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CHE MACHU MANDU´ÁKUEMI

MC Anarandà lança videoclipe sobre resistência feminina à devastação ambiental

Única mulher rapper indígena de MS, Anarandà revela que enfrenta engrenagens sociais opressivas fora e dentro das aldeias

21 MAI 2024 • POR TERO QUEIROZ • 10h47
Imagem principal
Área de reocupação, casa de reza e mulheres indígenas são protagonistas no novo videoclipe da MC Anarandà. Foto: Reprodução

A rapper indígena da etnia Guarani Kaiowá, MC Anarandà, de Dourados (MS), lança em 25 de maio o videoclipe da música "Che machu mandu´ákuemi". 

O trabalho foi realizado com R$ 12 mil oriundos do Governo Federal, por meio da Lei Paulo Gustavo do Ministério da Cultura, gerenciado pela Secretaria Municipal de Cultura de Dourados. 

Segundo apurado pelo TeatrineTV, as imagens reforçam a mensagem poderosa da letra de sobre preservação e ancestralidade.

As filmagens ocorreram na área de retomada Yvu Verá, ao lado da Aldeia Jaguapiru, utilizando como cenário uma casa de reza Guarani.

O repórter assistiu uma prévia do videoclipe e notou um discurso visual composto quase que integralmente por mulheres rezadeiras na área ocupada, com uma casa de reza como personagem intrínseco. "Anteriormente estive com Luan que é indígena em outras três casas de reza na aldeia, mas esteticamente a que atendia era da Claudiene, que eu tinha conhecido em Brasília na Marcha das Mulheres Indígenas ano passado, então a minha relação com ela foi linda nesse processo!", revelou a diretora do videoclipe Marineti Pinheiro.

A cineasta Marinete Pinheiro segura uma câmera sobre o ombro direito durante filmagens do videoclipe. MC Anarandà interage com a câmera interpretando a música  'Che machu mandu´ákuemi'. Foto: Luan IturveA cineasta Marinete Pinheiro segura uma câmera sobre o ombro direito durante filmagens do videoclipe. MC Anarandà interage com a câmera interpretando a música  'Che machu mandu´ákuemi'. Foto: Luan Iturv

O território escolhido para as filmagens é palco de constantes conflitos entre os indígenas e posseiros que ocuparam o tekoha (pronunciado /tequô'á/), que significa terra pertencente ao povo Guarani. Além da tensão por estarem cercados, a cineasta apontou que um dos desafios da equipe de filmagem foi garantir a participação das mulheres sem que homens interferissem: "Não conseguimos fazer no tempo previsto, mas a questão foi que queríamos só mulheres e havíamos alguns homens que começaram falar em Guarani e não sabemos até hoje o que disseram, porque nem tudo é traduzido para nós", lembrou.  

VIDEOCLIPE

O videoclipe conta com a participação de rezadeiras tradicionais e jovens indígenas, amplificando a voz e a cultura desse povo.

Na tradução para o Português o nome da música é "As lembranças da minha avó".

Na letra a MC narra as memórias de uma anciã sobre as florestas antigas, antes da devastação causada pelo homem. Cantada em Guarani e Português, a música também apresenta a emocionante participação do filho da rapper, Fradraki Samuel, de apenas seis anos.

O filho de Anarandà. Foto: Reprodução

QUEM É A MC ANARANDÀ

MC Anarandà. Foto: Reprodução MC Anarandà. Foto:  Eduardo Medeiros 

Ana Lúcia Rossate, a MC Anarandà, nasceu na aldeia Guapoy Pandui em Amambaí e atualmente mora em Dourados. Na cidade é reconhecida como uma figura multifacetada, atuando como cantora, professora de Guarani, digital influencer e porta-voz de sua cultura e origens.

Por meio da arte, Anarandà tem levado mensagens importantes das mulheres Guarani Kaiowá para todo o Brasil, tendo já dividido palco com nomes como Nando Reis e Maria Gadú, além de personalidades políticas como a Ministra dos Povos Indígenas Sônia Guajajara e a Deputada Federal Célia Xakriabá.

