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ARTE NAÏF DO BRASIL

Com 'Sofrência' sertaneja, Arte nas Estações abre exposição na Capital de MS

Exposição conta com acervo do maior conjunto Naïf do mundo

6 SET 2024 • POR TERO QUEIROZ • 11h32
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(5.set.24) - Centro Cultural José Octávio Guizzo recebe exposição 'Sofrência' de arte Naïf. Foto: Tero Queiroz

O projeto Arte nas Estações, idealizado pelo colecionador e gestor cultural carioca Fabio Szwarcwald, inaugurou na noite de quinta-feira (5.set.24) a exposição "Sofrência", em Campo Grande (MS). Com 72 telas, a galeria estará aberta até 20 de outubro.

Esta é a primeira de três mostras que ocuparão os 200 metros quadrados do Centro Cultural José Octávio Guizzo, apresentando parte do acervo do Museu Internacional de Arte Naïf do Brasil (Mian). O termo "naïf", em francês, significa "ingênuo, sem qualquer tipo de malícia".

O acervo do Mian, reunido desde os anos 1990 por Lucien Finkelstein, um joalheiro francês radicado no Brasil, conta com 6 mil pinturas de 120 países. O museu funcionou no Rio de Janeiro de 1995 a 2016, quando fechou as portas por falta de incentivo público. Desde então, as obras estão armazenadas em um apartamento em Copacabana.

Obras feitas nos anos 50 por artistas brasileiros integram exposição na Capital sul-mato-grossense. Foto: Tero QueirozObras feitas nos anos 50 por artistas brasileiros integram exposição na Capital sul-mato-grossense. Foto: Tero Queiroz

Fabio Szwarcwald revelou que teve a ideia de realizar um projeto com um objetivo preservacionista da arte Naïf, um estilo de artistas autodidatas do Brasil, que no entanto é pouco conhecida. O contato dele com o gênero artístico foi em 2018, quando ele comandava o Parque Laje. "E eu, como colecionador também, vi a qualidade desses artistas e fiquei surpreso de nunca ter visto eles no Circuito das Artes. Quase nenhum desses nomes eu nunca tinha ouvido falar antes", lembrou em entrevista ao TeatrineTV. 

Fabio Szwarcwald.  Foto: Tero Queiroz 

Foi então que começou a surgir o desejo por um projeto de circulação expositiva. "Eu falei: cara, a gente tem que realmente mostrar isso para as pessoas, para os alunos da escola, para os professores e para todos os amantes das artes, porque é um tesouro que a gente tem e a gente pode perder. Porque a colecionadora estava com o intuito de vender essa coleção. E é uma coleção muito importante para o Brasil. Então, essa coleção poderia ir para fora do Brasil. Até porque, infelizmente, a nossa moeda vale pouco hoje. Então, seria barato comprar essa coleção e levar para um outro país e a gente nunca mais ter acesso", observou.  

Diante disso, Fábio realizou a primeira exposição em tom de protesto no Parque Lage. "A exposição que fizemos no Parque Lage chamava ‘Nenhum Museu a Menos’, em referência ao fechamento do Museu de Arte Naïf e ao incêndio do Museu Nacional", explicou. "Meu grande objetivo foi realmente, quando eu percebi que o museu estava fechado e que a coleção tinha, de certa forma, um destino de ser vendida, foi dar luz a esses artistas", acrescentou.  

Posteriormente, ele idealizou o projeto "Arte nas Estações" com o intuito de descentralizar o acesso cultural à arte Naïf. "O Brasil é tão grande, mas as exposições de alto nível se concentram muito no Rio de Janeiro e em São Paulo. Quero descentralizar esse eixo geográfico, levando as exposições para outras localidades, até mesmo para cidades menores, que muitas vezes não têm a oportunidade de receber uma mostra desse tipo e, frequentemente, nunca teriam a chance de ver esses artistas. A ideia é valorizar nossa arte e cultura, mostrando que não é necessário ter uma formação formal para criar trabalhos incríveis que retratam nosso país e nossa cultura de várias formas", defendeu.

