O Screen Actors Guild (SAG-AFTRA) encerrou à meia-noite (5h de Brasília desta 5ª feira, 9 de novembro de 2023), a mais longa greve da história — durou 118 dias — depois de fechar um acordo com estúdios de Hollywood para um novo contrato, incluindo salários mais altos, divisões de receitas e proteções contra o uso de inteligências artificiais que repliquem os rostos de atores/atrizes.
O comitê do sindicato aprovou provisoriamente o acordo com a Aliança de Produtores de Cinema e Televisão (AMPTP), que representa os estúdios de Hollywood.
Um porta-voz do sindicato disse em um comunicado na 4ª feira (8.nov): "Em uma votação unânime esta tarde, o Comitê de TV/Teatro SAG-AFTRA aprovou um acordo provisório com a AMPTP pondo fim à greve de 118 dias. A greve termina oficialmente às 12h01 de quinta-feira, 9 de novembro. O acordo provisório irá ao Conselho Nacional SAG-AFTRA na sexta-feira, 10 de novembro de 2023, para revisão e consideração. Mais detalhes serão divulgados após essa reunião. "
O anúncio abre caminho para o retorno dos atores aos sets de filmagem, o fim dos piquetes fora dos estúdios e o retorno ao emprego para milhares de outros empregos ligados à indústria audiovisual.
MOTIVAÇÕES DA GREVE
Embora as estrelas de Hollywood ganhem milhões, muitos atores menos conhecidos e escritores protestaram que se tornou quase impossível ganhar uma vida decente nos últimos anos em Hollywood, uma vez que os salarios congelados de longa data não acompanharam a inflação e as mudanças na indústria.
Além disso havia a cobrança de que atores pudessem acessar parte das altas receitas obtidas por estúdios em produtos audiovisuais de grande sucesso. E ainda, cobravam mais regras para uso de Inteligência Artificial (IA).
UNIÃO HISTÓRICA
O sindicato dos atores dos Estados Unidos representa pelo menos 160 mil artistas e chamou a greve em 13 de julho. À época, o movimento uniu-se à paralisação do Writers Guild of America (WGA), que representam roteiristas que já estavam há 10 semanas paralisados, cobrando melhores condições de trabalho. A medida marcou a primeira vez em 63 anos que escritores e atores de Hollywood se uniram em greve por melhores condições de trabalho, salários e regulação do uso de inteligência artificial.
Os membros da WGA conseguiram ser ouvidos e terem suas demandas atendidas no final de setembro e então encerraram a greve.
Em uma demonstração de unidade contínua, mesmo após obterem suas conquistas, a Writers Guild of America West (WGAW), o Writers Guild of America East (WGAE), o Directors Guild of America (DGA), a International Alliance of Theatrical Stage Employees (IATSE), a American Federação de Músicos (AFM), Teamsters e Hollywood Basic Crafts — abrangendo Teamsters Local 399, IBEW Local 40, LiUNA! Local 724, OPCMIA Local 755 e UA Local 78 — emitiram uma declaração conjunta em apoio ao Screen Actors Guild-American Federation of Television and Radio Artists (SAG-AFTRA) em suas negociações em andamento com os estúdios representados pela Alliance of Motion Picture e Produtores de Televisão (AMPTP). Isso porque os atores seguiram em greve, pois ainda não haviam conseguido ter suas demandas atendidas.
AMEAÇA DA IA
Temendo o uso descontrolado de IA, que clonam suas vozes e imagens, os atores conseguiram estabelecer diretrizes para uso da tecnologia em filmes e séries. De "Game of Thrones" aos mais recentes filmes de super-heróis da Marvel, os estúdios estão há tempos reduzindo custos ao usar figuras humanas geradas por computador para diminuir o número de atores necessários nas cenas de batalhas.
O que acendeu o alerta nos trabalhadores é que dezenas de estúdios estavam pedindo à dublês e a atores coadjuvantes que participassem de "escaneamentos corporais" tridimensionais de alta tecnologia, sem explicar como, ou quando, as imagens seriam usadas.
