Precursor do Breaking na Capital de MS, Snake celebra 35 anos na ativa
Resiliente, crew abre turmas em academia no Parati
20 JUN 2024 • POR TERO QUEIROZ • 18h18Teve início às 15h do dia 15 de junho de 2024, na Rua da Divisão, nº 998, no Bairro Parati, em Campo Grande (MS), um evento em celebração aos 35 anos de existência e resiliência da crew Perfect Break.
A reportagem do TeatrineTV foi convidada para comparecer ao local por Edenilson Gimenez de Souza, o b' boy Snake, de 55 anos, um dos integrantes do Perfect Break e realizador da confraternização. “Meu grupo de Hip Hop chamado Perfect Break começou em 1989 e tudo que a gente queria era que as pessoas dançassem break. Em agosto deste ano nosso sonho vai se concretizar, porque além de arte o break será esporte”, introduziu Snake.
O b’boy contou que iniciou suas atividades na cultura Hip Hop pouco antes de passar a integrar a crew, então, acabou sendo considerado por muitos um dos precursores do Breaking na capital de MS. “Eu estou no Hip Hop desde o início dos anos 80. Eu sou a primeira leva de b’boys que surgiu no Brasil. O Break surgiu no Brasil como uma moda, por isso, antes de mim tiveram pessoas representando o Break no país, mas era num outro contexto de moda do Hip Hop”, contextualizou.
Além de Snake, integravam a Perfect Break no final da década de 80 outros oito b' boys: Spider (Wilson Rodolfo Ferreira), Koró (Carlos), D.D (Claudinei), Geleia (Moisés), DJ Magão (Claudiney), Barril (João), Dj Billy (Willian Regis) e Bolinho. "Quem está na ativa sou eu, o Bolinho e o DJ Magão, aí o restante eles curtem, ouvem Rap, mas eles não estão na ativa que nem a gente fala, mas ele são old school", explicou.
A programação da confraternização contou com Batalhas de Breaking 1 vs 1, a presença do DJ Shabba nos toca-discos, performances de MC's (Freestyle), grafites por Gaara One e participação de B-Boys e B-Girls da Old School e da Nova Escola. Mesmo com a ampla programação com entrada gratuita à comunidade em geral, a ação não teve qualquer apoio do poder público. “Eu estou fazendo esse evento na raça, não tenho apoio nem do governo e nem da prefeitura, cheguei a buscar apoio, mas eles só ficavam naquela ideia de agenda e não deram muita ideia... Eu como um dos precursores do Hip Hop aqui em Campo Grande estou fazendo esse evento na raça e contando com as pessoas que posso contar, comemorando o trigésimo quinto ano de ação pelo break”, pontuou Snake.
A festa ocorreu numa grande área coberta, onde funciona a academia Divisão Fitness, de propriedade do professor de Educação Física, Henrique, de 46 anos. O empresário foi sucinto sobre o que o motivou a abrir as portas para o evento. “O Breaking é forte, estamos de portas abertas com o objetivo de oferecer esporte, arte, e mostrar alternativa aos jovens, trazê-los da rua para nosso espaço, para mostrar que há coisas boas nesse mundo, principalmente no contexto de periferia. Nosso intuito aqui é oferecer alternativa acessível e o Breaking com o Snake são os nossos aliados”.
De acordo com Snake, ele conduzirá todas as quartas-feiras turmas para ensinar Breaking na academia. “Vai ter aula de Breaking aqui sempre à partir das 19h. Estaremos ensinando a arte que vai para a Olimpíada, que além de cultura agora é esporte. O Breaking é para tudo, para autoestima, esporte e pela arte de batalhar. Então, quem quiser colar, será muito bem recebido”, disse o b’boy lembrando que o Breaking estará nas Olimpíadas de Paris 2024 em agosto deste ano.
Na festa de celebração da crew, o vencedor da batalha 1 vs 1 foi Ednelson Alysson, conhecido como B’boy Didi, de 31 anos. Para ele, eventos como o promovido por Snake fortalecem verdadeiramente a periferia. “O nosso cotidiano de rua tem pouco evento nessa cidade, então esses eventos aqui alimentam a gente, porque temos fome de cultura, de arte, de batalha. Então, isso é um bagulho que desperta a gente, criatividade, reflexão... Precisamos de mais disso”, comentou.
À luz da hibridez da arte, Didi avaliou que Breaking pode capturar até mesmo aqueles que já dançam outros estilos. “Comecei dançando catira, chamamé, bailão, depois conheci a lambada, flashback, aí me deparei no caminho com Break, e aqui foi onde me encontrei, é onde o bagulho é mais louco, senti que aqui o bagulho me chama e me incentiva à criatividade, ao desafio”, definiu.
Uma das atrações, Fael MC, apostou no poder de eventos de menor porte como motriz do surgimento de artistas. “A verdade: a arte tem o poder muito além do que a gente imagina! Eventos de pequeno porte têm o poder de alcançar pessoas que estão começando a caminhada na rima, na dança, na arte em geral. Aqui a pessoa vai se descobrindo, se preparando para chegar em apresentações maiores, em mais oportunidades na arte. Aqui a pessoa vai perdendo a vergonha, então, isso aqui tem um espaço direto na quebrada, um impacto positivo”.
