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ESTRATÉGIA TUCANA

Mirando a privatização, governo Riedel sucateia o Centro Cultural

Quatro meses após revitalização que custou R$ 10,5 milhões, sistema de luz do teatro Aracy Balabanian está inutilizado: 'Estratégia!'

29 SET 2024 • POR TERO QUEIROZ • 22h00
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O governador Eduardo Riedel na entrada do teatro, inagurado há 4 meses, agora com sistema de luz inutilizado. Foto: Tero Queiroz

O Teatro Aracy Balabanian em Campo Grande (MS), que foi reinaugurado em 2 de março de 2024, após uma obra de restauração que se arrastou por 8 anos e custou R$ 10,5 milhões, está com seu sistema de iluminação inutilizável. “Equipamento novinho queimado, está inutilizado”, declarou um artista em contato com a reportagem, cobrando apuração.

Diante disso, procuramos a assessoria da Secretaria de Esporte, Turismo e Cultura (Setesc), chefiada por Marcelo Miranda. A assessoria confirmou o dano, mas disse que não foi toda a estrutura que queimou: “Não foi a mesa que queimou, foi o dimmer de iluminação que teve avaria. O aparelho está na garantia e vai ser mandado para conserto pela empreiteira que fez a reforma do teatro”, respondeu.

Luzes quentes do Teatro Aracy Balabanian estão inutilizadas. Foto: Tero Queiroz Luzes quentes do Teatro Aracy Balabanian estão inutilizadas. Foto: Tero Queiroz 

A reportagem quis saber quanto custou ao cofre cultural o equipamento danificado. A assessoria, porém, pediu um prazo para consultar o “fiscal da obra” e que posteriormente informaria. No entanto, nenhuma resposta acerca do custo total foi enviada ao TeatrineTV até a publicação deste conteúdo.

O teatro está dentro do complexo do Centro Cultural José Octávio Guizzo, onde foram executados serviços de instalações elétricas e hidrossanitárias, pintura, pisos e revestimentos, climatização e adequação da acessibilidade. No pacote milionário, foi feita a troca de toda a sonorização, acústica, elétrica e climatização.

A coordenadora do Centro Cultural, Luciana Kreutzer. Foto: Tero Queiroz A coordenadora do Centro Cultural, Luciana Kreutzer. Foto: Tero Queiroz 

Procurada, a coordenadora do Centro Cultural, Luciana Keutzer, também sustentou que foi um problema técnico no dimmer, que é o equipamento responsável por enviar o sinal para a mesa. “Como está em garantia, é preciso que seja enviado à fábrica para o devido conserto ou reprogramação, já que é um equipamento digital”, respondeu.

Questionada se o problema afetaria os trabalhos no teatro, Luciana argumentou: “A agenda está seguindo normalmente, apenas com alguma restrição de equipamento disponível, mas em breve já teremos essa questão resolvida”, sem determinar, porém, uma data específica para que o sistema de luz esteja novamente disponível.

FALTA DE QUALIFICAÇÃO

Imagem do WhatsApp de 2024 09 29 à(s) 22.34.39_cba83c52Sartomen utilizando equipamentos no Aracy Balabanian. 

A reportagem conversou com o experiente iluminador cênico e técnico de luz de Campo Grande, Luiz Sartomen, que detalhou que a mesa de luz que há no Aracy contém dimmers, que podem custar mais de R$ 6 mil. “Um dos funcionários tirou a mesa da tomada de uma vez e aí queimou”, revelou.

Entretanto, o iluminador espera que não tenha queimado todo o sistema de luz. “Eu procurei saber com os outros colegas que entendem melhor de equipamento do que eu, e essas pessoas acham bastante difícil que isso possa ter acontecido, que o equipamento tem alguns dispositivos de segurança, entende, que não é fácil queimar um equipamento daquele”, opinou.

