a gente tem, cara, o mesmo objetivo, nosso é comum. Não tem por que a gente querer atrapalhar as coisas. Temos que pacificar a relação”, argumentou Miranda, em uma das suas breves falas, sendo rapidamente pressionado pelos agentes culturais.
Em vídeo produzido pela reportagem, Miranda reclamou do protesto que antecedeu a reunião. "A forma como vocês fizeram aquela manifestação, eu fiquei incomodado. Seu eu tivesse no dia, eu não iria (...)". Assista:
No encontro, a equipe da FCMS apresentou um relatório dos pagamentos dos editais, prometendo pagar tudo antes que o prazo acabe, no final de dezembro de 2024.
O momento serviu ainda para os chefes da cultura assumirem, que de fato, cancelaram a edição de 2024 do Campão Cultural, que acontece na Capital, e do Festival América do Sul, que ocorreu por anos em Corumbá (MS).
“Pontualmente, a gente sai daqui com um compromisso de que até o dia 30 de outubro todos os projetos já estarão com o empenho feito, ou seja, a partir do dia 30, a gente já vai conseguir ter um panorama do cenário do rendimento para então a convocação dos suplentes. Nós saímos também com o compromisso de que será solicitada uma reunião extraordinária com o Conselho para essa convocação dos suplentes e que, segundo o que os gestores nos disseram, nesses 60 dias restantes desse ano, vai dar tudo certo e vamos devolver o mínimo possível de recursos”, introduziu Ângela Montealvão, coordenadora do FESC.
O grande reclamo que ecoou por diversos artistas presentes foi que a FCMS não está tendo uma comunicação efetiva com os proponentes da LPG. No auge de um dos mais acirrados confrontos em razão da falta de comunicação, o Diretor Geral da FCMS, Carlos Heitor, interviu prometendo “arrumar um telefone e e-mail até segunda-feira (28.out.24), por onde os artistas aprovados na LPG poderão se comunicar com a FCMS. “Nós enviaremos isso para o FESC”, garantiu Carlos, amenizando o conflito em que Eduardo e Marcelo estavam na ‘defensiva’.
Apesar de reconhecer que ‘não’ há linha telefônica disponível para os artistas, o chefe da FCMS negou que haja ‘falta de diálogo’ entre a entidade e os trabalhadores do setor. “Eu acho assim, problema de comunicação sempre existe. Não é só nós aqui, em órgãos de governo. Acontece. A falta de diálogo, eu discordo. Eu atendo todos os colegiados, atendo grupos, todas as pessoas que me pedem agenda, elas acabam sendo atendidas. Então, assim, a falta de diálogo não existe. Eu acabei de falar aqui na reunião que foi gravada, eu tenho uma reunião semana que vem marcada com um colegiado de dança, já fiz reunião com um colegiado de Hip Hop, atendo todos os colegiados e de forma geral. O que foi colocado, um ofício do dia 7 do FESC, que chegou, na verdade, chegou na minha mesa dia 9 e a não-resposta acarretou uma manifestação em menos de uma semana”, argumentou.
As lideranças da cultura disseram que continuarão atentas a essas demandas para que de fato isso aconteça e que o Estado não perca esse investimento. “É um investimento na cultura que é muito precioso para todos nós. As outras pautas foram debatidas e a gente percebe que há uma ansiedade e anseios muito grandes de toda a classe por esse diálogo. Então, por isso mesmo, a gente já sai daqui com a proposta de outros eventos para este fim, para que os setoriais possam falar, os agentes individuais também possam colocar os seus anseios e afinar essa comunicação”, acrescentou Ângela.
Durante entrevista ao TeatrineTV, Eduardo Mendes comprometeu-se a corrigir o problema de comunicação na FCMS com os agentes. “Eu vou fazer esse levantamento. Até onde eu tenho informação, dentro do Prosas e no sac, as pessoas estavam sendo ouvidas. Ouvidas e falavam. Agora é uma questão de ver exatamente o que há de problema nessa comunicação e, óbvio, corrigir. Porque a gente não quer atrapalhar os processos por falta de comunicação”.