O MC ainda comentou sobre sua proximidade com o integrante da crew Perfect Break. “O Snake, a gente tem uma convivência muito longa, conheço ele bastante, respeito a caminhada dele, ele morou com meus tios lá na Moreninha, então é como se fosse da família. Ele fez o convite e a gente colou, porque tem o tempo dele de caminhada e relevância dele no Hip Hop de Campo Grande”.
O presidente da Federação de Breaking de Mato Grosso do Sul, Sulla Maecawa, celebrou o momento ao lado de Snake, do qual ele se considera discípulo. “Não importa a quantidade, mas sim a qualidade. O que o Snake fez hoje foi uma grande festa, muito importante para a gente. Eu tinha uma viagem marcada e desmarquei para estar aqui com ele, porque cada passo que ele deu, deu muito fruto. Eu sou fruto disso e vários outros B’boys e pessoas são ligadas por ele”, apontou.
Sulla lamentou a falta de apoio do poder público a ações e do reconhecimento da importância de personalidades como Snake para a propulsão da cultura. “Eu não falo só do evento Snake que está fazendo 35 anos aí nessa correria, nessa jornada, derrubou muitos muros, quebrou muitas barreiras para chegar até aqui, superando muitas dificuldades. Não só o Snake, mas também a Federação de Breaking tem tido muita dificuldade de chegar no poder público e ganhar esse espaço... Acredito que talvez haja falta de interesse deles em entender a importância do Breaking para a sociedade, para os bairros periféricos, para as pessoas que querem conhecer o legado do Hip Hop, do Breaking que agora se tornou esporte olímpico”, opinou.
Ainda segundo Sulla, apesar do Breaking estar ganhando apoio em todo o mundo, em MS é tímido o movimento pela promoção da arte agora considerada também esporte. “Vou ser bem direto no que vou falar agora: essa semana fiquei bem chateado em ver que vários esportes estão sendo levados para as escolas, mas o Breaking não está sendo inserido, por quê? Agora o Breaking é arte-esporte, mas estamos sendo excluídos, assim como excluem o skate em alguns casos”, protestou.
O presidente da Federação reforçou ainda que pessoas e ações como a de Snake promovem a arte, educação, esporte e com isso salvam vidas. “O poder público tem que perceber que o pessoal do Hip Hop é composto por artistas de valor... Cada movimento desse na periferia retira pessoas do crime, da marginalidade, das drogas, diversas pessoas se regeneram através dessa cultura. Então, o poder público precisa perceber a importância desse esporte que é o Breaking, que nunca vai deixar de ser cultura, arte, porque é parte dos quatro elementos. O poder público precisa adotar uma visão ampla de que o esporte não é só os mesmos de sempre, tem novos esportes querendo espaço e as grandes empresas estão abraçando a ideia, porque isso é algo que não é só da periferia, todo tipo de pessoa pode fazer o Breaking”, completou.
Discípulo direto de Snake, o hoje professor Thiago Ribeiro de Oliveira, conhecido como b’boy Thig, explicou o impacto da chegada do Breaking em sua vida. “Sou discípulo direto dele, iniciei em 2003 e mudou tudo, me deu perspectivas, horizontes. A partir dos conhecimentos que adquiri com ele, formei muitos outros b’boys, então vários b’boys que estão hoje na atividade são discípulos diretos do Snake ou de pessoas que ele ensinou aqui em Campo Grande”, disse.
Na sala de aula, Thig contou que o Breaking é uma das ferramentas utilizadas por ele com os alunos. “Sou professor coordenador de Práticas Inovadoras, então a gente acaba levando o Breaking e outros elementos da cultura Hip Hop para os alunos. Usamos a cultura como metodologia de ensino”.
O professor b’boy concluiu defendendo o fortalecimento da transmissão de conhecimento para a continuidade dos efeitos positivos do Breaking na vida das pessoas. “O Breaking está ficando um pouco esquecido em relação às batalhas de MC, por exemplo. Isso inverteu porque na época que eu comecei as batalhas eram menores, mas inverteu agora, porque os MC’s estão criando discípulos, e o Breaking não tem estímulo à essa criação de discípulo. Na minha opinião, precisamos de estímulo nisso, na transferência desse conhecimento para o fortalecimento do Breaking aqui”.
Snake finalizou avaliando que sua persistência pela cultura é por acreditar, mas pediu apoio para ampliar o alcance. “O Hip Hop está aqui desde o início dos anos 80. A gente não cansa porque a gente ama a cultura. A gente fica chateado que o pessoal daqui, empresários, veem um movimento desse que tem apoio no mundo inteiro, mas nós aqui não temos apoio. Mas nós vamos seguir, porque o Hip Hop, em especial o break, é o que nos motiva. Queremos que mais pessoas sintam no sangue”.
Veja a cobertura fotográfica completa na festa na GALERIA DO TEATRINETV.