De acordo com Sartomen, o sistema de luz que há no Teatro Aracy Balabanian é um dos melhores e mais sofisticados no mercado. No entanto, a gestão de Eduardo Riedel (PSDB) não contratou pessoas que tenham maior conhecimento acerca do equipamento. “A gente está com o equipamento, que é uma Ferrari, uma McLaren. Não dá para quem só sabe dirigir fusquinha ficar lá pilotando; tem que ser uma pessoa mais qualificada”, criticou ele, que, diante de sua experiência, em janeiro de 2024, chegou a ser procurado para trabalhar na FCMS, mas a contratação não avançou até hoje. “Enviei os documentos, falaram para esperar que a contratação sairia no Diário Oficial, mas até hoje não saiu”, lamentou.

Apesar de acreditar que ‘não queimou tudo’, o técnico também não descartou essa possibilidade. “O fato é que o equipamento não está em uso porque não está funcionando. Eu não sei se foi queimado ou se não foi queimado, mas o que eu sei é que a empreiteira que é responsável pela obra foi a empresa que adquiriu também o equipamento. Então a nota fiscal desse equipamento está em nome da empreiteira. E aí a empreiteira é que deve, tem que acionar a garantia. Tem que verificar se a garantia cobre esse dano que ocorreu lá no equipamento, que são os dimmers de potência, esse que é o nome do equipamento”, detalhou.

Ainda conforme o experiente iluminador, sem os dimmers, os trabalhos que foram ocorrer no Aracy Balabanian não poderão usar toda a capacidade do teatro. “Metade da luz, especificamente a luz convencional, que são as lâmpadas que têm filamento, as alógenas, essas, que a gente chama também de luz quente, esse equipamento não está podendo funcionar. Eles só estão trabalhando lá com o equipamento de LED, que são as par LED, e aí realmente fica muito capenga, não dá para fazer”, disse.

Alguns trabalhos tiveram que contratar estrutura de luz à parte. “Eu tenho um trabalho agendado para lá em novembro, a produção vai ter que locar uma parte do equipamento. Porque com o equipamento que está funcionando lá, fica inviável; não é possível fazer uma iluminação decente”, completou.

ESTRATÉGIA TUCANA 

Eduardo Riedel no Centro Cultural no dia da reinauguração do complexo. Foto: Tero Queiroz Eduardo Riedel no Centro Cultural no dia da reinauguração do complexo. Foto: Tero Queiroz 

A reportagem apurou que o sucateamento é parte de uma estratégia da gestão tucana para conseguir assim a privatização do equipamento cultural. "Queimaram e vão queimar mais coisas, e colocarão a culpa em outros funcionários. A chave do centro cultural está rodando por aí... Dentro do Centro Cultural há uma insatisfação generalizada devido principalmente a irresponsabilidade dos gestores", declarou outro servidor, que terá o nome preservado, temendo represálias.  

Logo que o Centro Cultural foi reinaugurado, o TeatrineTV mostrou que a própria coordenadora Luciana Kreutzer apelou que governo Riedel fizesse as contratações de pessoal qualificado para compor o quadro de servidores que estariam à frente do equipamento. No entanto, até setembro de 2024, o Centro Cultural opera com equipe reduzida e sem qualificação necessária.  

O governador Eduardo Riedel, sua esposa Mônica Riedel e Danuza Guizzo, filha do servidor José Octávio Guizzo que dá nome ao complexo que caminha para ser privatizado.  Foto: Tero Queiroz O governador Eduardo Riedel, sua esposa Mônica Riedel e Danuza Guizzo, filha do servidor José Octávio Guizzo que dá nome ao complexo que caminha para ser privatizado.  Foto: Tero Queiroz 

"A estratégia do governo Riedel é sucatear e conseguir com isso a privatização do equipamento", completou o servidor. 