Seus shows, tanto dentro quanto fora do estado, ecoam sua mensagem, trazendo à luz as lutas das mulheres que muitas vezes silenciam seu sofrimento por medo ou falta de conhecimento.

Ela revelou acreditar firmemente no poder da ferramenta artística, como canal de comunicação e transformação de realidades dos povos tradicionais de MS. “A música é uma ferramenta muito poderosa para conscientizar o público sobre a questão importante como o desmatamento e a valorização dos povos tradicionais aqui de Mato Grosso do Sul. E uma forma de pedir socorro, principalmente vindo das anciãs, que são as rezadoras, mulheres que são as principais vítimas de muitas violências todas que acontecem no território sul-mato-grossense relacionadas ao desmatamento. Refletirá sobre a importância de preservar a biodiversidade”, disse.  

Anaradà adiantou o que o público pode esperar desse trabalho. "Terá uma melodia para quem está escutando, comovente, e terá visuais marcantes que podem levar para as pessoas que estão assistindo uma forma de educação ao público e despertar a emoção sobre os povos tradicionais daqui, e inspirar os jovens a seguir a mesma luta contra o desmatamento", comentou.  

Ainda segundo a artista, ela espera que sua arte reverta frutos ao povo Guarani Kaiowá e ao meio ambiente. "Apoiar mais os povos tradicionais na parte de organizações ambientais, se voluntariando a doarem mudas frutíferas para o território, e lutar com a gente, junto e ver o sofrimento de perto, como mata faz falta, porque é farmácia dos povos tradicionais", explicou.  

"Meu objetivo é mostrar meu compromisso com a música, com o meio ambiente e com a justiça social, além usar o meu talento para fazer a diferença no mundo, né? E isso é importantíssimo para quem está no mundo musical, principalmente para nós indígenas, falar da gente, falar da floresta, falar dos nossos ancestrais e falar principalmente das mulheres, a voz das mulheres indígenas. Com certeza isso vai trazer muito debate nas escolas, em vários lugares, sobre o tema que impacta muito e vai ser uma forma de conscientizar, inspirar as pessoas por muitos anos", prospectou Anarandà.  

COLABORAÇÕES 

Na produção há muitas imagens aéreas destacando vegetações exuberantes e em determinados momentos apresenta-se áreas devastadas, aviões agrícolas despejando produtos químicos no solo, ao mesmo tempo, se vê a MC Anarandà protestando contra a devastação ao lado de parentes. "Anarandà é uma potência de manifesto e carrega um monte de meninas, mulheres, Nhandesy com ela, daí muita responsabilidade nesse processo. Eu tenho o audiovisual, por formação, como uma missão de ecoar questões necessárias mas de forma bonita, então a Anarandà foi para mim um grande presente que o universo me trouxe. Temos uma conexão acredito espiritual!", definiu Pinheiro. 

De acordo com a diretora, o videoclipe é composto também por imagens cedidas por parceiros do audiovisual sul-mato-grossense. "Nesse processo foi lindo contar com parcerias de pessoas do audiovisual e da pesquisa que cederam por exemplo imagens de macacos e peixes daqui, e para mim é lindo fazer algo e trazer outras pessoas para somarem! Agradeço muitíssimo as pessoas que têm colaborado com meu trabalho e em especial com que tenho feito com Anarandà", celebrou a diretora. "Nesse processo também agradecer muitíssimo ao Vinil Moraes que sempre foi parceiro e ponta firme desde o primeiro contato, com muita sensibilidade em trabalhar com artistas talentosa que precisava ser lapidada e ele vem fazendo isso comigo há cerca de dois anos", acrescentou.  