Muitos atores contaram que, nos últimos anos, estúdios passaram a incluir cláusulas abstratas e abusivas sobre o uso da tecnologia para reutilizar e recriar performances de intérpretes. Com isso, a categoria desejava regras mais rígidas sobre compensação e consentimento que os estúdios devem obter.
A ameaça da IA também alcançou os roteiristas. Com cartazes em que protestavam por “apenas roteiristas humanos”, em ruas de Los Angeles, roteiristas exigiam um maior controle no uso de IA na produção de textos.
PROPOSTA BIZARRA
A ganância dos empresários donos de estúdios em Hollywood levou a uma “proposta inovadora de IA que protege as semelhanças digitais dos artistas, incluindo a exigência de consentimento do artista para a criação e uso de réplicas digitais ou para alterações digitais de uma performance” — e, claro — os atores receberam a proposição com ironia e um sinal de total desrespeito aos trabalhadores e trabalhadoras da 7ª arte.
“Nessa proposta inovadora de IA que nos apresentaram, eles propuseram que nossos artistas de figuração pudessem ser digitalizados e receber um dia de pagamento, a partir daí as empresas passariam a possuir essa digitalização, imagem e semelhança e poderiam utilizá-las pelo resto da eternidade em qualquer projeto que quiserem, sem consentimento e sem compensação”, esclareceu Duncan Crabtree-Ireland, negociador-chefe do sindicato, numa coletiva de anúncio da paralisação, em julho deste ano.
PREJUÍZO BILIONÁRIO
Economistas do entretenimento disseram que o custo global da paralisação de Hollywood em toda a indústria estava passando dos 6,5 bilhões de dólares. Grandes estúdios como Disney, Warner Bros. Discovery e Paramount Global viram os preços de suas ações caírem.
Analistas estimavam que a bilheteria global já tinha com certo a perda de até US$ 1,6 bilhão em vendas de ingressos por causa de filmes cujos lançamentos foram adiados para o próximo ano.
Diante disso, os gananciosos empresários do entretenimento foram obrigados a ceder às demandas dos artistas, mas as atenderam em partes.
ACERTOS DO ACORDO
O acordo fechado vale pelos próximos 3 anos e prevê aumento do salário mínimo em 8% em relação ao contrato anterior, algo menor do que os atores queriam originalmente, mas é superior ao obtido pelos escritores, e é o maior aumento em décadas.
Os atores também terão bônus ao estrelar filmes ou séries que fizerem sucesso. Os artistas terão direito a parte das receitas obtidas pelas emissoras de TV e streamings.
O fim da greve dos atores marca um período de mais de sete meses de instabilidade em Hollywood.
Os detalhes completos do acordo devem ser divulgados na sexta-feira, 10 de novembro, após a votação do conselho nacional.
VITÓRIA HISTÓRICA
A presidente da SAG-AFTRA, Fran Drescher, celebrou em sua conta oficial no Instagram dizendo que a emoção ecoou por Hollywood e pelo mundo. "Conseguimos! O acordo de mais de um bilhão de dólares! 3X o último contrato! Novos caminhos foram abertos em todos os lugares!", escreveu em sua legenda. "Ty sag aftra membros por aguentarem e resistirem a este acordo histórico! Ty neg comm, capitães de greve, equipe, Duncan & Ray, nossos advogados, a equipe de IA, família e amigos. Nossos sindicatos irmãos por seu apoio implacável! E o amptp por nos ouvir e conhecer esse momento! #sagaftrastrong", completou.
A prefeita de Los Angeles, Karen Bass, saudou o "acordo justo" alcançado, observando que as greves "afetaram milhões de pessoas em Los Angeles e em todo o país". "Agora, devemos apoiar-nos na produção local para garantir que a nossa indústria do entretenimento recupere mais forte do que nunca e que a nossa economia seja capaz de se recuperar", disse ela num comunicado.