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1ª Semana da Moda Autoral sintetiza marcas de MS: "Preservação!", diz Vicenta Perrota

27 OUT 2022 • POR • 06h03
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​Após 4 dias de evento e 12 desfiles, encerrou no último dia 22 de outubro a 1ª Semana de Moda Autoral de Mato Grosso do Sul.

Presente como convidada especial, a artista, ativista e estilista paulista, Vicenta Perrotta, um dos nomes  mais representativos da moda atual brasileira e do ativismo trans no país, falou com o TeatrineTV no dia 21 de outubro, penúltimo dia do evento. Na ocasião, Vicenta resumiu que até aquele momento ela destacaria como característica unânime nas peças os traços de uma moda que mira a preservação do meio ambiente.  

“Vejo aqui uma moda com pegada muito forte de preservação, do uso de retalhos, de usar o refugo, o lixo. Tinham peças com desenhos, os Kadiwéu, me levaram a lugares de colonização, ao mesmo tempo que me impactaram com a beleza, cores e recortes latentes”, introduziu.    

Para Vicenta, o colab de artistas indígenas: Natielly Terena, Sulyvan Barros, Bení Kadiwéu e Ednilson Delgado, trouxeram a ancestralidade para a passarela com peças com alto potencial mercadológico impregnados com uma tecnologia da preservação ambiental poucas vez tão bem mescladas. “Teve um estilista indígena muito novinho [Sullivan] que trouxe corseletes, tops de sementes com recortes incríveis. Um menino bem novinho. Eu o imagino daqui 3, 5 anos, vai fazer uns vestidões...”, prospectou.

Conforme a estilista, reutilizar é hiper-natural nas peças de MS. “Acho que o estar aqui, viver nesse espaço, tem uma conexão com uma ancestralidade e preservação. Com estilo, desenhos de animais e povos surgem nos recortes e nas estampas. Eu catei tudo. Isso já está na essência, no cerne das marcas daqui. As roupas são mais slow (slow fashion), tem uma outra corporeidade. O que precisam é avançar em outros caminhos, porque reutilizar já é um domínio de todos que se apresentaram aqui”, definiu.

  • Primeira Semana de Moda Autoral de MS. Colab indígena. Fotos: @teroqueiroz | @teatrientv

Para a estilista, os criadores de MS sintetizam o objetivo da moda do futuro. “A gente não precisa fabricar e aqui esse movimento é muito bem estabelecido, sabe? Esse movimento de feira que tem aqui, ar livre. Sai dessa corporeidade de escritório. Não é sobre essas peças de shopping que é um culto a questão cristã, ao Adão e Eva, a família tradicional... estou falando da moda autoral, da galera do Pantanal, da galera indígena, da galera nas margens, que entenderam o processo mesmo, é um outro processo”, afirmou.

Ao ser provocada a citar quais peças acreditava serem mais bonitas dentre todas vistas no desfile, Vicenta esclareceu que não estaria no evento com intuito de escolher o que achou mais bonito, mas sim analisar possibilidades a serem exploradas por cada artista. “Sempre falo que as tecnologias ancestrais curam e percebo aqui essa luta, processo de resistência. Reafirmo, não é sobre eu gostar ou não. É sobre entender a luta e resistência da população local para que essa peça esteja na passarela. Pois, por exemplo, tem um monte de peça europeia que são uma bosta e a gente ‘baba ovo’, são peças de desejo e sei lá... precisamos mudar essa lógica! O que avaliei aqui são as possibilidades desses criadores”, disse Perrota.

“A visão é você entender a proposta do estilista. A coisa do mundo da moda, a crítica vazia é sobre manter privilégios, manter a violência. Por isso, aqui eu vejo os pontos positivos, a não ser que me depare com algo racista ou outro tipo de... por exemplo, o que dá para eu apontar aqui como crítica: no primeiro dia, não vi quase roupas de pessoas gordas... Porque o corpo brasileiro não é europeu, temos quadris largos, ombros largos, coxas grandes. Aqui e assim que desenvolvemos o autoral, a força do autoral nasce aqui, na nossa singularidade”, apontou.

AVALIAÇÕES

Vicenta Perrota durante a 2ª noite de desfiles, em 20 de outubro de 2022, na 1ª Semana de Moda Autoral de Mato Grosso do Sul, em Campo Grande (MS). Foto: @teroqueiroz | @teatrinetv

Reformulamos a pergunta. Pedimos à Perrota que, então, citasse alguns dos desfiles que lhe haviam causado maior impacto até o penúltimo dia.    

Ela falou sobre os 4 que desfilaram no 1º dia [19.out]: “O desfile do Maurício [marca FM, de Fábio Maurício], uma pessoa que conheço e adoro o trabalho dele, desde que eu conheci, o sigo. Teve o Anderson [Anderson Bosh – da Casa de Criações] com o desfile da Frida. Ele tem uma linguagem, tem um processo. O tema dele tinha uma linhagem com uma maquiagem bastante interessante”, considerou.