Já Anarandà, citou como desafio nesse trabalho, encontrar a equipe certa para filmar: "Um desafio foi encontrar uma equipe certa, que tenha paciência, que tenha uma dedicação total para acompanhar essa gravação sem se estressar. Porque, povos tradicionais e totalmente diferentes do povo não indígena quando vai gravar, porque tem muita curiosidade, pergunta, faz bastante questionamento sobre a música, sobre os instrumentos que estão sendo usados como equipamento de filmagem, exemplo: drone. É uma das coisas que as crianças não vê direto, então é uma curiosidade: a, como que isso voa, sabe? Até você parar e escutar as horas vão voando”, narrou. Então, Anarandà agradeceu a parceria com Marinete e a ficha técnica completa (abaixo) que realizou o videoclipe. "A gente formou uma equipe tão forte e maravilhosa que filmou para mim, que tiveram muita paciência".  

Luan Iturv mostra como funciona o drone a uma criança indígena. Foto: Marinete PinheiroLuan Iturv mostra como funciona o drone a uma criança indígena. Foto: Marinete Pinheiro

Para Marinete, o lugar de onde Anarandà ela veio e a história de vida dela é de muita resistência, superação e sem vitimismo. "Ela encontrou na música seu lugar de fala, trouxe a ancestralidade e a conexão com esse mundo dos karai (não indígena) falando do lugar dela. O que essas mulheres Guarani Kaiowá vivem é um mundo difícil de imaginar é preciso ver, sentir!", completou.  

MACHISMO COMPLEXO 

Bastidores do novo clipe da MC Anarandà. Foto: Marinete Pinheiro Bastidores do novo clipe da MC Anarandà. Foto: Marinete Pinheiro 

A MC abordou a problemática citada pela diretora do machismo enfrentado durante as gravações do videoclipe. Anarandà pontuou que o problema varia a depender do povo indígena. "A gente sabe sim que o machismo existe em aldeias indígenas, mas de forma complexa, né? Com variações em diferentes povos. E aqui no estado de Mato Grosso do Sul também, com certeza tem bastante homens machistas indígenas. Assim, é importante lembrar que a estrutura indígena são diversas que possuem suas cosmovisões, estruturas sociais e organizações de gênero. Principais que levam esses homens indígenas a serem machistas é influência da colonização, visão distorcida da visão de trabalho, também falta representatividade feminina principalmente no Rap, eu sou a primeira aqui do estado. E não é fácil, sabe?”, observou. 

A artista mencionou, como o machismo afetas mulheres e consequentemente sua carreira. "Um dos exemplos que ele se manifesta dentro do território é limitação da participação feminina na vida pública, ou seja, eu tô sendo uma cantora, compositora, figura pública e com certeza já falaram para mim porque eu escolhi essa carreira e tudo mais..., mas eu não ouvi muito a opinião deles". 

Ainda conforme a MC, atualmente há organizações internas das mulheres indígenas que atuam no combate ao machismo complexo. "Eles também tem muito controle o corpo, sexualidade das mulheres no território, violência doméstica sexual, é uma discriminação no acesso de educação e saúde, que tem também. E apesar de todos esses desafios, as mulheres indígenas lutam contra o machismo de diversas maneiras, organizando-se em grupo de mulheres, e esse grupo de mulheres é o que tem me apoiado bastante durante minha carreira aqui no estado, principalmente a Kuñangue Aty Guasu, que é Assembleia das Mulheres que sempre me apoiou desde o início da minha carreira. Onde tem as rezadoras anciãs que se reúnem para discutir a problemática que acontece no território e defender nossos direitos, resgatar nossas culturas, tradições e ocupar o espaço que é nosso. Então, lutar contra o machismo na aldeia é um processo que está em andamento e ainda há muito a ser feito", concluiu.  

LANÇAMENTO

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

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O videoclipe será lançado numa sessão especial às 19 do sábado (25.mai), no Espaço Cultural Casulo, em Dourados. 

Além da exibição do videoclipe, o evento contará com um show da cantora, acompanhada da multi-instrumentista Kezia Miranda e um sarau com outros artistas indígenas.

O endereço do evento é Rua Reinaldo Bianchi, 398, Parque Alvorada. A entrada é franca.

Quem não puder comparecer na cerimônia podera conferir o clipe logo depois na conta do canal do YouTube da artista, neste link: @anarandaguaranikaiowa5560.

FICHA TÉCNICA

Confira abaixo a ficha técnica completa: