Artista plástico e ativista negro, Galvão Pretto morre aos 69 anos
Manifestava sua paixão pelo bioma sul-mato-grossense
31 JAN 2023 • POR • 17h14O artista plástico e ativista da causa negra, Ilacir Galvão dos Santos, mais conhecido como Galvão Pretto, faleceu aos 69 anos, na 2ª.feira (30.jan.23). Ele foi vítima de um câncer, doença contra a qual lutava há alguns anos. Nesta 3ª.feira (31.jan), foi realizado seu velório em Campo Grande (MS), cidade onde viveu desde 1999.
Pretto se formou em Artes Plásticas, Pintura e Modelagem, na Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), estado de onde é natural. Ele cresceu no méier, na Zona Norte Capital carioca.
Fixou moradia em 2001 na capital de MS e desde então, por meio de sua arte, Pretto manifestava sua paixão pelo bioma sul-mato-grossense e pautava de maneira inteligente temas caros a comunidade negra brasileira.
Tuiuiús, jacarés, peixes e capivaras tinham destaque especial em meio as suas esculturas. Também era comum Pretto entregar obras em que misturava o humano e animais em formas físicas únicas.
Inspirado nas chipas que comia no Mercadão Municipal, Pretto usava a farinha de madioca para moldar suas esculturas e pintava suas obras reutilizando revistas recortadas. "As tintas eram recortes das tintas das revistas, coladas com as goma da farinha de mandioca", revelou ele em uma entrevista no ano de 2007 ao programa Primeira Pessoa, da TV Brasil Pantanal. Veja AQUI.
Em 2007, Pretto ser tornou servidor público concursado no cargo de Técnico de Atividades Culturais da Fundação de Cultura de MS (FCMS).
“Eu conheço o Galvão, há mais de duas décadas, logo que ele chega aqui no Mato Grosso do Sul. Para nós, tê-lo aqui sempre foi muito importante, porque ele vem com um olhar mais amplo, no que se refere a participação, a descoberta e a persistência do sujeito negro na sociedade, em especial enquanto artista negro”, disse a presidenta do Fórum Municipal de Cultura de Campo Grande e presidenta do Fórum Permanente das Entidades do Movimento Negro (MS), Romilda Pizzani.
Para Romilda, as obras de Galvão levavam a reflexão do próprio negro/artista. “A consciência do Galvão Preto sempre foi muito linda... O próprio nome já diz: Galvão Pretto! Quando ele adere a esse nome para o nome artístico, isso revela o compromisso dele para com as questões raciais e o pertencimento dele, de ser estar em nossa sociedade”, considerou.
O Artista Visual Dagoberto Pedroso, conhecido como Dagô, disse que Mato Grosso do Sul sempre recebeu bem todos que aqui chegaram e assim aconteceu com Galvão Pretto, que veio de terras cariocas trazendo na bagagem sua vivência no mundo das artes. "Artista inquieto, gostava das experimentações e talvez tenha sido essa uma de suas maiores contribuições para o nosso meio cultural. Como agente cultural, funcionário das artes visuais dentro da FCMS, sempre primou por um desempenho sensível, procurando atender de forma eficiente e igualitária à todos. Dono de um belo sorriso, de uma alegria constante, era sempre um prazer estar em sua companhia. Negro, artista, humanista… Vai fazer falt! Se vai o homem, fica sua obra, que possamos ser dignos dela. Voa passarinho!", despediu-se numa mensagem ao TeatrineTV.
Em nota de pesar, a Fundação considerou Pretto o responsável pela retomada da realização dos Salões de Arte de MS. “Muito estudioso e ativo no que diz respeito às questões raciais e humanitárias”, destacou a entidade cultural.
O lado "humanista" de Pretto também foi destaque na fala do artista visual Altair Santos. "Na pandemia [de Covid-19 - 2019 a 2022], foi um período estranho para toda a humanidade, nessa época [eu] era Conselheiro de Artes Visuais, foi quando passei a lidar com Galvão Pretto mais diretamente. Ele era sempre bem humorado aos atendimentos, mas o que marcou foi na comissão de análise dos projetos da [Lei Aldir Blanc] LAB, onde Galvão se preocupava com o lado humano dos artistas, não sendo rígido com burocracias e se preocupando com as necessidades pessoais de todos artistas, mas principalmente as/os artistas afros que procuraram a Lei Aldir Blanc", destacou em um comentário à reportagem.
Numa publicação na sua rede social, o deputado estadual Amarildo Cruz (PT) também se despediu de Pretto: "Hoje nos despedimos de um grande amigo, Ilacir Galvão do Santos (Galvão Pretto). Sua arte única buscou representar com muita sensibilidade a cultura de Mato Grosso do Sul, um artista negro que nos orgulha, que devemos homenagear e celebrar sua vida e obra. Meus sentimentos a toda família e Deus o receba em bom lugar", escreveu.
A ex-diretora do MARCO, Lucia MontSerrat disse que o como amigo, Galvão era uma pessoa delicada e afetiva. "Era uma pessoa que se doava muito para as pessoas com quem ele convivia. Ele não media esforços para ajudar, contribuir, para dividir... Era uma pessoa extremamente participativa nas vidas dos dos amigos. Era uma pessoa muito querida! Como artista ele tinha várias facetas... tinha colagens, esculturas e ao mesmo tempo desenha belissimamente, tem desenhos primorosos", narrou. MontSerrat lembrou que Pretto fez viagens e produziu um acervo de desenhos sobre pontos históricos para a cultura negra. "Quando eu o conheci, ele havia feito uma exposição só de 'céus', paisagens de céus e nuvens, que foi muito interessante. Depois de um tempo, eu também fiz uma exposição assim e depois até comentamos que apesar das duas exposições falarem do céu, elas eram extremamente diferentes", contou reforçando que Pretto era uma pessoa muito querida. Nos dois últimos anos Pretto e MontSerrat estreitaram mais seus laços que antes eram mais distantes. "Além de um grande artista ele era um grande homem também", completou MontSerrat.
A reportagem contatou outras figuras amigas e admiradores da Pretto e fará atualização assim que os mesmos foram mandando duas manifestações.