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Alvo de fake news, Rouanet se consolida como defensora da cultura

Polarização política e desconhecimento sobre lei alimentam desinformação

11 SET 2024 • POR REDAÇÃO • 18h36
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Grupo Casa, de Campo Grande, mostra que a Lei Rouanet cumpre seu papel - Reprodução/Facebook

A Lei Rouanet, mecanismo de incentivo à cultura criado em 1991, tem sido alvo constante de desinformação, especialmente em redes sociais. Um dos principais mitos espalhados é que a lei financia diretamente artistas milionários e promove uma ‘mamata’ cultural. Essa visão distorcida não só ignora o verdadeiro funcionamento da lei, mas também prejudica o entendimento público de sua importância.

Por meio do Diversidade nas Redações 3: Desinformação e Eleições, promovido pela Énois com patrocínio do Google News Initiative, o TTVChecaZap, agência de checagem de fatos do TeatrineTV nas eleições 2024, demonstrará abaixo as principais fake news que circulam sobre a Rouanet, alvo de ataques de diversos candidatos de extrema direta.

Recorte mostra Eduardo Bolsonaro tecendo críticas infundadas à lei.Recorte mostra Eduardo Bolsonaro tecendo críticas infundadas.

A notícia publicada no Jornal da Cidade Online, com o título "Mais gastos? Governo Lula prepara decreto com 'nova' Lei Rouanet", é um exemplo de como a desinformação pode comprometer a difusão de políticas públicas com real interesse social. Há ainda o caso do ex-secretário de Cultura, o artista Mario Frias, que deliberadamente chamava a lei de "mamata", mas que tentou se beneficiar conforme noticiado pelo UOL: "Mario Frias chama Rouanet de mamata, mas já quis captar R$ 700 mil pela lei".

 Há ainda inúmeros casos, como da família Bolsonaro, que contribuem para a propagação de informações falsas a respeito em bolhas extremistas das redes sociais. A maior incitação é de que entre os beneficiados estão apenas artistas já consagrados, famosos e ricos e que apoiam administrações politicamente alinhadas à esquerda. A força da polarização contribui para acirrar ainda mais os debates.

COMO FUNCIONA A LEI ROUANET?

A Lei 8.313, popularmente conhecida como Lei Rouanet, é o maior mecanismo de incentivo à cultura no Brasil. Elaborada com o objetivo de estimular a produção, preservação e difusão cultural, ela oferece incentivos fiscais para que empresas e pessoas físicas possam patrocinar projetos culturais. O Ministério da Cultura (MinC) aprova os projetos, e os proponentes precisam captar os recursos junto a patrocinadores, que como contrapartida recebem abatimentos no Imposto de Renda.

Dados fornecidos pelo Ministério da Cultura mostram que, entre 1992 e 2024 foram investidos em projetos R$ 28.856.347.055,70, incluindo projetos inseridos na Lei Rouanet. Em 2023, o governo federal autorizou a captação de até R$ 16,7 bilhões em projetos culturais, mas apenas R$ 2,3 bilhões foram captados, segundo a plataforma SalicNet, usada pelo MinC para acompanhar a execução dos projetos.

Tais resultados demonstram que a lei não repassa dinheiro público diretamente aos artistas, mas sim autoriza que produtores culturais busquem apoio financeiro de empresas. Como consequência, esses números desmontam a fake news amplamente disseminada, que sugere que grandes somas saem dos cofres públicos diretamente para artistas ricos.

DADOS OFICIAIS E TRANSPARÊNCIA

A Comissão Nacional de Incentivo à Cultura (CNIC) havia aprovado, até setembro de 2024, mais de 200 projetos que podem captar até R$ 857,12 milhões. Esses projetos abrangem uma vasta gama de iniciativas culturais, muitas das quais de pequeno e médio porte, contradizendo a ideia de que apenas grandes artistas são beneficiados.

Recorte da Salic Compara mostra arrecadações da Lei Rouanet
 

Para 2024, o governo federal também lançou a Política Nacional Aldir Blanc de Fomento à Cultura, que irá destinar R$ 15 bilhões até 2027 para projetos culturais, dando ainda mais o apoio ao setor.

