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Festival de Inverno de Bonito

Avaliação tendenciosa do Festival de Inverno de Bonito revolta artistas

Primeiro festival cultural da gestão Eduardo Riedel não para de acumular erros e provocar insatisfação

Por TERO QUEIROZ • 17/08/2023 • 05:10

Profissionais de várias linguagens artísticas estão revoltados com a avaliação de atrações regionais do 22º Festival de Inverno de Bonito (FIB), em Mato Grosso do Sul. A falta de transparência no certame é a principal crítica e há nas denúncias a clara parcialidade de alguns avaliadores.

O Instituto de Cultura e Desenvolvimento Solidário Máxima Social (OSCIP), terceirizada que obteve mais de R$ 6 milhões para executar o festival, divulgou na 3ª feira (15.ago.23), a lista de propostas selecionadas (eis a íntegra) nas áreas de música, teatro, circo, dança, audiovisual, artes visuais-vivência artística, hip hop e moda, que devem se apresentar de 23 a 27 de agosto de 2023.

A seleção das propostas foram feitas por três pareceristas:

  • 01 escolhido pela FCMS (servidor público);
  • 01 escolhido pela Oscip (contratado, que deveria ser profissional gabaritado na linguagem de análise); e,
  • 01 parecerista indicado pelo Fórum Estadual de Cultura (voluntário, que deveria ser profissional gabaritado na linguagem de análise).

Assim que saiu o resultado, ao menos três colegiados de cultura encontraram inconsistências nos nomes escolhidos para analisar as propostas, identidades que só são divulgadas após as análises feitas.

AUDIOVISUAL

Foram selecionados para integrar a programação de audiovisual do 22º FIB na categoria curta-metragem de até 25 minutos:

  • 1º Cleverson de Oliveira Rojas – Arte Resistência;
  • 2º Bruno Henrique Seleguim – Asfalto, Becos e Ruas.

Na categoria média-metragem com mais de 25 minutos:

  • 1º Ev Imagens LTDA – Banho de São João nas Águas do Rio Paraguai
  • 2º Aliciane Rodrigues Rocha – A Cena das Mina - Mulheres no Rap Sul-mato-grossense

De acordo com membros do Colegiado de Audiovisual de Mato Grosso do Sul, dos quatro filmes selecionados para integrar a programação, dois são vídeo-performances e um é produção audiovisual de periferia. Ao mesmo tempo, a parecerista que está à frente da escolha das produções audiovisuais é a servidora da Fundação de Cultura (FCMS), Lidiane Alves Lima Ferreira, que milita em prol do Hip Hop e lidera o colegiado da linguagem. A parcialidade de Lidiane para ser uma das pareceristas das propostas audiovisuais é um ponto crítico da insatisfação com o resultado: “Como uma pessoa que é militante em prol de uma categoria, das chamadas culturas de rua, escolhe 3 filmes de seguimento linguagem? Essa servidora é vista como uma líder desse grupo, diante disso, ela jamais poderia ser parecerista. Não tem imparcialidade na seleção, como mostra o resultado”, disse uma produtora audiovisual que terá o nome preservado.

Além de Lidiane, foram pareceristas do audiovisual: Rose Aparecida Borges Ferreira, indicada pelo Fesc e Augusto Octavio Seiser, indicado pela Máxima Social.

Rose informou aos produtores de cinema que o processo foi ‘estranho’: “Não houve qualquer reunião para a decisão final. Não sei quem é essa figura indicada pela Oscip”, apontou em um grupo de produtores da linguagem. Rose tem amplo currículo com atuação em diversas produções cinematográficas em Mato Grosso do Sul.

Augusto Octavio Seiser é supostamente um Técnico de Cinema e Audiovisual de Santa Catarina. Vamos lembrar que a dona da Máxima Social, Larissa Crepaldi Dias Barreira, é servidora pública no estado catarinense. A reportagem do TeatrineTV não conseguiu localizar nenhuma referência a trabalhos em nome de Augusto Octavio Seiser na internet. Nem mesmo, há qualquer menção a trabalhos audiovisuais que tal nome tenha integrado a equipe. Fizemos contato com uma artista com nome próximo, que atua em Santa Catarina, e aguardamos posicionamento para saber se ele é o suposto parecerista.