Sobre a execução ‘não anual’ do FIC, Eduardo Mendes, quando questionado, foi evasivo: “Então, a gente lançou o FIC em 2023, executou em 2024. Agora a gente lança o de 2024, paga no começo de 2025 e já executa ele todo em 2025, com a vantagem que, ao invés dos R$ 7 milhões anteriores, agora serão 14 milhões”.
A discussão também abordou como serão feitos os encaminhamentos para a execução da Política Nacional Aldir Blanc (PNAB), instituída pela Lei nº 14.399, de fomento à cultura, que enviará volumoso recurso do Ministério da Cultura (MinC) para Mato Grosso do Sul durante 5 anos. “Referente à PNAB, o compromisso da Fundação de Cultura com a contratação da equipe técnica qualificada e em número suficiente para a execução desse Plano Nacional por parte do Estado. E a gente solicitou também que isso seja colocado em dados, que eles nos apresentem quantos, como, quais especificidades, que apresentem essa equipe de forma técnica em dados, para que a gente visualize essa execução. E, enfim, estamos aí na construção sempre e nessa organização da sociedade civil, que é cansativa. Sim, mas é necessária, porque a gente avança”, completou Ângela.
Apesar da tensão inicial, a reunião terminou pacificada, com os compromissos firmados pelos gestores da pasta cultural do governo Riedel.
DESENVOLVIMENTO DE PLATAFORMAS
Quando começou a execução da Lei Paulo Gustavo em MS, no início de 2023, a FCMS queria ‘criar uma plataforma’ online para inscrições em editais. Porém, a entidade acabou ‘contratando’ a plataforma privada ‘Prosas’, que faturou R$ 392,8 mil para fornecer espaço para inscrição dos editais em MS.
Eduardo Mendes explicou que o desejo de criar a própria plataforma não foi apontado como viável pela equipe de tecnologia do governo de Eduardo Riedel (PSDB). “O grande medo de você começar o desenvolvimento de uma nova plataforma e colocá-la à prova é quais são os testes que você tem? Quais são as garantias? A gente falou aqui que a Prosas teve problemas no início. O próprio governo do estado, olha o tamanho do governo do estado. Eles têm lá a Prodesc, têm um departamento, o maior departamento de informática do Brasil, e não deram conta de desenvolver uma plataforma, foram para uma privada. Então, quando você pensa no custo de desenvolvimento, quando você pensa em toda a feitura dessa plataforma, os 300 mil não ficam fora do que você pagaria para uma equipe desenvolver isso. E com o problema ainda, de repente, ela sair inoperante. Acho que dos custos operacionais que a gente tem, a ‘Prosas’ é um ganho. Como eles estão com o projeto no Brasil inteiro, vão fazendo as melhorias e a gente ganha muito com isso”, disse Eduardo Mendes.
CONTINUIDADE E EDITAIS
Eduardo detalhou que o governo vai soltar os editais do Fundo de Investimentos Culturais (FIC) em 15 dias e já começará os editais do Plano Nacional Aldir Blanc (PNAB). “A minha vocação e vontade é que a gente tenha pelo menos uns 15 editais de PNAB aí, para garantir que muitas pessoas da cultura sejam atendidas nas suas formas. Até porque sabemos como o FIC é travado. O FIC não possibilita, por exemplo, fazer os editais que estamos sonhando fazer na PNAB. Foi uma construção junto com o governo federal, através das escutas também, para que pudéssemos planilhar esses editais de forma mais democrática. As escutas que fizemos na cidade, e que trazemos, são fundamentais. Estou há um ano e um mês na fundação. Então, estou vivenciando muitas coisas ainda, na pancada, errando, aprendendo. Não que isso seja legal, mas acontece”, pontuou.
