Filme que denuncia pai abusador lota o cinema na estreia em MS
'Se uma criança que assistir denunciar, já ganhei o Oscar', diz o diretor
26 JUN 2024 • POR TERO QUEIROZ • 16h00A première do filme ‘Quando Ele Chega’ foi realizada às 19h30 da 3ª.feira (25.jun.24), no Cinema UCI, no Shopping Bosque dos Ipês, em Campo Grande (MS).
Roteirizado e dirigido pelo cineasta sul-mato-grossense Roberto Leite, o curta-metragem é um drama sobre os abusos sexuais sofridos pela adolescente Bella. O autor dos crimes é o próprio pai da garota.
Após a exibição da obra cinematográfica na sala lotada do UCI o diretor resumiu seu objetivo com o trabalho:"Se uma criança que assistir denunciar, já ganhei o Oscar".
O roteiro acompanha como os abusos do pai alcoólatra afetam Bella, suas amizades, sua família e seu desempenho escolar, retratando uma jornada de dor, resiliência e busca por justiça.
DELICADO, DOLORIDO E DESAFIADOR
Segundo o cineasta, Bella é o nome fictício utilizado para se referir a uma amiga da juventude de Roberto que sofreu abusos. Um dos temores do autor era de que o filme pudesse causar dores novamente na amiga, mas isso não ocorreu. “Ela assistiu e aprovou o filme, então estou aliviado”, descontraiu o diretor.
Assim como no discurso para o público, ao fim da sessão, Roberto Leite voltou a se emocionar ao mencionar os desafios de transformar em filme a história real pela qual foi diretamente afetado. “Foi um desafio primeiro de querer contar essa história, porque eu não queria contar essa história, tem muitos gatilhos, machucava, é sobre o que vivi! Então, durante o processo eu fiquei com muito receio, porque temia não conseguir completar”, introduziu o diretor.
Protagonista... Eloa Marques, de 12 anos, comentou sua estreia na tela grande dando vida a Bella. “Eu fui convidada pelo Roberto, no começo sempre dá um susto para a gente, mas pretendo seguir carreira, porque já passei pelo canto, sou modelo, mas acho que vou seguir no cinema”, cravou a atriz mirim que carrega o título de Miss Brasil Juvenil de 2023.
Para desenvolver o papel, Eloa disse que foi preciso ter coragem e saber separar ‘as dores’. “É algo profundo, porque tem que entrar no personagem e sentir tudo que ela passou, aquele trauma que ninguém merece passar, mas graças a Deus eu consegui separar e deu tudo certo, o filme está aí, estou feliz”, acrescentou a protagonista.
Outro estreante na 7ª arte... Silas Lopes, de 14 anos, deu vida ao amigo mais fiel de Bella, e resumiu os sentimentos ao fim da sessão: “Foi muito emocionante, nunca imaginei me ver ali naquela telona, é inesquecível, um sentimento completamente novo, diferente”.
Questionado sobre os desafios de dar vida ao amigo de uma criança abusada, Silas pontuou: “Foi difícil, porque é um assunto pesado demais e ainda o personagem que eu fiz fazia bullying com a Bella, ela sofrendo ali e o cara com a maldade, depois fiquei sentindo isso, imaginando a dor dela e sentindo a dor dele”, disse o ator mirim.
Não foi explicitado em nenhum momento, mas pelo contexto geral, o personagem desenvolvido por Silas Lopes representa o diretor quando adolescente.
Antagonista na trama... Pablo de Lima, que dá vida ao ‘pai abusador’, revelou que para construir o personagem utilizou técnicas difundidas pela professora de atores norte-americana Ivana Chubbuck. “Ela trabalha com substituição. É um tema muito sensível, é uma história e personagem complicado de se vivenciar, por não ter isso de abusador dentro de você, não tenho esse contexto do abusador, então pautei ele na substituição, quando você usa de outras memórias e momentos da sua vida para jogar dentro daquele contexto”.
Pablo apontou que diante da relevância do tema do filme, houve ainda mais entrega na sua performance. “Eu abracei esse filme, mergulhei de cabeça e emergi nele, porque acho extremamente relevante tudo ali, a mensagem é necessária! Eu acredito no propósito do filme, é muito forte, eu acredito que todo mundo conhece alguém que já passou por isso. Aquilo que o Roberto falou lá dentro é muito forte: se uma criança tomar coragem e expor a situação que porventura ela esteja vivenciando, esse filme já cumpriu a missão, valeu todo o investimento”, declarou.