Obras Naïf compõe a exposição Sofrência do projeto Arte nas Estações. Foto: Tero Queiroz Obras Naïf compõe a exposição Sofrência do projeto Arte nas Estações. Foto: Tero Queiroz 

A primeira edição do projeto Arte nas Estações ocorreu em Minas Gerais, de fevereiro a setembro de 2023, atraindo quase 30 mil visitantes, com destaque para a instalação de Janine Marques, que criou um ‘túnel de cor’ vibrante. "Com o Arte nas Estações, fizemos um recorte dessa exposição e criamos três temas importantes: a primeira exposição, ‘Sofrência’, aborda relações afetivas, amor e flertes; a segunda, ‘A Ferro e Fogo’, trata da preservação da natureza, das espécies e da democracia; e a terceira, ‘Entre o Céu e a Terra’, explora religiosidades e crenças populares. O curador Ulisses Carrilho fez um recorte dos trabalhos para dialogar com esses temas", detalhou Fábio.

Fábio e o curador Ulisses Carrilho. Foto: Tero Queiroz Fábio e o curador Ulisses Carrilho. Foto: Tero Queiroz 

As obras expostas em Campo Grande reúnem diversas técnicas artísticas. "Temos pinturas em tela, alcatex e madeira, já que muitos artistas não tinham recursos para comprar telas e usavam o que estava ao seu alcance, como pincéis, canetas, dedos, palitos e palitos de fósforo. Assim, a maioria das obras são pinturas, mas com diferentes plataformas e técnicas", pontuo Fábio.

O idealizador destacou uma singularidade da exposição: muitos artistas utilizam apenas o primeiro nome ao assinar seus trabalhos. "Muitos artistas, como Gerson ou Dalvan, optaram por não usar sobrenomes. Isso é uma característica do artista, que prefere ser reconhecido pela pintura que faz. As pessoas, ao verem uma exposição, identificarão quem é Gerson ou Dalvan pela obra. Vale lembrar que muitos desses artistas faleceram antes da era das redes sociais, o que dificulta a identificação precisa. No entanto, um artista como Gerson sempre será reconhecido por suas obras", argumentou.

SERTANEJO EM FOCO

Ulisses, curador do projeto Artes nas Estações, que iniciou ciclo expositivo em Campo Grande (MS). Foto: Tero Queiroz Ulisses, curador do projeto Artes nas Estações, que iniciou ciclo expositivo em Campo Grande (MS). Foto: Tero Queiroz 

Para a exposição "Sofrência", o curador Ulisses Carrilho selecionou 72 obras que exploram a figura feminina e cenas cotidianas com referências à música sertaneja, diretamente ligadas a letras compostas por astros do gênero como Maiara & Maraisa e Cristiano Araújo. "Para o público sul-mato-grossense, a presença do sertanejo é uma estratégia para ressoar com os interesses locais. Ao trazer um gênero popular, esperamos que pessoas menos interessadas em arte possam ter uma primeira experiência positiva em museus", analisou o curador.

Exposição oferece playlist com sucessos do sertanejo. Foto: Tero Queiroz

Na galeria, estão impressas diversas músicas. As canções que inspiraram a mostra estão disponíveis em uma playlist criada na plataforma de streaming Spotify.

Ulisses destacou um dos grandes diferenciais da exposição: a característica natural que foge ao eurocentrismo. "Os artistas que compõem este acervo não passaram por escolas formais de arte e, por isso, trazem uma diversidade étnico-racial, de gênero e de classes sociais que é bastante incomum na maioria dos grandes museus. A exposição ‘Sofrência’ começa com a oportunidade de explorar esse repertório diversificado, focando nos corpos femininos, na economia doméstica e nas cenas de afeto e relações. Em seguida, teremos uma exposição com um túnel vermelho, simbolizando a paixão e a ‘Sofrência’, reconhecendo que o amor e a paixão são temas tão válidos quanto qualquer outro na arte", disse Ulisses.

Ele também ressaltou que levar o gênero musical como peça-chave ajuda a Arte nas Estações a se conectar com o público apaixonado pelo gênero e a atrair novos visitantes para exposições de arte. "Os artistas, frequentemente vistos apenas como denunciadores de suas dificuldades, apresentam suas vidas, complexidades e emoções com a mesma profundidade de qualquer outro sujeito. Assim como o sertanejo, muitas vezes considerado um gênero menor por ser popular, também é visto de forma preconceituosa. Nosso objetivo é mostrar que, se um tema atrai e interessa às pessoas, ele merece ser explorado e pode oferecer uma experiência enriquecedora, especialmente para uma primeira visita a um museu", comentou.