HIP HOP

A escolha dos grafiteiros para o Festival de Inverno de Bonito também encontra críticas vigorosas de membros históricos da linguagem.

Na categoria foram escolhidos quatro performances com no mínimo 30 minutos de duração de grupos ou coletivos de Hip Hop:

  • 1º Vitoria Gabrielly Jara Lessa – A Rua É O Palco!;
  • 2º Daniel Ferreira Theodoro – Timelime;
  • 3º Alcides Prado Ornevo Neto – Peripécias Periféricas;
  • 4º Luan Dalmaso Arce – Cypher Meio Século.

E mais 4 propostas de Live Painting com Grafitti de artistas solos que comprovem no mínimo 2 anos de atuação:

  • 1º Rafael Alves da Silva Mareco – Rafael Mareco;
  • 2º Diego Vieira Zório Fernandes – Grafiteiro: Diego Vieira Zório Fernandes;
  • 3º João Roberto Rodrigues Oliveira – Ravnos Rodrigues;
  • 4º Alberto Barbosa Peres – BTN.

O grafiteiro San Martinez, um dos fundadores do Campão Graffiti que acolhe cerca de 60 artistas que trabalham com a linguagem, explicou ao TeatrineTV que há 12 anos sempre os mesmos artistas são aprovados para integrar os festivais culturais em MS e por mesmo período as mulheres são minoria nas seletivas. “A Thallitha que é a mina que sempre manda, ela excluiu todas as suas redes sociais por causa disso, porque a família 'pic' que é Verme, Ravnos e Mareco, desde 2011 usufrui dessa porcentagem aí. Porque tudo que foi feito, foi feito de forma planejada", comentou.

Para San, o movimento vem sendo usado como massa de manobra por indivíduos sem ligação real com a liguagem artística. “O movimento Cultura de Rua está sendo feito e manipulado por pessoas que não sabem o que é Graffiti, o que Rua, sobre a ocupação visual. Está sendo julgado e lembrado por tendências e ‘porque falou’”, apontou. 

“Esse movimento de Graffiti está desde 2012 eles passando. Então, mulheres que deveriam estar posicionadas na função,  não foram passadas. Pessoas da comissão sem capacidade para julgar. Então é isso, essa ‘Afundação de Cultura’, que afunda a Cultura ao invés de promover a cultura. Poque todo ano é a mesma função, irmão, e nós somos mais de 50 grafiteiros do Campão Graffiti, por isso que a gente já fez nosso movimento para bater de frente”.

“Somos 60 grafiteiros aqui na cidade. A gente não acha certo, porque ninguém liga para o que fazemos na sociedade e na rua. A gente criou esse organismo para a gente se fazer presente. E ficou muito feio, até pelas meninas, muito feio sobre isso que é muito machista essa parte do movimento, que são os mesmos 3, 4 que passam desde 2012. Pode falar isso irmão, pode ficar tranquilo de falar, nós temos o Campão Graffiti e pintamos a cidade inteira. Eles não vem entre nós para falar de questão de transformação, eles fazem do jeito que eles querem, há muito, muito tempo. Então, o Campão Graffiti foi criado com essa resolução, de mostrar os grafiteiros trabalhadores da arte da rua que não só vive de Fundação de Cultura, mas que trabalha com projetos privados e coisas além disso. Transformamos os bairros e as vidas”, desabafou.

Os pareceristas das 8 propostas escolhidas para o Hip Hop foram Luciana Ferreira da Silva (indicado pelo Fesc), Alexandre Onça Espinosa (indicado pela FCMS) e José Carlos Mesquita (indicado da Máxima Social).

“Até conheço a Luciana que é do Rap, mas pelo ponto de vista não entende nada de Graffiti. Essas pessoas não entendem nada de Graffiti. Essas pessoas não atendem nada sobre relação de rua, Graffiti, estética, nada! Isso já vem se repetindo há mais de seis anos. Então, eles não nos representam. E também isso foi uma forma da construção deles de manter sempre os mesmos e tirar a única mina que faz o rolê que a Titta. Foi muito constrangedor da parte do governo que fala de democracia”, completou San.

MODA

Outra área em que se aponta pouca consistência na análise das propostas é a da Moda. Para compor a programação do 22º FIB foram selecionadas as seguintes propostas:

  • 1º Luiz Carlos Batista Da Silva – Coleção “The Jeans Wear Future”;
  • Fábio Maurício da Silva – Coleção “Naftalina”;
  • 3º Kossi Ezou – Coleção "Kékéli";
  • 4º Edemilson Dias Delgado – Coleção “Raízes Ancestrais”;
  • 5º Janete Maria Cella – Coleção “Do Branco ao Preto, Fios e Cores”;
  • Andreia Lidiane Lopes – Coleção “Lidylo 2023”;
  • Anderson Bernardes Sanches – Coleção “Anderson Bosh - Casa de Criações”;
  • 8º Marcia Regina Acosta Lobo – Coleção “Entre Fios E Tramas”;
  • 9º Lauren de Carvalho Cury – Coleção “Estampe-Se”;
  • 10º Raíssa Souza Carvalho – Coleção “Fofa, Mas Nem Tanto”.

Artistas indicaram à reportagem que o certame que mirava selecionar propostas 100% autorais acabou selecionando ao menos duas marcas que não se enquadram na linguagem:

“Foram selecionadas marcas que não são autorais, que não fazem criações, que não dialogam com a cultura da Moda, que é costura, modelagem, corte, produção, pesquisa… Foram selecionadas pessoas que não trabalham com este segmento durante o ano, que preencheram mentiras no formulário, que não tem anos de trabalho, ou seja, que não atendem aos requisitos de participação”, explicou uma artista da moda autoral sul-mato-grossense.

As marcas citadas que não fazem parte da linguagem são de Kossi Ezzou (coleção ‘Kékéli’) e de Lauren de Carvalho Cury (coleção Estampe-se).

Apuramos que a coleção de Ezzou é composta por peças de camisetas que vem direto do Togo (país na África Ocidental, no Golfo da Guiné). Ezzou revende as peças na capital sul-mato-grossense desde 2015. Como ele não fabrica as peças e não se trata de uma moda sul-mato-grossense, ele não cumpre o que pedia o edital.

Lauren Cury trabalha com estampas em roupas já prontas. Especialistas da moda autoral explicam que esse trabalho está voltado mais para as artes visuais e não se enquadra como moda autoral.

Os pareceristas das propostas de moda foram a servidora da FCMS, Katienka Dias Klain. A indicada pelo Fesc, Inara Bizo Gomide e Amanda Bitencourt, essa última supostamente design de moda em Santa Catarina, indicada pela Máxima Social. Apuramos que também não há qualquer menção ao trabalho de Amanda Bitencourt na internet ou redes sociais.

Lauren Cury procurou a reportagem defendendo a sua marca. Adicionamos abaixo a íntegra da manifestação da artista da moda:

​"Eu trabalho com moda há 15 anos. Por ser proprietária do Gaveta Brechó, um dos precursores da cidade, lá sempre desenvolvi parcerias com marcas locais, desfiles, editoriais de moda e etc. Há uns anos venho customizando algumas peças de lá e construindo aos poucos minha marca. Nela desenvolvi várias técnicas misturadas. Eu sempre tive o consumo consciente como bandeira e pesquiso sobre isso. Tenho palestras sobre o assunto.  O mercado de customização de roupas é um segmento da moda em constante expansão. Não só aqui como em outros países onde a moda grita! Muito comum na Europa, as transformações de peças viraram bons negócios para estilistas e profissionais especializados. Parece fácil, mas não é.  Tem que ter criatividade,  conhecer as técnicas e pôr a mão na massa! O meu TCC foi em estamparia.  Estou dentro do meu direito de trabalhar da forma que eu me identifico na Moda", disse.  

TEATRO

Outra linguagem em que se denuncia a pouca transparência na análise é o Teatro. Foram selecionados para compor as atrações teatrais do 22º FIB as seguintes propostas:

  • 1º Júnia Cristina Pereira – Jaity Muro;
  • 2º Grupo Casa – As Preciosas;
  • 3º Teatro Imaginário Maracangalha – Miragens do Asfalto;
  • 4º Claudia Rayol Lopes – Manual de Barro II – Concerto a Céu Aberto Para Solos de Objeto.