PROBLEMAS COM A LEI PAULO GUSTAVO
Tanto Marcelo Miranda quanto Eduardo Mendes insistiram que os ‘problemas’ para execução da Lei Paulo Gustavo aconteceram em todo o Brasil, não sendo uma exclusividade da gestão tucana. “Mato Grosso, por exemplo, executou 30%. Mato Grosso não é um bom exemplo, mas é o mais próximo de nós. Goiás está na nossa frente, é verdade. Goiás está ótimo. Goiás está na nossa frente na execução de Paulo Gustavo. Mas muitos estados grandes tiveram problemas. Eu tive reunião com o Paraná, que também teve muitos problemas. O Rio Grande do Sul também. No geral, o norte está muito bem e o Nordeste também não”, disse,
citando exemplos: “Inclusive, durante as reuniões do fórum, eu comecei a olhar quais são os exemplos bacanas no Brasil. Eu estive no Ceará, com a Luísa Cela, que é a secretária de cultura. Eles estão muito na nossa frente”.
EXEMPLOS DE SUCESSO E ESTRUTURA
Eduardo Mendes disse ao TeatrineTV que pretende, de fato, terceirizar a gestão de equipamentos culturais como o Centro Cultural José Octávio Guizzo, se baseando em experiências de sucesso no Nordeste do país, novamente destacando o Ceará.
“Eles têm lá o Dragão do Mar, que cuida de 19 equipamentos culturais, inclusive o equipamento esportivo, que é o Centro Olímpico. É a maior coisa que já vi na vida de treinamento, acontece lá em Fortaleza. São quatro OS’s lá hoje, porque a Dragão do Mar parou de dar sequência. Não consegue. Fizeram um novo prédio da Pinacoteca, do Museu, alguns museus, e já chamaram outras OS’s para tomar conta. E a gente não tem essas OS’s no Centro-Oeste, por exemplo. Não existem. Então, estamos plantando uma sementinha agora, com a feitura digital para a OS, para trazer um modelo de fora. Espero que seja do Nordeste, para que possamos aprender com eles e difundir essa maneira”, opinou Eduardo.
Questionado pelo repórter se não estaria, com isso, privatizando o equipamento cultural, Eduardo rebateu, alegando que o edital para a OS gestora deverá corrigir sintomas ‘privatistas’. “Essa maneira público-privada, essa maneira de se fazer... Não é nem privada, né? Porque a OS é uma organização social. Mas eu acho que o avanço é trazer também a parte privada, por que não? Com incentivos para a própria cultura e tudo mais, nesse grande caldeirão de recursos para a cultura”.
Na avaliação do chefe da FCMS, a parceria ‘público-privada’ ajudará a ampliar o atendimento nas áreas do setor cultural. “O cobertor é curto, então você cobre um, descobre o outro. Então, a ideia é ter a iniciativa privada e a iniciativa pública somando esforços”.
Eduardo argumentou que ‘passar a gestão para a OS’ não impedirá a utilização pública do equipamento. “O grande lance na OS, Tero, está na hora de escrever a utilização do equipamento cultural. Por exemplo, vamos colocar o Otávio Guizzo, que está em vias de entrar na OS. Então, o que eu fiz na hora que aprovei a OS? Eu não fiz da cabeça. Chamei o Conselho de Cultura, aprovei no conselho e disse para o conselho o seguinte: nós vamos escrever juntos aqui o regimento do teatro. Ele tem que ter renda própria? Tem. Ele tem que ser gratuito? Tem. Ele tem que agregar o máximo possível de públicos para que possamos realmente dar vida ao teatro. Então, ele tem que ter um custo. Vamos supor, uma escola quer fazer uma apresentação. Ó, o custo do teatro é tanto. Agora, tem as vagas destinadas à população para utilizar de forma gratuita. Isso vai ser garantido na feitura da OS”, comentou.
VANTAGENS E DESAFIOS DA OS
A utilização de uma OS na gestão vai baratear os custos, alega Eduardo Mendes. “Por exemplo, para comprar uma gelatina, eu tenho que ter uma licitação, um processo. Aí, em última hora, pô, estourou um negócio que você não tinha. O que você faz? Abre um processo licitatório. Aí, o que acontece? Você acaba não atendendo o processo. Você acaba não atendendo o teatro na sua totalidade. A OS tem a facilidade de a administração ser mais fácil. Ela tem um cartão de crédito, passa lá, justifica e acaba comprando”, defendeu.