O curador adiantou que a próxima exposição, "A Ferro e Fogo", banhará o Centro Cultural José Octávio Guizzo em amarelo. "A próxima abordará a relação com a natureza, com cenas que mostram a convivência entre humanos e animais, além de temas como ecologia e desmatamento".

Fechando o projeto, a terceira exposição, "Entre o Céu e a Terra", tratará das religiosidades e crenças populares, incluindo cultos neopentecostais, candomblé, umbanda e figuras do folclore brasileiro. "A intenção é reunir obras que mostrem como os artistas eram pertinentes nas discussões que traziam", contou o curador.

Ulisses realizou a curadoria de 72 telas que etsão dispostas para apreciação no Centro Cultural José Octávio Guizzo. Foto: Tero QueirozUlisses realizou a curadoria de 72 telas que estão dispostas para apreciação no Centro Cultural José Octávio Guizzo. Foto: Tero Queiroz

Sobre as regiões do Brasil representadas, o curador mencionou que o objetivo é incluir obras de todo o país para valorizar a diversidade. "Como curador, meu interesse é que o museu seja um espaço acessível, de construção de conhecimento e não apenas de diferenciação", ponderou.

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Obras sul-mato-grossenses podem estar entre as expostas, mas a identificação é dificultada pelo fato de que muitos artistas assinavam apenas com o primeiro nome. "O museu foi formado nas décadas de 50, 60 e 70 e, infelizmente, muitos registros biográficos estão incompletos. No entanto, o acervo abrange mais de 120 países e 7 mil obras, com condições de conservação nem sempre ideais, refletindo algumas das contradições que enfrentamos", completou.

EDUCAÇÃO E CONEXÃO TERRITORIAL

Comandará espaço educacional ao longo das esposições do projeto Arte nas Estações. Foto: Tero Queiroz Janaína Melo comandará espaço educacional ao longo das exposições do projeto Arte nas Estações. Foto: Tero Queiroz 

O projeto Arte nas Estações é apresentado como um projeto de arte, cultura e também de educação, com um programa educativo robusto que já impactou mais de 30 mil pessoas na primeira edição, incluindo mais de 3 mil crianças.

Em Campo Grande, foi selecionada uma equipe local para ajudar a conectar o repertório local com as obras exibidas. O Programa Educativo do projeto é coordenado por Janaína Melo e Jana Janeiro.

Em entrevista, Janaína destacou que o interesse educativo em uma exposição, na relação com a arte, é entender como o espaço expositivo pode ativar os interesses, desejos e vontades dos visitantes. "Não se trata apenas da relação com o que está sendo visto, mas também do desejo de criar, imaginar e fabular. A performatividade dos públicos me interessa muito. Quando olho para uma exposição, mais do que focar nas obras ou na narrativa curatorial, quero perceber como os visitantes podem, ao interagir com as obras, tecer seus próprios comentários e criar a partir deles", declarou.

Com esse entendimento, Janaína vê a exposição como um espaço de agência, oportunidade e conhecimento, interagindo com a produção artística, cultural e os saberes tradicionais. "Por exemplo, em Minas, trouxemos uma mestra do Congado, uma tradição forte no estado, para ministrar uma oficina para professores sobre o sagrado das plantas. Esses saberes, apresentados pelos artistas, são do cotidiano, ligados às relações e ao que nos afeta diariamente. Inventamos constantemente — receitas de bolo, formas de organizar a casa, músicas, tradições e experiências. Por que não trazer isso para um programa educativo?", provocou.

Janaina e Fábio no espaço educacional da exposição. Foto: Tero Queiroz Janaína e Fábio no ateliê educacional do projeto Arte nas Estações, em Campo Grande (MS). Foto: Tero Queiroz 

Em Campo Grande, Janaína acredita que o projeto vai florescer ainda mais. "Se as experiências em Minas foram surpreendentes pela forma como o público se relacionou com as obras, tenho certeza de que faremos muitas coisas extraordinárias aqui, com base no que já conheço de outras situações e no feedback da equipe educativa local, incluindo Marcos Pérez, nosso coordenador".

