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BOCA DE CENA 2024

Com estratégia inédita, FCMS investe R$ 480 mil na semana do teatro e circo

Recurso permitirá pagar 52 atrações culturais de MS

13 ABR 2024 • POR TERO QUEIROZ • 21h45
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Um dos palcos sendo preparados na Orla Morena, durante a Mostra Boca de Cena de 2023. Foto: Tero Queiroz

A 15ª Boca de Cena – Semana de Teatro e Circo de Mato Grosso do Sul acontecerá de 13 a 19 de maio em Campo Grande (MS). Acesse aqui a programação completa

Conforme apurado pelo TeatrineTV, a ação cultural terá cerca de 52 atrações entre teatro, circo, performances e números, contemplando artistas solos e coletivos da Capital e do interior do estado. As entradas serão gratuitas mediante a retirada de ingressos.

As apresentações ocorrerão em diversos locais, incluindo a Praça Ary Coelho, as sedes de grupos teatrais como Teatral Grupo de Risco, Circo do Mato, Ateliê Cênico e Fulano di Tal, uma Lona de Circo montada no terreno ao lado da FCMS, e o recém-reinaugurado Centro Cultural José Octávio Guizo/Teatro Aracy Balabanian

Pela programação, haverá apresentações para todos os públicos das 8h30 às 21h.

Nesta edição, a Fundação de Cultura de Mato Grosso do Sul (FCMS), sob a direção do presidente Eduardo Mendes, está investindo R$ 480 mil na mostra. Isso representa uma estratégia inédita de celebração de um Termo de Parceria com a Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip) Flor e Espinho, indicada pelos fazedores de cultura. Eis a íntegra.  

Anualmente a Boca de Cena é provocada pelos Colegiados de Teatro e Circo. Em 2023, a ação teve quatro dias e custou cerca de R$ 1 milhão, com início em 27 de março, data em que se celebra o Dia Internacional do Teatro e Dia Nacional do Circo.

Segundo Anderson Lima, um dos responsáveis pela Oscip Flor e Espinho, esta edição da Boca de Cena precisou ocorrer em outra data, na última semana de abril, devido à maneira pioneira como a FCMS aceitou realizar a ação cultural. "A mostra este ano se propôs a ser bastante colaborativa, escutando todo o coletivo e tentando incluir de maneira transparente. Como o coletivo é muito grande, a escuta é maior. Então, com isso, acabam acontecendo desafios que a gente tem que cumprir. O desafio é sempre tentar agradar a maioria, o que é difícil lidar com o processo democrático. Somado a esse desafio, o fato de o Colegiado ter pedido para a fundação e ter recebido o aceite da Fundação para fazer a mostra a partir da indicação de uma organização, esse trâmite burocrático, por ser novo na Fundação, acabou trazendo alguns entraves que fizeram com que os processos burocráticos levassem um pouco mais de tempo", explicou.

Esse é Eduardo Mendes, diretor-presidente da FCMS. Foto: Tero Queiroz Esse é Eduardo Mendes, diretor-presidente da FCMS. Foto: Tero Queiroz 

Eduardo Mendes avaliou que a maneira de realização desta 15ª edição converge com a proposta de escutar mais a base. "A Boca de Cena é um evento de Teatro e Circo extremamente democrático, feito pela classe, para a classe e o público. Isso faz com que artistas do nosso estado tenham a oportunidade de se apresentar gratuitamente para a população durante uma semana inteira de atividades. A Fundação de Cultura trabalha com essa promoção das artes com foco nas atrações regionais e com o enriquecimento da nossa cultura e na formação de público", disse.

Ainda conforme o diretor-presidente da FCMS, a parceria com a Oscip oportuniza que a classe cultural se sinta verdadeiramente representada. “É importante ressaltar essa parceria justamente para que a classe se sinta representada desde a produção até a apresentação no palco da Mostra”, anotou.

Além das apresentações, os fazedores de cultura vão realizar Seminários de Teatro e Circo. “Com o seminário de teatro e circo que traz importantes discussões para o setor, onde ao final um relatório é entregue para a FCMS e ajuda nas decisões referentes às próximas ações para o teatro e circo”, completou Eduardo.

