Animação de MS é selecionada para festival no Reino Unido
Dirigido, roteirizado e produzido por Ara Martins, curta é atravessado pela mensagem poética de Manoel de Barros
25 ABR 2024 • POR TERO QUEIROZ • 09h51O curta-metragem de animação sul-mato-grossense "A Menina e a Árvore" foi selecionado entre mais de 800 filmes de 47 países para participar do Frome International Climate Film Festival, que acontecerá no dia 19 de maio deste ano no Cheese and Grain, no Reino Unido.
Dirigido, roteirizado e produzido por Ara Martins, o filme é atravessado pela mensagem poética de Manoel de Barros. Com um roteiro escrito por Ara Martins e Déborah Garson Cabral, a animação conta com a direção de animação e animação de Elvis Martins, direção de arte e ilustração de Luís de Paula, e trilha sonora original e design de som de Leandro Sosi.
Em entrevista ao TeatrineTV, Ara contou que em "A Menina e a Árvore", trabalha com a beleza da animação e o significado profundo por trás dos versos de Manoel de Barros, trabalhando com o público sentimentos que afloraram nela ao longo da pandemia de Covid-19. “Esse curta-metragem é fruto de uma angústia muito grande que surgiu em 2021. Naquela época, nós estávamos atravessando os desafios da pandemia de Covid-19. A situação aqui no estado de Mato Grosso do Sul se agravava ainda mais por conta da preocupante situação de extrema seca no Pantanal, o que fazia com que muitos hectares do nosso bioma fossem devorados quase que cotidianamente pelo fogo. A ponto de chegar um dia em que saí para olhar o entardecer da sacada do quarto da minha filha e encontrei uma bola vermelha sem brilho no céu, o que me fez duvidar se eu estava realmente olhando para o sol. Todo esse contexto pandêmico e essa crise ambiental me deram a sensação de estar vivendo em um cenário apocalíptico”, disse Ara.
Então, durante uma conversa com sua amiga de infância, Deborah Cabral, também roteirista do filme e doutora em Literatura, Ara teve a ideia de transformar a dor em esperança, por meio da criação de uma animação de curta-metragem que pudesse falar diretamente com as crianças através dos versos lúdicos e descomplicados de Manoel de Barros. “Saber que esse filme está cumprindo o seu papel de levar essa mensagem de cuidado e amor pela natureza para o público em diferentes partes do globo é uma emoção e uma satisfação enorme”, celebrou.
Segundo a cineasta, Manoel de Barros vivenciou muitas experiências durante a sua infância no Pantanal de Corumbá e, aí, quando ele começou a escrever seus poemas ele transforma essas memórias afetivas e visuais em versos. “Então, Manoel retrata um Pantanal visto a partir dos olhos de uma criança. E assim, ele traz para o seu universo poético essa simplicidade, ingenuidade e fantasia típica da criança. Alguns versos que traduzem bem essa mensagem são esses três que nós escolhemos para encerrar o filme: Dou respeito às coisas desimportantes e aos seres desimportantes. Prezo insetos mais que aviões. Tenho abundância de ser feliz por isso. Acho que a mensagem do filme é sobre isso. Sobre saber respeitar, ser grato e dar valor nas coisas simples que a natureza nos oferece, rebelando-se contra a insistente mensagem do mundo capitalista em que vivemos que nos tenta convencer a todo momento de que a felicidade está em possuir objetos comprados em lojas físicas e virtuais”, considerou Ara.
O processo de criação do curta, segundo Ara, foi muito intuitivo. “Separamos alguns versos do Manoel de Barros que tinham como temática a natureza e o Pantanal, já que esse era o foco do filme. A partir da seleção desses versos, fomos costurando uma narrativa de ficção que culminasse no propósito de passar essa mensagem sobre a importância de cuidar e preservar o meio ambiente ao mesmo tempo em que explorasse o universo poético desse escritor que dialoga com o fantástico e o surreal. Também, achei importante trazer as cores vibrantes do Pantanal e o elemento água para dentro das imagens, já que o espaço natural que iríamos retratar é uma grande planície alagável. Por isso, optamos por aplicar uma textura que remetesse à aquarela”, adiantou.
