'Elegemos a mãe da mentira', diz morador despejado na Capital de MS
Quatro dias após ser eleita, prefeita manda passar patrola sobre casas em comunidade carente
16 NOV 2024 • POR TERO QUEIROZ • 18h36Cerca de 50 pessoas foram desalojadas na 5ª feira (31.out.24), após a prefeita Adriane Lopes (PP), de Campo Grande (MS), autorizar que patrolas passassem sobre casas construídas em uma área pública na Rua Poente, na região do Jardim Tarumã.
“Vieram com a patrola aqui, passaram em cima de tudo, da minha casa de madeira e das casas de tijolo também. Antes da eleição, a Adriane Lopes prometeu lá no comitê dela que nos ajudaria, como ela já estava na prefeitura. Infelizmente, todo mundo aqui votou nela. Acreditamos e elegemos a mãe da mentira e agora estamos na rua”, lamentou o pedreiro Ambrósio Gomes, de 50 anos, em entrevista ao TeatrineTV.
O terreno em que as famílias estavam morando é alvo de lobby da associação de moradores do Eparque Campo Grande, da loteadora Emais Urbanismo, empresa do Grupo Emais, fundado em 2007 por Edson Tarraf e Edson Tarraf Junior. “Isso aqui era utilizado pela associação e começaram a vender partes dos terrenos, por isso que já tem uns terrenos demarcados lá. Só que parou lá, e aí estava abandonado e ocupamos. Aqui, essas patrolas que vieram não são da prefeitura, isso é fretado, porque tem gente grande interessada nessa área”, comentou outro morador que pediu sigilo sobre a sua identidade.
Sem qualquer aviso aos moradores, a máquina começou a derrubar as casas. “Não deu tempo de tirar nada. Minha cama, as coisinhas que eu tinha, passaram por cima. Dormi a noite passada no tempo”, lamentou Ambrósio.
Equipes da Secretaria Municipal de Meio Ambiente (Semadur), Guarda Civil Metropolitana (GCM) e Policiais Militares fizeram um cerco, pararam um caminhão e foram colocando os restos das casas e móveis destruídos pela patrola. Eles não quiseram responder à reportagem do TeatrineTV se havia algum mandado judicial que autorizasse a medida radical.
O cenário de desolação era coletivo numa roda de moradores próximo a um poste de iluminação e uma pequena árvore que restou no terreno. “Da árvore para cá, tinha nove famílias. Aí aconteceu que aqui o problema é o seguinte: todo mundo aqui do bairro não queria favela, eles têm dinheiro, eles são ricos, eles não queriam favela. Aí o pessoal começou a construir a casa de material, porque pelo menos para não ficar uma favela, já que eles não queriam favela, começaram a construir casas de material. Aí vem esse pessoal que sei lá de onde, vem e fala que é da prefeitura... Acabou com o barraco, com a casa de todo mundo de material. O cara já tinha gastado R$ 9 mil na casa, que o pai dele não tem onde morar. Acabou com tudo, passou por cima de tudo”, protestou com a voz embargada a Ketlyn.
A revolta dos moradores é de eles serem ‘alvo especial’ da medida radical da gestão de Adriane Lopes. “Aí o pessoal falou: ‘não vai desistir, vai fazer barraco de madeira’. Fez barraco de madeira, já que eles não queriam favela, né? Faz de material. Agora fez de madeira. Aí vem passar por cima, cadê o papel? De quem é essa terra? Se é da prefeitura, por quê? Por que passar aqui e acabar com o barraco de todo mundo, pegar a ferramenta de todo mundo se é da prefeitura? Sendo que existem vários lugares na mesma situação desse aqui que a prefeitura nunca foi atrás, que eles nunca passaram uma patrola em cima. Eu conheço um monte de lugar, inclusive no bairro da minha avó, de frente com a casa da minha avó, a área inteira foi invadida e nunca mais, há mais de 20 anos, a prefeitura nunca foi atrás. Aí agora, num dia, um bairro de luxo, que o pessoal tem dinheiro, que é só polícia, que é jogador, que é um monte de coisa, por que acontece isso? Isso aí é o pessoal, eu tenho certeza de que é o pessoal que passa aqui olhando de caminhonete, passa olhando e molha a mão dessa polícia, dessa prefeita e de todo mundo para vir aqui acabar com as coisas dos outros”, continuou Ketlyn.
A cozinheira Luana Santos também apontou que parte das pessoas moradoras do bairro de luxo do outro lado da rua estariam por trás do despejo. “Aqui era uma casa inteirinha, eu tenho todos os vídeos aqui, desde o começo até o fim da construção das casas, eles derrubando tudo. Casa de alvenaria, eles chegaram e derrubaram tudo, não deu nem meia hora, nada. Aquele cara da Semadur chegou aqui e falou: ‘é o pessoal daqui, não é nós, é o pessoal daqui que tá chamando e eles pagam os caras’, aí ele está alugando máquina para vir tirar nós”, revelou Luana.
Ainda conforme a cozinheira, toda a comunidade recebeu diversas fakes, e acabaram votando em Adriane Lopes, após ela prometer ajudar. “Faço um apelo para Adriane vir aqui, porque olha em outros barracos, em outros lugares que ocuparam, ela prometeu que não ia tirar ninguém e tirou. E se ela fosse eleita, ela prometeu isso para a gente, né? Que ia ajudar a gente. Todo mundo votou, porque nós já estávamos aqui, né, na eleição”, lembrou.