Vicenta também citou o desfile da marca Why Not By Gugliato, Luiz Gugliatto: “Adorei a questão da montagem. Ele tinha me falado que me vê como uma ref* e eu pude me ver como ref* lá. Eu achei as peças dele muito chiques”.

Sobre o desfile da marca Touché, de Fábio Castro, a estilista apontou que mesmo fazendo uma moda autoral, ele mira o mercado. “Quando eu o conheci ele só fazia camisetas, agora evoluiu muito, principalmente na questão do slow (slow fashion). As modelagens, a criatividade. A questão da moda aqui está bem na moda mesmo. Às vezes o que eu faço nem é muito moda, às vezes eu quebro esse contrato, aqui não, vejo que o pessoal faz as peças conectadas com a intenção de vender, como Touché”.

Na opinião da estilista, a 1ª Semana da Moda vai levar, cada vez mais, os criadores a desenvolverem coisas inovadoras. “Eu vejo que os trabalhos aqui são criativos, interessantes e  mercadológicos. Tem uma pegada menos experimental. Teve aqui o desfile da Nair [grife Roupável, Nair Gavilan].  No segundo dia, um de mana das roupas orientais [Kaori Confecções] com Kimonos lindos, roupas usáveis, chiques, de olho na clientela”, destacou.

  • Primeira Semana de Moda Autoral de MS. Grife Roupável, Nair Gavilan. Fotos: @teroqueiroz | @teatrinetv

Para a estilista, os criadores sul-mato-grossenses tem que cada vez mais ousar valorizando os temas indígenas e pantaneiros. “Tem a Emília Leal [Arte Nativa], com biquínis lindos. O dela foi incrível, as peças dela são lindas e eu a adorei! Conhecendo a estilista você também meio que já entende as peças. A moda dela é bem autoral, criou! É sobre a etnia dela. Singular”, creditou.

  • Primeira Semana de Moda Autoral de MS. Arte Nativa Emilia Leal. Fotos: @teroqueiroz | @teatrientv

Vicenta também apostou que peças que passaram na passarela nos primeiros três dias tem condições de brigar em concursos de moda em qualquer lugar. “Tem a Bocaiúva [Moda Inclusiva], incrível, perfeitos. Que desfile, que peças incríveis, bem pensadas, bem costuradas, que foge dessa coisa de ser um perfeito. Porque essa galera já tem a pegada, você entendeu? A galera já entendeu o corpo, entendeu que o corpo não é o padrão. É muito legal estar aqui vendo isso! Uma roupa bem-feita, tipo assim, que dá para concorrer. Fala: ‘A é? Você é bom? Então tome! Saca? Eu tô vindo lá do Pantanal e você está aí em São Paulo ralando esse seu c**, querendo Eva, querendo Adão, vai tomar no seu c**’”, comentou.

No penúltimo dia, segundo a estilista, ela foi surpreendida ainda com o desfile da marca FNK, de Edson Clair. “Foi uma performance de dança, muito boa, com peças super inteligentes. Eles me pegaram de surpresa positivamente”. Na penúltima noite, Vicenta também comentou o desfile de Lauren Cury. “Eu conheço a Lauren. Adorei o projeto dela. Ela já é uma gata ligada ao brechó​ há muito tempo e melhora cada vez mais suas peças”.

Por fim, Vicenta comentou o desfile da marca de Lidiane Lopes. “Sobre a marca Lidyloo, incrível, do caralho. Entrega refs*. Com estilo bem definido e montagens que dá para explorar”, completou.  

A 1ª Semana de Moda Autoral, para Vicenta, oportuniza um ambiente de troca e enfrenta o sistema opressor. “Foi tudo incrível. Amei, parabéns a todos. Esse evento tem tudo para dar certo. Esse pessoal tem esse processo de resistência, estão tentando me trazer aqui já faz uns 5, 6 anos.  Esse projeto é muito importante para manter, bater de frente, por mais que o governo seja fascista não tem como eles ser contra algo assim. É de uma beleza, temos que nos utilizar da semiótica para alcançar o que queremos. O evento foi ótimo”, finalizou.

O evento contou com o apoio do Sebrae MS, Fundação de Cultura de Mato Grosso do Sul (FCMS), Sesc, Fecomércio, Sistema Fiems – Senai, Secretaria Municipal de Cultura e Turismo de Campo Grande (Sectur), Senac, Boticário, Capivas Cervejaria, Zoom Publicidade, Revista AL.SO, Life Sports, Inel Classic, Multi Comunicação Visual e Gráfica, Bambu Cosméticos, Badulaque e Vaca Azul Produções.

Antes de sair...

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