Nessa linguagem, eu que vos escrevo fui um dos pareceristas e posso dizer por experiência, que além de desorganizado e sem transparência, o processo de análise das propostas para o 22º Festival de Inverno de Bonito é desrespeitoso com os artistas, pois não é possível comprovar que de fato todas as propostas foram analisadas. Também não é claro qual o mecanismo de análise e critério. Não há qualquer reunião entre os pareceristas para se chegar a uma decisão final — tudo é feito de maneira iníqua, deixando a impressão de que é algo decidido a revelia.

Os pareceristas das propostas de teatro foram: o Gerente de Difusão da FCMS, Marcio Veiga da Silva; Tero Queiroz, ator e jornalista, indicado pela Fesc; e Gabriel Sousa Fideles, supostamente ator e diretor de teatro em Santa Catarina. Assim como os outros dois indicados pela Máxima Social, não há qualquer menção ao trabalho de Gabriel na internet ou nas redes sociais.  

TRANSPARÊNCIA

(31.jul.23) - CGE-MS entrega diagnóstico das ações de Compliance para Fundação de Cultura. Foto: Karla Tatiane, CGE-MS
(31.jul.23) - CGE-MS entrega diagnóstico das ações de Compliance para Fundação de Cultura. Foto: Karla Tatiane, CGE-MS

O caso da falta de transparência em tudo que envolve as ações de política cultural em Mato Grosso do Sul se repetem em diversos tipos de governo. A gestão de Eduardo Riedel (PSDB) não é a pioneira.

Além de ser nada transparente o processo de avaliação, o envolvimento de servidores da Fundação de Cultura com artistas e projetos específicos, tornam os certames pouco democráticos e repleto de vícios.

A prática da corrupção poderá ser combatida pelo atual chefe da Secretaria de Estado de Turismo, Esporte, Cultura e Cidadania (Setescc), Marcelo Miranda, numa aliança de gestão cultural com Riedel.

Recentemente, a reportagem do TeatrineTV esteve numa reunião na FCMS sobre o programa de Compliance: voltado a promover transparência, eficiência no serviço público, simplificação de processos e incentivo à integridade e conduta ética. O programa vem sendo desenvolvido desde abril desse ano pela Controladoria-Geral de Mato Grosso do Sul (CGE-MS), em parceria com a Secretaria de Estado de Governo (Segov).

Além de Secretário, com a saída de Max Freitas, o cargo de diretor-presidente da FCMS ficou com Miranda. Com isso, o novo chefe da FCMS foi o primeiro a procurar a CGE para implementação do programa na Fundação. "Na verdade, assim porque nós temos começar com um piloto. E no primeiro momento em que o governador falou sobre compliance, o secretário da Setescc, Marcelo Miranda, foi bater na porta da Controladoria Geral do Estado e falou: vocês vão ter escolher o piloto, eu quero fazer o piloto, porque eu quero minha organização, a primeira a implementar o compliance", revelou ao TeatrineTV, o coordenador do Programa de Compliance no Governo do Estado, João Francisco Arcoverde Lopez.

A CGE foi ao prédio cultural em 31 de julho e fez a entrega dos resultados do diagnóstico do Programa MS de Integridade (PMSI) que foi aplicado no órgão estadual e, a partir dos levantamentos, identificados os processos com maior importância na questão de riscos de suscetibilidades à fraude e corrupção para os gestores.

(31.jul.23) - O coordenador do Programa de Compliance no Governo do Estado, João Francisco Arcoverde Lopez, apresenta os planos de ações a serem adotados pela FCMS para combater a falta de transparência. Foto: Gabriela Couto
(31.jul.23) - O coordenador do Programa de Compliance no Governo do Estado, João Francisco Arcoverde Lopez, apresenta os planos de ações a serem adotados pela FCMS para combater a falta de transparência. Foto: Gabriela Couto

Entre outros tópicos, no documento estavam apontadas orientações de melhorias e sugestões de planos de ação que vão subsidiar a melhor condução da pasta para a aplicação e efetivação do Compliance na instituição.

*Matéria alterada às 8h07 de 17 de agosto para adição de manifestação de mais uma linguagem cultural que se disse prejudicada na avaliação do 22º FIB.


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Tags: Audiovisual, CULTURA, destaque, destaque_principal, FCMS, Festival de Inverno de Bonito, MARCELO MIRANDA, Mato Grosso do Sul, Moda Autoral, SETESCC, TeatrineTV, Teatro

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