Ambrósio também revelou que votou em Adriane com base em promessas que agora sabe que eram mentiras. “Eu votei nessa prefeita aí porque, por causa da promessa dela, que ela não está cumprindo e nem vai cumprir agora, que ela está com 4 anos agora, né? Que ela vai fazer o trabalho. Então, o que aconteceu é que eu pensei naquele negócio que os antigos falam: ‘não mexe no time que tá ganhando’, então, ela já estava lá na prefeitura. Ela já sabia das obras, dos projetos... Só que ela mentiu para todo mundo e isso é desumano. Se ela fez isso agora, ela vai fazer mais coisas ainda à população, quer dizer, o povo que votou nela, ela não está nem aí com a vida do pobre, entendeu? Adriane Lopes, a mulher do Lídio Lopes que fez essa merda aí”, completou Ambrósio revoltado, saindo de perto do repórter.
Na roda, um dos moradores esbravejou, quando notou que começava a chover: “Eles vão ter trabalho todo dia de tirar a gente, e a gente todo dia de voltar, uai”. E outro acrescentou: “Amanhã, se você quiser vir nesse horário, vai ser a mesma coisa, vai ter barraco de novo”, garantiram.
Questionados se consideram que Adriane Lopes produziu peças de fake news para convencer a votar nela, os moradores foram unânimes: “Foi bastante fake news. Só ver a campanha dela. E não foi só para nós, não, foi exatamente assim em outras comunidades, até adesivo colaram do 11. Agora, cadê ela? Ela sumiu. Se não foi fake news, cadê ela? Por que estão tirando nossas coisas daqui? Como eles têm mais condição, estão pagando esse pessoal que está aqui, que vem com a patrola, que vem com o caminhão... O certo é eles chegarem com o papel, aí sim. Agora chegar derrubando tudo, de pessoas que não têm nem condição, que nem está lá na reportagem, tem gente aqui que pegou o dinheiro emprestado, que tem gente que pegou o dinheiro das férias, que nem o caso dela, de pouquinho foi fazendo, aí eles vieram e já derrubaram”.
Luana ainda rebateu o que foi noticiado por uma matéria jornalística, de que ‘havia só um barraco no local’. “É mentira! Vocês estão vendo aí, olha lá, tudo de alvenaria... Eles mentiram. Um homem chamado Rafael disse que só tinha um barraquinho, e era tudo de cerca e a gente invadiu e fez só isso, mas é mentira. Ele não fala que tinha casa de alvenaria... você acha que vai ficar passando humilhação? Esse povo e essa mentiras só querem prejudicar quem é pobre”, concluiu.
ENGANADOS, AMEAÇADOS E PREJUDICADOS
Um grupo de três homens ainda estão no terreno. Um deles contou à reportagem que perdeu R$ 15 mil de investimento que já havia feito em sua casa de alvenaria, que foi derrubada. “Já tinha três fiada de tijolo. Um prejuízo enorme. Fomos acreditar nessas politicagens, deu nisso. É esse pessoal do bairro, eles não querem gente pobre aqui”, lamentou Anderson.
Ele disse ainda que a promessa da prefeita fez com que a comunidade votasse em Adriane. “Foi em torno de 60 votos para mais, porque todo mundo tem família e pediu voto. Fiquei 6 meses trabalhando. O pior é que não teve aviso, nenhum papel, nada. O cara da Semadur falou ali: isso aqui não é nem nós. Foi gente grande que mandou passar em cima”.
Rafael Barbosa, de 28 anos, apesar da perda vai insistir para manter sua casinha de pé, pois ele trabalhou para receber a área em que está. “Eu não estou aqui porque invadi, não; o cara me deu essa área do dono da chácara ao lado. Ele me deu para mim tomar conta da chácara dele, e eu já estou aqui a mais de 15 dias aqui dormindo aqui trabalhando de graça aqui sem receber R$ 1, aí vieram ontem disse que ia me indenizar que ia pagar tudo e até agora não vieram, mas, passaram a patrola em cima de tudo. Eu vou continuar aqui”, garantiu.
Até ataques armados já ocorreram para tentar expulsar os moradores de suas casas na comunidade. “Eles querem essa área para eles, para vender, mas isso aqui é área pública, por isso estamos reivindicando”, ponderou Anderson.
Rafael disse que a casa dele já tinha alicerce e que perdeu ‘um carro’ para poder ficar na área que agora a prefeitura quer tomar. “Eu tive que dar o meu carro que eu trabalho, por isso que todo dia a pé aí ó. Rapaz o bagulho é louco aqui velho, por isso que nós estamos lutando. Aí eu tô 15 dias já dormindo aí ó. Dormindo dentro do carro. E o cara ali da chácara falou: ‘você é meu funcionário, daí que ninguém te tira, esse terreno é seu’. Por isso, eu tô aqui cuidando faz 15 dias, porque os caras quiserem invadir, aí eu ficava na madrugada inteira já até tentaram me matar duas vezes”, finalizou.