Estado injetou R$ 7,2 milhões em empresa que descaracterizou o Patrimônio Histórico
O governo de Mato Grosso do Sul está descaracterizando a originalidade da arquitetura da Escola Estadual Maria Constança de Barros Machado, na Rua Marechal Cândido Mariano Rondon, n° 451, no Bairro Amambaí, em Campo Grande (MS).
O canteiro de obras que se arrasta por 8 meses, ganhou uma estrutura predial em meio ao Patrimônio Histórico projetado por Oscar Niemeyer, um dos maiores arquitetos brasileiros.
Inaugurada em 26 de agosto de 1954 — data do aniversário da Capital — a estrutura permaneceu preservada por mais de meio século.
Niemeyer é considerado o “pai” da arquitetura moderna no Brasil e a escola foi a única obra feita por ele na Capital sul-mato-grossense.
A fachada da unidade lembra um livro aberto. Uma haste branca, posicionada na entrada, traz a ideia de um lápis. No interior, o corredor extenso traz à mente uma régua. É uma verdadeira obra de arte com que o arquiteto presenteou a cidade.
Tão importante é o local, que já em 1997 através da Resolução SECE de 03/07/1997 a escola foi tombada Patrimônio Histórico sul-mato-grossense. Ficando a Fundação de Cultura do Estado de Mato Grosso do Sul (FCMS) responsável pela anuência para obras no local.
Em normativa, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), explica que intervenção em um imóvel tombado deverá, por princípio, manter as características espaciais e construtivas originais. Isso é, reformas em geral deveriam preservar os valores atribuídos ao imóvel no processo de tombamento —nesse caso — a arquitetura original de 1997.
Em 2015, quando foi realizado um projeto de grafismo na parte externa dos muros da unidade escolar, medida que modificou a aparência da construção original, o juiz David de Oliveira Gomes Filho, da 2ª Vara de Direitos Difusos e Coletivos, decidiu que o edifício planejado por Oscar Niemeyer não poderia ser destruído, demolido nem modificado com pintura ou qualquer manifestação artística.
Porém, por meio de uma licitação, a Marco Arquitetura, Engenharia, Construções e Comércio Ltda., levou mais de R$ 7,2 milhões dos cofres públicos para realizar serviços de restauração, reforma e ampliação”, conforme extrato publicado em novembro de 2021 no Diário Oficial do Estado.
A reportagem do TeatrineTV sobrevoou a unidade e captou imagens do tamanho do estrago provocado pela intervenção. Trata-se de um anexo predial posicionado atrás do monumento em formato de “Giz”. A estrutura construída pela Marco Arquitetura — ainda não finalizada — não está clara para qual fim será destinada. Veja vídeos de sobrevoo ao local:
A Arquiteta, Urbanista e Artista Visual, gerente de Patrimônio Histórico da Secretaria Municipal de Cultura e Turismo (Sectur), Joelma Arguelho explicou à reportagem que todo imóvel Tombado ou protegido pelo Plano Diretor do Município, para aprovação de qualquer intervenção ou restauro, deve ter protocolado um processo junto à Agência Municipal de Meio Ambiente e Planejamento Urbano (Planurb), para obtenção da Guia de Diretrizes Urbanísticas (GDU) que orientará os limites da intervenção. Uma comissão de servidores da Planurb, Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano (Semadur) e Sectur emitem a guia.
“O Estado de Mato Grosso do Sul, através da profissional contratada Perla Larsen, deu entrada no processo de GDU. Entretanto, como a obra já estava em avançado estágio de execução, ficou resolvido entre os técnicos que a GDU não fosse emitida e que fosse encaminhado um comunicado à PGR [Procuradoria-Geral da República] para comunicar ao MPE [Ministério Público do Estado de Mato Grosso do Sul]”, disse Joelma.
A escola é protegida pelo Plano Diretor do Município, já que foi inserida no plano como uma Zona Especial de Interesse Cultural (ZEIC 1).
“Nos foi comunicado por um servidor da Semadur que a obra havia sido fiscalizada e embargada, entretanto, a obra não obedeceu ao auto de embargo”, apontou a servidora.
Procurado, o gerente de Patrimônio Histórico e Cultural da FCMS, Caciano Lima, não respondeu de imediato aos questionamentos, se a FCMS autorizou o avanço da obra e o porquê permitiram a construção de uma estrutura no local: “É uma questão complexa e iremos te explicar corretamente todo esse rito que envolve esse bem cultural... Peço que encaminhe essas questões no e-mail da presidência”, disse ele, por mensagem. Cerca de dez perguntas foram encaminhadas ao e-mail da presidência da FCMS e aguardamos posicionamento.
O TeatrineTV apurou que as orientações para que não fosse levantado um prédio em meio a obra de Niemeyer partiu de membros do Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano (CDU), mas eles acabaram ignorados pela equipe estadual.
Tentamos contato com a Promotora de Justiça Luz Marina Borges Maciel Pinheiro, proponente da liminar dos Autos de Ação Civil Pública n. 0832595-21.2014.8.12.0001 — titular da 26ª Promotoria de Justiça de Defesa do Patrimônio Histórico e Cultural, que conseguiu barrar modificações no prédio em 2015 — para ouvir a magistrada sobre o assunto. As ligações aos números de telefone disponibilizados na internet pelo Ministério Público de MS para contatar Luz, não foram atendidas. Enviamos ao menos 6 perguntas à Promotoria, por e-mail, e aguardamos posicionamento.