Diante dos indícios, o TeatrineTV, buscou saber se de fato está em curso alguma ação de pela privatização do Centro Cultural; 

Questionada, a Conselheira Estadual de Cultura, Sílvia Cerqueira, confirmou que numa Assembleia em 26 de julho, o governo apresentou uma minuta da peça de privatização do Centro Cultural aos Conselheiros. Então,  solicitamos à ela a ata da reunião, para entender o teor da proposta. A Conselheira, porém, respondeu que a ata ainda não foi confeccionada. 

Angela Montealvão, do Fesc. Foto: Tero Queiroz Escreva a legenda aqui

Representante da sociedade civil, o Fórum Estadual de Cultura (FESC) também foi surpreendido com a proposta: "Ficamos sabendo da especulação informalmente e orientamos os conselheiros para o posicionamento contrário à privatização. Ainda não nos reunimos com os conselheiros depois desta última reunião em que trataram da pauta", revelou a coordenadora Ângela Montealvão.

Na avaliação da coordenadora, após gastar tantos milhões com o equipamento, seria injusto com os cofres públicos da cultura e sem o respaldo dos trabalhadores da arte, tal proposta. "Acreditamos que é um equipamento público, que já custou um preço muito alto à sociedade pelos anos fechados e pelo investimento na reforma feita com nosso dinheiro. Privatizar, além de não atender os anseios da sociedade civil que está sedenta pelo uso do equipamento, não é justo financeiramente com o dinheiro público empregado até aqui". 

Ângela adiantou que a proposta de 'privatização' foi perpetrada com a alegação de otimizar a gestão. "Com essa chamada 'parceria' proposta pela FCMS, que ainda não apresentou, claramente e formalmente, fundamentos que garantam que essa privatização seja benéfica de fato à sociedade civil. Enfim, é um assunto que deve ser tratado com amplo diálogo e não pode, em nenhuma hipótese, ser decidido sem ampla apresentação formal e detalhada desta proposta de gestão e, na sequência, ouvindo a sociedade civil para a tomada de decisão final sobre o futuro da gestão deste equipamento que carrega tanto afeto dos produtores e artistas locais", concluiu a coordenadora do FESC.

OUTRA PARTE

O secretário Marcelo Miranda (Setesc) e o diretor presidente da Fundação de Cultura de Mato Grosso do Sul (FCMS),propuseram entregar administração do Centro Cultural para uma empresa. Foto: Tero Queiroz O secretário Marcelo Miranda (Setesc) e o diretor presidente da Fundação de Cultura de Mato Grosso do Sul (FCMS),propuseram entregar administração do Centro Cultural para uma empresa. Foto: Tero Queiroz 

Procurado, o secretário Marcelo Miranda (Setesc), confirmou que o governo fez uma proposta, mas negou que se trate de privatização. "De forma alguma. Não é isso. Estamos estudando um edital para uma OS administrar o centro, mas é OS", rebateu o secretário, reafirmando a natureza jurídica 'Organização da Sociedade Civil'.

O repórter insistiu que ao transferir a administração do Centro Cultural, que deve ser feita pela Setesc e Fundação de Cultura, a gestão tucana estaria entregando o equipamento nas mãos de uma empresa. O secretário, então, respondeu com um emoji facepalming.  

Apesar da alegação de Marcelo Miranda, ao repassar a responsabilidade do Centro Cultural para um OS, o governo Riedel estará repetindo o movimento perpetrado pelo prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes, que em 16 de dezembro de 2022, lançou um chamamento público com o intuito de atribuir a organizações da sociedade civil (“OSCs”) a gestão e a manutenção da infraestrutura de 20 Casas de Cultura localizadas no município de São Paulo.

Assim como em MS, Nunes tramou a privatização nos bastidores e quando se tornou pública e os trabalhadores da arte foram contra, o gestor empurrou seu plano goela abaixo, mas maio de 2023 o Tribunal de Contas do Município de São Paulo (TCM) decidiu suspender o edital de privatização das Casas de Cultura na capital paulista e impôs uma dura derrota a Nunes e à Secretária de Cultura Aline Torres, fiadores da proposta.