Rapper de MS faz conexão com Haiti lançando ‘Bang Bang’, clipe feito no Centro da Capital
16 JUL 2022 • POR • 17h24Rafael Cassiano Ferreira da Silva, o Fael MC, de 25 anos – é um rapper campo-grandense que usando o codinome ‘Versos 67’, em referência ao código de área de Mato Grosso do Sul, lançou em 19 de março 2022 o clipe “Bang-Bang” fazendo uma conexão musical entre o Haiti e MS.
Fruto do Bairro Laranjal, “uma quebrada esquecida” da Capital, Fael vem ganhando destaque nacional tendo o apoio de grandes nomes como o paulista Nocivo Shomon – agora somente o vulgo Shomon.
Fael falou com a equipe de reportagem do TeatrineTV no início da noite do dia 20 de junho. Sentado no sofá da sala da casa onde vive com sua ‘mina’, no bairro Parati, ele escutava e assistia na TV um grupo de rap paranaense. “Eu escuto esses manos porque gosto das ideias e do visual. Tem uma verdade aí e isso me pega... Você quer que dê uma abaixada no volume da TV?”, perguntou.
Antes de falarmos sobre o clipe ‘Bang-Bang’, pedimos que Fael nos contasse sobre quando e como foi seu encontro com o rap.
“Eu morava com o meu pai, minha mãe e minhas duas irmãs. Uma delas já cantou comigo, a Thamires – a gente tinha um grupo de rap que depois se desfez. Aí, com 18 anos e fui expulso de casa pelo meu pai... nossas ideias já não batiam e ele mandou eu vazar”, introduziu.
Sem apoio da família, Fael ficou desorientado e quase entrou para a estatística. “Eu pensei em vender droga, pensei mesmo, ia largar mão de tudo! Virar mais um a entrar para esse mundo, sem perspectiva, porque depois que saí de casa fiquei meio desorientado. Morei de favor na casa da minha falecida avó, o marido dela deixou eu ficar num quarto lá e depois fui morar com uma amiga. Aí depois conheci minha mina e fui para uma chácara para trabalhar. Depois disso, voltei para o Laranjal. E nesse meio tempo me encontrei de vez com o rap e, o rap que me salvou, salvou eu de cair no crime. Eu comecei a pesquisar sobre o rap daqui, não achava nada no YouTube, mas descobri que existia batalhas nas quebradas”, resumiu.
Em 2016 “mais ou menos”, Fael começou a frequentar as batalhas. “Comecei lá no ‘Vai ou Racha’, ‘Batalha do Vagão’, ‘Batalha do ZO’, ‘Batalha da Caixa D’água”, enumerou.
No mundo do hip hop, ele tem como referência atual ‘Nego Max’, ‘Mano Fler’, ‘Pateta’ e Shomon. “Eu tenho uma música que ganhei do Nocivo [Shomon], disputei com o Brasil inteiro e consegui ganhar, foi a partir daí que eu comecei a ter visibilidade lá fora e os caras começaram a me chamar”, revelou.
“Meu rap é rap de mensagem! Bato de frente com tudo que acho injusto na sociedade Falo de política, de religião – é um desabafo mano, a música é um desabafo para quem vive aqui porra. Eu fiz ‘Escuridão’ foi um desabafo, ‘Vinho Tinto’ o último que lancei agora é um desabafo mano (sic)”, definiu.
Segundo Fael, ele decidiu adotar o ‘codinome’ para sustentar uma marca musical que levasse MS no nome. “Na feira com um mano eu pensando em criar um nome em 2015 eu adotei o ‘Versos 67’. Porque só meu nome não levava o Estado e que queria sinalizar e reforçar que faço rap daqui”, introduziu o rapper.
O CLIPE
Ampliando o alcance de sua música, recentemente, então, Fael fez um feat com o rapper Haitiano Bestman – o Jeff Bestman. A música “Bang Bang” nasceu informalmente num encontro entre amigos incomum de ‘Bestman’ e Fael. “Teve um evento de rap na Vila Dedé e uns amigos meus conheceram esse haitiano, o Bestman. Aí eu fiz amizade com ele, ele fala português também. Aí um eu fui fazer uma gravação de um clipe do ‘Mano X’, um parceiro meu, lá no Tiradentes, e ele apareceu lá para a gravação. Aí a gente estava numa roda assim e ele começou a soltar uma batida, a gente começou fazer uma rima. Aí ele começou a soltar ‘bang- bang’ a gente bolou o refrão. Aí depois fomos embora e ele mandou mensagem para a gente fechar um som juntos. Eu falei demoro, vamos usar o refrão que já fez lá. Um mano dele do Haiti fez o beat e nós fizemos”, narrou.
No clipe, Fael e Bestman usam como cenário de fundo o chafariz na praça Ary Coelho, no Centro da Capital. Com batidas fortes a letra lembra: “MS Haiti fechou a conexão, duas línguas diferentes em só motivação”... Isso porque Besteman canta sua parte em Crioulo Haitiano (Kreyòl ayisyen) é uma língua baseada no francês.
“O mano do Haiti gravou a gente rimando e mandou para o amigo dele que fez o bit. Na hora ele já apoiou. Esse som ‘Bang Bang’ é para falar que a gente tá vivo no hip-hop. A gente é muito mais, a arte aqui é diferente. Essas ideias erradas de que a gente é da bandidagem, não é! O ‘Bang Bang’ mostra que a gente pode fazer conexões com Haiti, São Paulo, Goiás, Paraná, todo lugar. Através do hip-hop a gente pode tudo mano”, disse Fael. Veja o clipe:
DIFICULDADES E CONQUISTAS
Fora do estado, Fael tem recebido apoio de grandes nomes do rap e uma das suas recentes conquistas ele contou exclusivamente ao TeatrineTV. “Eu vou cantar no Festival Rua do Nocivo, dia 16 de setembro. No caso eu vou dia 16, vou voltar e depois dia 24 eu vou de novo. Isso por causa do serviço mesmo, se eu vivesse da música eu ficava para lá mesmo, mas como a gente tem que ter o pé no chão, trabalhar, né?”, lamentou ele, que trabalha como pintor em Campo Grande.