Para compor a narrativa, o som da viola pantaneira foi essencial. “Na verdade, inicialmente, minha ideia era criar uma trilha executada em viola de cocho que é um instrumento tradicional da nossa região. Mas, tive dificuldade de encontrar compositores que pudessem criar e tocar nesse instrumento. Na verdade, os desafios foram muitos. Seria até difícil elencar todos eles aqui. Fazer uma animação é muito caro, porque demanda muita mão de obra especializada, tempo e tecnologia de software e hardware”, explicou.
Na avaliação da diretora, para se conceber e entregar um filme de animação é preciso profissionais dedicados e muita entrega de cada integrante. “Eu acho que fez toda a diferença ter profissionais excelentes e experientes como o Elvis Martins, que atuou como diretor de animação e animador, o Luís de Paula, um artista fantástico, que fez a direção de arte e as ilustrações, entre outras pessoas fundamentais no processo como a Alessandra Tavares que interpretou a voz da menina, o Leandro Sosi, que fez a sonoplastia e criou a trilha original do filme e também a Déborah Cabral, que fez o roteiro comigo, além de vários outros profissionais que também participaram do projeto. Cada um contribuiu com o seu olhar e o seu know how para que o projeto acontecesse”, definiu. Além dos citados, também integram a ficha técnica Maria Garcez, assistente de roteiro e Lucas Arruda e Aline Lira, que fazem a assessoria de comunicação.
A seleção do filme para o festival internacional é vista pela diretora como janela para vazão de temas importantes para a proteção do Pantanal. “Como eu acredito na força motora de uma obra audiovisual enquanto agente transformador de consciências, esses festivais são importantes na medida em que dão voz e visibilidade para essas temáticas”, declarou.
Ara Martins conseguiu viabilizar o curta após ser contemplada com R$ 100 mil no Fundo Municipal de Investimentos Culturais (FMIC), realizado pela Secretaria de Cultura de Campo Grande (Sectur) em 2021 (eis a íntegra). “Sem esse financiamento, esse roteiro não teria saído do papel e ganho as telas de diversos telespectadores no Brasil e fora dele”, garantiu a diretora.
Com esta conquista, "A Menina e a Árvore" pode inspirar a preservação ambiental em públicos globais e a diretora pretende levar a mensagem cada vez mais longe. “Pretendo fazer esse filme circular bastante, tanto aqui no estado, como para além das nossas fronteiras. Meu objetivo é fazer com que essa mensagem chegue ao maior número de pessoas possíveis. Terminamos o filme no final de outubro de 2023 e ele já participou de mostras e festivais nacionais e internacionais. Espero que muitas pessoas sejam impactadas por essa mensagem”, prospectou.
A diretora deu uma dica aos novos realizadores de cinema, que independentemente do tema que forem abordar em suas produções, o mais importante para ela é o autor falar sobre aquilo que ele acredita ser significativo, sobre aquilo que para ele faz sentido e determina seu modo de ser e estar no mundo. “É preciso que a sua própria verdade, de alguma forma, esteja impressa na mensagem que será veiculada através do audiovisual”, afirmou.
Por fim, a diretora declarou estar otimista e crente no potencial do cinema sul-mato-grossense. “Essa conquista mostra que audiovisual aqui no estado tem um grande potencial, embora não tenha alcançado ainda o mesmo estágio de desenvolvimento do setor sudeste ou de algumas partes do nordeste. Acredito que essa disparidade ainda existente é resultado de um processo histórico, que certamente será transformado pelos agentes culturais regionais ao longo do tempo. Essa evolução é um processo gradual, mas que eu vejo com grande otimismo”, concluiu.