Mãe da Bella... Rafaela Oliveira disse que ficou interessada pela história em razão da importância do debate na sociedade. Assim como os colegas de cena, Rafaela destacou o desafio de adentrar o tema e as dores contidas na trama. “Foi difícil e ainda não passou porque essa é uma personagem que traz históricos muito fortes, que a gente conhece. Eu me coloquei nesse lugar de mãe, que por muitas vezes nem sabe o que fazer e que todo mundo pode atacar pedras por uma não ação, pela não denúncia, mas a gente precisa se colocar também no lugar desse coração dessa mãe que foi massacrado e que ela não sabe lidar, ninguém ensina como lidar com esses problemas, isso não é ensinado”, argumentou.
A atriz externou sua emoção ao defender a personagem, que na sua opinião, muitas vezes trava uma luta solitária contra abusadores e os sentimentos que assolam quem se vê em situações como a vivida pela família de Bella. “Quando se tem esse coração quebrado, essa fragilidade dessa mãe que sofre pelos filhos e que não sabe o que fazer e fica perdida, por que é difícil cuidar dos seus filhos e quem cuida dessa mãe? Então, é muito forte, muito potente e eu me compadeci dessa mãe e depois ela agarra seus filhos e tenta romper esse ciclo. Imagino que como no filme, são cicatrizes que abrem e fecham para sempre”.
Além dos entrevistados acima, integram o elenco do filme também Rita Rocha, Ana Protafio, Leonardo Mendes, Benício de Lima, Lucilene Fernandes, Pedro Legal, Andréa Freire, Alícia Souza, Bianca França e Gabriela Mencia.
CORAGEM À MOBILIZAÇÃO
Presente na plateia, Viviane Vaz, psicanalista e coordenadora do Projeto Nova, uma Organização Não-Governamental que atua no combate ao abuso e exploração sexual, exaltou a coragem do cineasta. “Esse tema é muito dolorido, não sei se mexeu com você, talvez tenha mexido mesmo que você não tenha passado por isso, mexe com a gente. É muito dolorido, porque vem a nossa memória questões, né? Quem já teve algum tipo algum tipo de situação parecido, um amigo como a história do Roberto, de se sensibilizar com a história. Eu acho que o ato de se mobilizar e colocar um megafone na voz dessa menina, é isso que nós precisamos fazer. É isso que nós enquanto sociedade precisamos fazer”.
Para a especialista, responsáveis dos diversos círculos sociais de uma criança devem estar atentos aos sinais e se confirmar qualquer situação, deve agir o mais rápido possível. “É perceber uma menina, ou um menino, porque meninos também sofrem, é perceber os sinais e não se calar, mas pegar na mão e ter a coragem de fazer algo em favor dessas pessoas, jamais silenciar e ficar esperando que o tempo passe, a gente precisa se mobilizar antes, que as consequências sejam maiores... Quanto mais cedo a gente chega numa situação, quanto mais cedo a gente ensina uma criança pequena que ninguém pode tocar, nem mesmo o pai ou uma mãe – porque a gente recebe histórias de mães também, não são só homens que estão nesse quadro de abusos, precisa também falar sobre isso – mas quanto mais a gente ensinar crianças, quanto mais a gente enquanto sociedade perceber os sinais de uma criança que está sofrendo abuso, mais a gente vai se mobilizar de fato pelas crianças. Então, o que estamos fazendo aqui, vamos para as escolas, vamos levar a mensagem, mas você também pode fazer”, convocou.
Vaz ainda reforçou que as pessoas que estiverem vivenciando qualquer situação semelhante podem buscar pontos de apoio como o Projeto Inova ou outras instituições. “Procure ajuda! A gente tem muitas ferramentas, mas a talvez melhor de todas é a fala. O ato da fala é muito importante, você vê o tanto de sofrimento que a Bela passou, mas no momento que ela conseguiu verbalizar, o bilhete que ela traz, é isso que faz a diferença... Então, que nós possamos nos mobilizar para isso”, concluiu.