O artista explicou que a maioria de suas músicas está apenas no YouTube porque ele tem feito todo o processo de divulgação de maneira independente sem auxílio técnico para pôr essas músicas nos streamings. “Eu não tenho ninguém para levar esse som nas plataformas, tá ligado. O que eu sei eu tô fazendo, mas essa parada de subir nesses outros canais é uma ideia que não consigo ainda”, justificou.
Para o rapper, o videoclipe é uma das fases mais difíceis para quem produz rap em MS. “Nessa época de política aparece um monte aí, na hora ‘h’ não tem, tudo vem do nosso bolso mano. Não tem incentivo nem público e nem privado. É por conta do preconceito com a arte de rua. O incentivo aqui é nós por nós, trabalhar, tirar do bolso e partir para cima”, opinou.
Orgulhoso, Fael mostrou um CD-mixtape que fez em São Paulo. “Tem o som de vários caras do Brasil, tem uns caras lá de Corumbá também. Nós fizemos isso aí em 2018. Na época a gente foi lá em São Paulo e recebeu vários CDs desse aí. Eu vendi alguns nos Sarau aí para conseguir por outros sons na rua”, revelou.
O artista revela que apesar da falta de incentivo do poder público aos poucos tudo está fluindo, porque a comunidade consome. “Eu me apresento bastante no Dom Antônio [Barbosa]. Depois de um tempo de caminhada, esses convites ficaram cada vez mais frequentes. Tem vez que toco a semana inteira”, comentou.
Fael esclareceu que os shows nos bairros são como uma vitrine. “Quando a gente vai fazer show de rap não tem isso de cover mano, a gente vai lá para divulgar seu trampo. Para nós do rap esse é o objetivo. Quando eu vou cantar eu canto só o meu. Aqui nos bairros de Campo Grande, eu já fiquei tocando a semana inteira (sic)”.
O RAP DE MS
A censura midiática sul-mato-grossense levou a imagem para outros estados brasileiros de que não há produção de rap no estado. “Quando eu fui cantar em São Paulo, eu subi no palco e a galera pirou quando eu falei que era do Mato Grosso do Sul. Eles acham que aqui só tem sertanejo mano, acham que aqui não tem rap. Eu estava no palco e os caras mandaram para o beat. Falaram assim: vamos bater palmas para o mano. Viajou de longe para trazer o rap”, reviveu.
Para Fael, o público sul-mato-grossense pode consumir rap assim como qualquer público, mas a desvalorização política e o preconceito dos poderosos tira essa oportunidade da população. “A gente, quando vai para fora, é bem mais recebido do que aqui dentro. Eu falo da questão da política, que aqui não veem a gente como arte, [a política de MS] vê a gente como marginal. Isso é ideia errada mano, demais! Porque, por exemplo, em São Paulo, o rap é berço, forte e gera renda (sic)”.
Ao trazer o código ‘67’ como marca, Fael acha que não fica ‘preso ao território’, mas sim, o leva para qualquer lugar. “Eu fiz esse som falando daqui para chegar para fora. Tenho um som no EP que vai se chamar Campo Grande, que terá conexão com São Paulo pelo beat. Quero ver se eu faço mais beat com os manos de fora. Falar daqui, mas tentar levar para fora. Para quando a galera chegar lá no YouTube e pesquisar ‘Mato Grosso do Sul’, aparecer o rap também. Porque hoje se você for ao YouTube e pesquisar Mato Grosso do Sul, vai aparecer ponto turístico e coisas de sertanejo. Não aparece o rap. A gente tem que correr, porque se os caras sentarem numa reunião e falar vamos chamar os caras do rap do Brasil, eles tem que saber que em MS tem rap, mano. Por isso estamos investindo até o que não temos, para fazer um bagulho profissional (sic)”, ressaltou.
Para o artista, a ‘ideia’ do rap nunca pode fugir da verdade. “Tem bastante gente que só pensa no dinheiro. Vê o que está na moda e copia. Alguns não consegue e vem a frustração. Quando você ama fazer isso, também, às vezes, tem frustração, mas você fica de pé. Agora, os manos que fazem só pelo dinheiro, o baque é forte. Eu escrevo a minha verdade. Não vira contar mentira no rap, se você contar, você vai rodar. Não existe isso aí, sempre vou cantar a minha verdade”, garantiu.
FUTURO
O rapper está trabalhando agora para lançar um EP ainda em 2022. “É o primeiro que eu vou fazer. Vou lançar 5 músicas e uma com um videoclipe, que vai ser o nome do EP- ‘Desabafo de um Poeta”, revelou.
Quando falou com a reportagem, Fael se preparava para cantar na Praça da Bolívia. Em 16 de setembro, como adiantou ao site, Fael será atração no Festival R.U.A, organizado por ‘Shomon’.
Ainda em 2022, Fael será atração convidada para o festival ‘Gangsta Paradise Especial Anos 90’, que acontecerá em 24 de setembro de 2024. Na ocasião, Fael cantará no palco em que se apresentarão ainda os grupos convidados: Aliados da Sul; Diamond B; Elementos da Revolução; Conceito Moral e Ideologia Fatal. O evento acontecerá na Av Sete de Setembro, 531, no Centro – Diadema (SP). Os ingressos para esse evento já estão à venda pelo Sympla. Clique AQUI.