Será por meio de oficinas semanais e aos sábados que a população local terá a oportunidade de criar telas e realizar colagens em um ateliê do projeto instalado no térreo do Centro Cultural. "Todas as semanas, aos sábados, teremos uma série de oficinas no espaço educativo que montamos. Inicialmente, essas oficinas serão sobre pintura, desenho e colagens. Mas, à medida que os educadores se acomodarem e o público se engajar, outras oficinas poderão surgir, como dança e performatividade, baseadas nas práticas tradicionais da cidade. O espaço estará aberto aos sábados, tanto pela manhã quanto pela tarde, e a programação estará disponível no site do projeto", informou.

Além disso, a equipe educativa realizará visitas guiadas, que poderão ser agendadas com públicos específicos. "Durante a semana, de terça a sexta-feira, também será possível agendar visitas educativas, tanto para o público escolar quanto não escolar. Além disso, programaremos uma série de experiências e ativações culturais com artistas e produtores locais", concluiu.

QUEM FINANCIA A AÇÃO CULTURAL

O Ministério da Cultura, Governo Federal União e Reconstrução financia o projeto Arte nas Estações por meio da Lei Federal de Incentivo à Cultura, que reverte impostos da Master da Energisa, Copa Energia, BMA Advogados e Banco BV para a realização do projeto.

Em MS, apoiam o projeto a Fundação de Cultura do Mato Grosso do Sul, Secretaria de Estado de Turismo, Esporte e Cultura do Mato Grosso do Sul e Governo do Mato Grosso do Sul.

Também oferece apoio cultural o Instituto Energisa; apoio do programa educativo pelo Fundo de Filantropia da Família Hees; e a correalização do programa educativo pelo Instituto 3C, com concepção da A Ponte e realização da Ikigai Produções.

FICHA TÉCNICA

A exposição "Sofrência" é resultado de um esforço colaborativo e meticuloso, que une diversos profissionais de arte.

A ficha técnica detalha que a direção executiva e idealização são de Fabio Szwarcwald e A.ponte, enquanto a realização é conduzida pela RKF Consultoria, sob a liderança de Patricia Moreno e Priscila Moreno. A coordenação do projeto é responsabilidade da Ikigai Produções, com Ana Carolina Iglesias à frente.

A curadoria é de Ulisses Carrilho. A produção geral está a cargo da Faceta Produções, com Izabel Campello liderando e Rodrigo Andrade como assistente. A produção local é supervisionada por Irene do Carmo, com Renan Merces auxiliando.

O programa educativo é coordenado por Janaína Melo e Jana Janeiro.

A identidade visual e o projeto gráfico são criados por Rita Sepulveda e Pedro Brucz, enquanto a arquitetura do espaço é projetada pelo Estúdio GRU, com Jeanine Menezes e Lia Untem.

A iluminação e o audiovisual estão sob a responsabilidade da Zoom Produções, composta por William Gomes, Marcelo Gonçalves de Oliveira e José Glaucio. A museologia é gerida pelo Estúdio Engenho, com a equipe formada por Euripedes Junior, Gardênia Sara Leão e Natália Hoshino Morita.

A montagem da exposição é realizada pela RBS Instalações e Montagens, com Ronaldo Braz da Silva e Bruno Mendes dos Santos no comando. A fotografia das obras é capturada por Jaime Acioli, Rogério von Krüger e Cesar Tropia, enquanto a cenografia é desenvolvida pela Fala Cenários.

A sinalização é elaborada pela ArtWork Digital e o transporte é coordenado pela Alves Tegan. O seguro do projeto é assegurado pela Affinitte. A acessibilidade é garantida por meio de audioguia, audiodescrição e LIBRAS, fornecidos pela Inclusive Acessibilidade.

A experiência no metaverso é da equipe do Museu.XYZ, com Marlus Araújo e Randy Soutuyo Pozo. O desenvolvimento do site é conduzido por Mário Neto. A comunicação é gerida por Domi Valansi e OZ Comunicação, e a assessoria de imprensa é realizada por Monica Villela. A assessoria de imprensa em MS é da Reconta Conteúdo.  

Um agradecimento especial é direcionado ao Museu Internacional de Arte Naïf do Brasil, Jacqueline Finkelstein, Amparo 60, Casa Triângulo e Galeria Nara Roesler.