De responsabilidade exclusiva da FCMS, uma semana antes do início da Mostra, também serão oferecidas sessões de Cinema no Museu da Imagem e do Som (MIS), em que serão ‘mostrados’ filmes sobre o fazer teatral e circense.

Todo o processo de seleção das atrações artistas foi feito por meio de edital com análise de curadores de fora do estado.

Em entrevista ao TeatrineTV, Anderson Lima detalhou os principais diferenciais da Boca de Cena deste ano, em relação ao realizado em 2023. "Este ano houve uma mudança significativa no edital, pois foi elaborado de forma colaborativa. Todas as etapas e informações são compartilhadas diretamente com o colegiado. Então, o que está acontecendo é que o colegiado está fazendo a mostra. O colegiado decide. Existe uma Comissão Organizadora encarregada dos trâmites burocráticos, mas as decisões dessa comissão são tomadas em assembleias pelo colegiado, ouvindo suas opiniões. Este processo é muito distinto, tornando tudo transparente. O colegiado tem controle sobre os recursos investidos, os espetáculos selecionados e indicou curadores para a seleção dos espetáculos. Portanto, quem está realmente conduzindo todo o processo são os colegiados; a comissão apenas ouve, mas as decisões são tomadas e discutidas dentro do colegiado”, introduziu Lima.

Além das sessões cinematográficas, a Boca de Cena contará com atrações artísticas de teatro e circo, seminários e a premiação de homenageados, que tradicionalmente são figuras simbólicas que colaboraram para o desenvolvimento teatral e circense em MS. A programação completa será divulgada em breve, conforme apurado pelo TeatrineTV.

RECORDE DE PARTICIPAÇÃO E DESAFIOS LOGÍSTICOS

Anderson Lima durante debate no Seminário de Teatro na Mostra Boca de Cena em 2023. Foto: Tero QueirozAnderson Lima durante debate no Seminário de Teatro na Mostra Boca de Cena em 2023. Foto: Tero Queiroz

Inicialmente, Anderson Lima contou como a Oscip que está realizando a 15ª Boca de Cena foi oferecida como alternativa à solução de problemas do passado. "Como o estado tem feito todos os festivais por meio de Oscip e eu acho que a Flor e Espinho talvez seja a única companhia de teatro que é Oscip, temos a certificação há 21 anos, de 2003 nossa certificação. Aí a gente liberou através de um pedido do colegiado, fizemos uma reunião com o colegiado que falou que caso o estado fosse realizar por meio de Oscip, que a gente colocasse uma Oscip mais específica com trabalhos para teatro e circo, e que está dentro do colegiado participando”.  

Então, foi montada uma Comissão Organizadora com integrantes dos colegiados de Teatro e Circo, que ficou responsável por dar andamento nos trabalhos juntamente com a Oscip e colegiados.  

Como resultado, Lima destacou que a 15ª edição da Boca de Cena já detém recordes de participação dos artistas, com uma programação mais ampla e democrática. “Acho que 80% do interior que se inscreveu, entrou. 52 duas atrações, entre espetáculos e números, vamos colocar uma Lona de Circo fincada ali no centro da cidade. Então, acho que é o recorde de participação, a programação mais ampla e mais democrática que a Boca de Cena já teve nas suas 15 edições, sem dúvida alguma”, cravou.  

Conforme Anderson Lima, está havendo um enorme empenho para transformar recursos limitados em uma programação diversificada, porém ressaltou os desafios enfrentados, especialmente em relação à logística envolvendo atrações do interior. “O recurso sempre é um problema, né? Se a gente for comparar a Boca de Cena dentro de uma situação que classe realmente gostaria, acha-se que é inviável, que não é suficiente. A gente gostaria de fazer a Boca de Cena como um grande encontro. Esse é o desejo maior dos fazedores de teatro e circo. Trazer todo mundo para ficar a semana inteira, mas veja bem, a logística fica cara, né? Grupos, por exemplo, igual Corumbá, onde uma pessoa para ir e voltar vai gastar em média de quinhentos reais. Corumbá tem grupos significativos, pelo menos duas companhias muito atuantes. Três Lagoas acabou não vindo esse ano, também é um lugar distante. Porto Murtinho tem fazedores de teatro. O estado é muito amplo, tem fazedores espalhados por todas as regiões. E o nosso estado é caro para se locomover”, observou.  