O CINEMA LOCAL SE FORTALECE
Diante dos diversos obstáculos, Roberto Leite celebrou a conquista de entrega do filme que coube dentro de 15 minutos. “Quando eu fui para o set, tínhamos um tempo muito apertado, então tive que resumir muito a história dentro de poucas cenas. Então, o filme foi uma realização porque consegui ver e sentir tudo aquilo que eu estava imaginando. Fiz esse roteiro em 14 dias, é a primeira vez que isso acontece comigo e tivemos um time menor para as gravações, um final de semana com o rescaldo de mais um dia”, contou.
A reportagem quis saber do diretor o que fez oscilar a performance do elenco do curta-metragem, tendo um início pouco preciso em relação a história, que, no entanto, acha um espaço de avanço com o desenrolar do filme. “Mudou a entrega dos atores, porque eles compreenderam o quando era complicado falar daquilo e durante o processo e eles foram enxergando que existiam subtextos dentro das cenas, então assim, a preparação do Leandro Marques foi muito crucial, porque eu, ele e a Luciana Bitencourt começamos a enxergar o ambiente todo, e o projeto foi crescendo dentro do próprio set, e como tivemos pouco tempo de ensaio, acredito que mesmo assim eles conseguiram entregar e deu esse equilíbrio. Eu avalio que como filme foi crescendo não é um problema”, defendeu.
Produtora Executiva do filme, Caroline Merlo, contou que um dos principais desafios da produção do filme foi achar parcerias e locações por se tratar de um projeto de pequeno porte. “As pessoas não têm muita consciência da importância do cinema local, então tem o pessoal que fica arredio, no quesito locação por exemplo, encontra a locação e o pessoal queria saber onde o filme iria passar e meio que descredibilizava, porque não entendem a importância dos filmes locais”, comentou.
Apaixonada pela 7ª arte, a produtora estava bastante emocionada com a possibilidade de o filme iniciar a circulação pelo país. “A gente entende que é um processo e é uma grande alegria ver o resultado de tudo fluindo. Acho que a proposta de transformar vidas através do cinema e ver que a gente suou a camisa, mas valeu a pena cada gotinha... Agora é circular, vamos com o filme para o interior e colocar nos festivais”, prospectou.
Tanto Caroline Merlo, quanto Roberto Leite, adiantaram à reportagem que estão trabalhando na captação de recursos um longa-metragem, o próximo projetos deles juntos. “A gente aprovou na Lei do Audiovisual e está bem avançada, estamos captando em São Paulo porque aqui em MS as pessoas ainda não entendem, é um processo de compreensão que nós ainda aqui temos que avançar”, explicou Roberto.
O diretor revelou ainda que o longa-metragem vai contar a história do Guto, um jovem pintor que vem de Corumbá para a Capital tentar a carreira e aqui acaba perdendo a visão. “No filme vamos entender o que ele fará com isso”, completou o cineasta.
Além dos entrevistados, a ficha técnica do filme "Quando Ele Chega" inclui os seguintes profissionais e suas respectivas funções:
- Direção de Fotografia: Kinho Guedes;
- Assistente de Direção e Direção de Produção: Luciana Bitencourt;
- Produção Executiva: Caroline Merlo;
- Direção de Arte: Guilherme Nogueira;
- Preparador de Elenco: Leandro Marques;
- 1º Assistente de Fotografia: Carlos Wagner;
- 2º Assistente de Fotografia: Pedro Carretoni;
- Logger: Gustavo Serejo;
- Maquinista e Gaffer: Jairo Lopes;
- Maquiagem: Maria Paula;
- Figurino: Felipe Oliveira;
- Diretor de Som: Marcelo D'Ávila;
- Fotos Still: Higor Maranho;
- Assistentes de Produção: Alícia Souza e July Dias;
- Assistente de Produção Sênior: Giovana Mencia;
- Storymaker: Kaio Henrique;
- Produção de Objetos de Cena: Caroline Merlo;
- Edição e Color: Kinho Guedes e Cauê Gutierrez;
- Edição e Mixagem de Som: Marcelo D'Ávila;
- Edição de Efeitos: Carlos Wagner;
- Desenhos: Wiliane Leite;
- Tradução: Luã Armando; e,
- Trilha Sonora: Alexander Cavalheri e Otávio Neto.