Para Eduardo, caso ‘não dê certo a gestão com a OS’, o estado recuará da proposta. “Mas eu acho que tudo na vida é perene. Ela não é de uma forma absoluta. A gente colocou a OS, estuda um ano, estuda dois. A Luísa Cela, que é a secretária de cultura do Ceará, falou que foi uma das pessoas que bateu panela quando o Tasso Jereissati colocou a Dragão do Mar como OS. E hoje ela entende a necessidade. Acho que é isso. Fazer escuta, conversar com as pessoas, nos entendermos enquanto organismo para assumir uma gestão dessa maneira. E, se lá na frente não der certo, a gente volta para o status que o momento exigia”, citou.
CONFERÊNCIA DE CULTURA
Ao longo da reunião, também foi firmado o compromisso pelos gestores de realizar uma Conferência de Cultura para reformular a Lei do FIC, a Lei do Sistema Estadual de Cultura. “A gente tem que fazer nos mesmos moldes que foi na nacional, escolhe os delegados e subsidia essas pessoas para virem a Campo Grande. Acho que tem que ser do mesmo nível que foi a 4ª Conferência de Cultura Nacional. Aí a gente tem que estudar os locais para fazer com muito acesso, com muita facilidade, enfim”.
Antes do encontro dos realizadores de cultura de MS, o estado pretende organizar um ‘encontro de gestores e escutas regionais’. “A nossa ideia? Nós já definimos com o conselho uma data em fevereiro para fazer um encontro de gestores. A ideia é que venham gestores de cultura. Uma coisa que o pessoal da conferência tem que entender é que precisa ter advogado junto, tem que ter vereador junto. Porque depois o cara volta para a cidade dele e ninguém dá moral para ele. Então tem que trazer os advogados da procuradoria jurídica deles, tem que trazer pelo menos um vereador ligado à cultura, ou da comissão de cultura da Câmara, para que isso dê voz quando ele voltar para o município”, detalhou.
A partir dessa construção, o estado começará a etapa de escutas regionais. “Nós tomamos o cuidado de chamar o escritório do MINC e agora ainda vou conversar também com a Fernanda e o Anderson, do comitê de cultura, para que possamos fazer isso até sincronizado. E depois planilhar as escutas regionais. Na minha opinião, tem que ser umas 10 escutas regionais, menos que isso aperta demais. E aí sim, partimos para uma conferência estadual para discutir a 5060, o FIC e essa nossa legislação”.
Eduardo Mendes citou ainda a provável data em que a Conferência deve acontecer em MS. “Eu gostaria muito de fazer isso entre setembro e outubro do ano que vem. É a minha vontade. Eu falo para as pessoas, a última foi em 2014, nós estamos em 2024. Faz 10 anos. Então, temos que construir uma coisa bem feita, bem estruturada, para não ter erros. Estamos chamando também para essa conversação as universidades, que são muito importantes. As universidades de arte também, o curso de arte. É necessário. E outra coisa, estamos conversando também com todas as universidades para a disponibilidade de cursos voltados para a cultura. Tive uma reunião com o Laércio esses dias pedindo isso. A gente já marcou uma agora na Universidade Federal. E também o IF está se posicionando muito favorável à criação de novos cursos nesse segmento”.
Com essa agenda de ‘união’, o chefe da FCMS diz que pretende reconstruir as legislações e facilitar a execução de ações culturais por todo o estado. “A ideia é essa: que possamos unir esse caldeirão todo para sair um documento bacana, fazer uma modificação decente da lei. E uma coisa que a gente tem aprovação na Assembleia. Também não adianta a gente propor uma coisa maluca, que depois não vai ter a oportunidade. Então é por isso: ter calma, cautela, chamar todo mundo, escutar todo mundo. Paralelo a isso, vai ter um GT criado, juntamente com o colegiado e o nosso corpo técnico jurídico, para que a gente não infrinja leis estaduais e nacionais. E tentar trazer uma vanguarda na legislação. Até porque o marco regulatório já está valendo a partir do ano que vem, a todo vapor. Mas, para você seguir o marco regulatório na totalidade, temos que mudar algumas leis, alguns decretos estaduais. Então, assim, vai ser um exercício muito grande, mais jurídico do que cultural, no sentido de conseguirmos fazer esse plano, mas cultura também faz legislação”, finalizou.