Lima avaliou que para chegar ao ideal do que a classe quer em relação a Boca de Cena, é necessário investir mais. “Se a gente fosse fazer a Boca de Cena nos moldes ideais: trazer todo mundo para participar intensivamente a semana toda, com hospedagem, com alimentação, com transporte disponível o tempo todo aqui para a mostra. Se a gente fosse trazer os debatedores que a gente gostaria de trazer para falar sobre os espetáculos. Se a gente fosse montar um painel crítico, botar um jornal sendo publicado todos os dias, falar sobre a produção e ter isso como registro. Se a gente fosse pensar na mostra trazendo gente de fora, grandes espetáculos de fora, para a gente poder dialogar com esses espetáculos, fazer uma troca. Se a gente fosse pensar em pulverizar essa programação para os bairros periféricos, distritos – Furnas, Rochedinho, Industrial – e cidades do interior próximas daqui, como Terenos, Sidrolândia, Jaraguari, enfim, tem uma grande região no entorno de Campo Grande que é interior próximo da Capital e que fica fora desse circuito. Sidrolândia, por exemplo, pertinho da Capital, mas não tem nada. Então,  poderíamos pensar numa coisa mais inclusiva, mas é uma discussão ampla que precisaria de recursos maiores. Se a gente fosse fazer a Boca de Cena realmente nos moldes que há anos a classe sonha,  a gente teria que pensar em investimento mínimo no dobro do que estamos trabalhando..., mas eu acho esse recurso desse ano está sendo usado de maneira muito diferente, pelo tanto de atrações que teremos e estamos pagando cachês padrões do estado, pagando bem todos os fazedores”, comentou.

PERFIL DA FLOR E ESPINHO 

Na opinião de Lima, a Oscip Flor e Espinho foi escolhida pelos colegiados à luz de grandes projetos que desenvolveu no estado demonstrando o compromisso com a cultura. “A gente tem esse perfil, né? A Flor e Espinho sempre teve esse perfil de forma a trabalhar de forma a contribuir com o desenvolvimento da cultura local. Se a gente for pensar lá atrás, o FestCamp, o festival que a gente fez que até hoje deixa muita saudade, todo mundo comenta muito, trazia muita gente de fora, muita gente boa. Oficinas que, assim, são oficinas ‘ponta de linha’ dentro do trabalho artístico da área do teatro, com grandes nomes de grupos de teatro mais conhecidos do Brasil, debatedores, um festival que marcou uma época e trouxe muitos ganhos para a classe. A Pantalhaços que a gente faz ao lado do Circo do Mato, para a área da palhaçaria, é uma mostra que se tornou referência da região Centro-Oeste. É uma mostra que tem muito carinho dentro da própria Fundação Nacional de Arte, é uma mostra lembrada por lá, sempre somos procurados pela própria Fundação no sentido de eles oferecerem parcerias conosco, de dizer que sabe da importância da mostra para a região Centro-Oeste, uma mostra que traz palhaços da América Latina, trouxe já nomes importantíssimos para a palhaçaria mundial. Tudo oferecido de forma gratuita para a comunidade, para os fazedores, oficinas de formação de circo, coisas que a categoria só encontra com projetos nossos”, considerou. 

Oscips que atuam no terceiro setor, para Lima, devem desviar da compreensão de que são empresas privadas. “Temos esse perfil de entender que é uma organização de interesse público, ela não pode ter um trabalho de forma privada, um trabalho que possa ser confundido com forma privada, ela não trabalha igual uma empresa. Claro, temos nossas estruturas jurídicas: advogado, contador, mão de obra que entende a gestão pública, entende como se processa um convênio público..., mas tem que trabalhar junto com o colegiado. Abrir um edital que atenda o colegiado. Um edital que todo mundo saiba que está aberto para todo mundo que quiser mandar seu currículo. Então, acaba cumprindo a função que tem que cumprir: função de interesse público. É um elo facilitador do poder público, é um elo que vai estar disposto a trabalhar em coletivo. Trabalhando não ‘para’, mas trabalhando junto, trabalhando ‘com’. Trabalhando com a escuta e com o respeito que a categoria quer, com o que os artistas querem, esse é o nosso perfil”, sustentou.  