Além disso, a ministra da Cultura, Margareth Menezes, em discurso no Senado Federal em abril de 2024, reforçou que “apenas 0,57% do Orçamento da União é investido na cultura [...] Mas o retorno que a cultura dá equivale a 3,11% do Produto Interno Bruto". Ou seja, para cada R$ 100 investidos, apenas R$ 0,57 vão para a cultura, mas o impacto econômico é significativo.

IMPACTO LOCAL

Grupo Casa busca apoio na Lei Rouanet para transformar realidade em Campo GrandeGrupo Casa busca apoio na Lei Rouanet para transformar realidade em Campo Grande. Foto: Reprodução

Um exemplo do impacto positivo da Lei Rouanet em nível local é o Grupo Casa de Campo Grande (MS), que está captando recursos para realizar o 6º Encontro de Teatro entre Crianças (Eteca). A representante do grupo, Lígia Prieto Tristão, explica como o festival busca alinhar arte e educação, oferecendo mais de 50 atrações gratuitas de teatro, música e dança para a população.

"O Eteca tem o objetivo de alinhar a arte e a educação voltada para o desenvolvimento da criança, para a gente pensar como a arte potencializa a vida da criança, tornando-a mais expressiva e sensível, e assim a gente potencializa seres humanos para o nosso futuro e para o nosso presente também, porque o Eteca é para toda a família", afirma Lígia. "O Eteca já atingiu mais de 60 mil pessoas e hoje já é considerado um dos maiores festivais voltados para a infância do Centro-Oeste", completou.

A fala de Lígia exemplifica como a Lei Rouanet permite que iniciativas como a Eteca, voltadas para a infância e com forte impacto social, sejam realizadas. Ela ainda reforça a importância de envolver a comunidade e o setor privado para garantir o sucesso do evento.

O vereador Ronilço Guerreiro, de Campo Grande, também defendeu a importância dos incentivos culturais, argumentando que “investir em cultura é investir no futuro, é investir em segurança pública, em saúde mental e na educação”. Para ele, a Lei Rouanet desempenha um papel crucial na economia criativa e na geração de empregos. "Toda vez que você investe em cultura, você movimenta a economia local. Eventos culturais geram turismo, consumo e arrecadação de impostos, além de promover o bem-estar social", declara Ronilço. "Precisamos desmistificar essa ideia de que a Lei Rouanet só favorece grandes artistas”.

ROUANET NÃO ‘SUSTENTA VAGABUNDO’

Durante um evento em Recife, em abril de 2024, o presidente Lula fez uma forte defesa da Lei Rouanet, criticando os ataques que a desinformação promove contra a cultura: “Agora, nós temos um Sistema Nacional de Cultura. Isso significa que agora ninguém vai poder achar que extinguindo o Ministério da Cultura vai acabar com a cultura. Isso significa que ninguém pode ficar dizendo que a Lei Rouanet é uma lei para dar desfalque nos cofres do Tesouro para sustentar vagabundo", disse, conforme divulgado pelo G1.

Lula ressaltou que a Lei Rouanet é um mecanismo essencial para o fortalecimento da cultura brasileira, especialmente para aqueles que não possuem grande visibilidade ou facilidade de acesso a recursos. Ele reforçou a ideia de que a cultura é um direito de todos, e não um luxo destinado apenas às elites. "A Lei Rouanet não é favor, a Lei Rouanet ela não dá dinheiro para o cara. Ele aprova um projeto, e o artista que teve o projeto aprovado, ele vai ter que correr atrás de dinheiro e, vou contar uma coisa para vocês: se ele for negro e pobre da periferia, ninguém quer dar dinheiro para ele. As pessoas querem dar dinheiro para outro tipo de artista", ressaltou.

ORIGEM E DISSEMINAÇÃO DAS FAKE NEWS

Conforme já citado, as fake news em torno da Lei Rouanet são alimentadas por um ambiente de polarização política e desconhecimento sobre o funcionamento da lei. Narrativas sensacionalistas, que deturpam o propósito da iniciativa e atacam figuras públicas, são frequentemente compartilhadas para promover desconfiança e desinformação. Muitas dessas alegações são baseadas em preconceitos contra a cultura, vista por alguns setores como elitista ou irrelevante.

A complexidade do processo de captação de recursos por meio da Lei Rouanet facilita sua deturpação em redes sociais. Grupos com interesses políticos e econômicos se aproveitam da falta de entendimento para difundir informações falsas, prejudicando o acesso da população à cultura.