PARCERIA EFETIVA 

Anderson Lima considerou também como grande diferencial deste ano a parceria efetiva das bases com o poder público em todas as fases do processo. “A gente imagina que a Boca de Cena desse ano vai trazer uma situação muito boa, no sentido de parcerias com o poder público. Os colegiados, poder público, Fundação de Cultura, estão trabalhando de forma muito juntas, muito próxima. Acho que isso vai ser um marco no sentido dos próximos festivais, de como o estado vai começar a lidar com os colegiados, de uma forma mais próxima, de como tem que ser mesmo, né? O estado tem ouvido muito e feito de tudo para atender o colegiado de teatro”, revelou.  

FRUTOS

Ao comentar quais são suas expectativas sobre esse Boca de Cena, Lima adiantou que a mostra desse ano terá uma parceria crucial com a educação. "Essa parceria está fazendo com que a gente chegue nas escolas. Tanto o município quanto o estado, aí a Sectur entrou junto para fazer contato com as escolas do município. É fundamental que crianças, jovens e adultos tenham conhecimento do que é feito dentro do estado, saibam o que é produzido pelas linguagens de teatro e circo aqui"

Essa será uma maneira de envolver diretamente a comunidade com a Boca de Cena. "Estamos esperando que esse encontro, esse diálogo direto com as escolas. Fazer com que as crianças saiam da sala de aula, venham dentro de um ônibus, vão ao centro da cidade, entrem numa Lona de Circo, vão dentro de um teatro que está todo reformadinho, um espaço que é para atender a comunidade e está todo reformado, novinho", elencou.  

A medida, na avaliação de Lima, pode resultar em experiências únicas e duradouras, e garantir acesso a cultura a quem talvez nunca tenha conseguido estar em espaços culturais como os que serão ocupados ao longo da mostra. "A grande maioria do público da Boca de Cena desse ano vai ser um público que vai ter acesso pela primeira vez a uma lona de circo e a um teatro novinho. Esse teatro ficou fechado quase uma década [fechado], e é o teatro que mais tem proximidade com a produção. Então, a gente tem certeza de que tem criança, adolescente de 15 anos que talvez nunca tenha ido dentro do Centro Cultural, nunca tenha ido dentro do Aracy Balabanian. E talvez será a primeira oportunidade que terão de assistir a uma peça de teatro com a luz, sentar-se numa cadeira de um teatro confortável, sentar-se numa lona de circo, ver a estrutura do circo, o cheiro dessa arte milenar", pontuou Lima.  

Assim, Lima espera que a Boca de Cena efetive uma das mais importantes missões da política pública: formar público. "A gente acha que isso será um ganho que vai cravar na cabeça das pessoas, alimentando o seu processo simbólico, aumentando o seu repertório cultural, fazendo com que essa criança peça que o ano que vem tenha de forma igual ou melhor. Que peça para o professor que tenha mais, que esse professor peça para o seu Secretário de Educação, que esse Secretário de Educação chegue na Fundação de Cultura, na Secretaria de Cultura e a gente construa uma grande rede unida para fazer com que a cultura seja o grande elemento transformador dentro da sociedade, porque é isso que a gente acredita, para isso que a gente trabalha e é para isso que a gente veio ao mundo", concluiu.  

HISTÓRICO DA BOCA DE CENA 

A Boca de Cena teve sua 1ª edição em 2001, pensado para celebrar as produções teatrais e circenses do Estado, numa articulação de artistas com o gestor da extinta Fundac, na época, chefiada por Américo Calheiros.

Em 2018 a mostra foi descontinuada, durante a 2ª parte do governo de Reinaldo Azambuja (PSDB).

A celebração foi retomada em 2022, após forte pressão do Colegiado de Teatro de MS, como mostramos aqui no TeatrineTV. Apesar disso, naquele ano o investimento foi de apenas R$ 240 mil. Ainda assim, foi uma bela festa, como registramos nesta matéria: 'Mostra Boca de Cena: 24h de teatro e circo em Campo Grande'.

Em 2023 o orçamento total da Mostra Boca de Cena, contando com estrutura, chegou a R$ 1 milhãocomo anotamos aqui.