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MAC SUARA KADIWEU

Ator de MS estreia como 'Chico das Mortes' na novela 'Renascer' da TV Globo

Artista sul-mato-grossense é considerado o 1º ator indígena do cinema brasileiro

6 MAR 2024 • POR TERO QUEIROZ • 18h40
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Mac Suara como Chico das Mortes na novela Renascer, da TV Globo. (Foto: Reprodução / Globo)

O ator Mac Suara Kadiwéu, de Aquidauana (MS), estreou na telinha em 7 de janeiro no papel de Chico das Mortes, no remake da novela das 9 da TV Globo, ‘Renascer’. 

Mac é considerado o 1º ator indígena do cinema brasileiro. Ele estreou na telona em 1985, com "Avaeté: Semente da Vingança", filme dirigido por Zelito Viana – pai do ator Marcos Palmeira.

Viana é um dos fundadores da Mapa Filmes do Brasil, produtora responsável por filmes como "Terra em transe", de Glauber Rocha, e "Cabra marcado para morrer", do diretor Eduardo Coutinho – esses dois últimos com profundos laços artísticos com Mato Grosso do Sul. 

Numa conversa exclusiva com o TeatrineTV, por telefone, Mac explicou como surgiu o convite para a novela. "Eu recebi esse convite [para a novela], em setembro, que na verdade foi o diretor de elenco que me ligou. Eu fiquei pensativo, porque pensei: eu sou cara de cinema, comecei em 1980 com Zelito, pai do Marcos Palmeira. Mas fui fazer um teste em outubro, depois meio que deixei isso”, introduziu aos risos, Mac.

Meses depois, Mac fez um telefonema à Zelito Viana para convidá-lo para prestigiar o lançamento do filme “Bye Bye Amazônia – A morte anunciada da floresta Amazônica”, com direção e roteiro de Neville de Almeida, que aconteceria no Rio de Janeiro. “Aí eu liguei pro Zelito e eu falei: Zelito, vamos assistir ao filme? Ele disse que não iria conseguir porque estava na Bahia..., Mas aí falou: eu fiquei sabendo que você vai fazer uma novela. Eu respondi que tinha feito o teste, só isso. O Zelito falou: você é a pessoa que estão procurando! Aí eu até brinquei com o Zé: eu não sou menino de estúdio, não, Zé... (risos). Mas ele falou que a galera da direção da novela era toda jovem e ‘é tudo do nosso time, vai dar tudo certo’. Depois disso me animei bastante”, contou.

Mac Suara na Premier da novela Renascer. Foto: Globo/Lucas Teixeira

Em janeiro, como Mac já esperava, recebeu uma ligação da equipe da novela.  "Quando foi em janeiro, eu recebi uma ligação do Produtor de Elenco da novela falando que ia me transferir para o Produtor Executivo, que tinha dado certo. Aí ele falou: você está com sua documentação (cadastro) certinha na Globo? Eu falei: já fiz várias coisas no cinema, com a Globo, filmes, novelas, mas não sei como está. Você procura aí?”, lembrou. 

Para o ator, um dos motivos que o levaram a aceitar o papel em ‘Renascer’, foi a oportunidade de fazer um personagem que fugisse de estigmas. “O que me ganhou muito foi que o personagem não é índio, nem nada, é um personagem doido. Aí eu falei: cara, quem é? Eu quero fazer... Chegando na história vem o Gregório (dono do Buteco), Matheus Nachtergaele, falando: você vai fazer o Chico da Boa Morte! Eu falei: cara, que porra é essa? Eu pensei o seguinte: eu estava caçando um personagem assim, para tirar o caminho de índio, achei”, celebrou. 

Mac Suara com colegas do elenco de Renascer. Foto: Arquivo pessoalMac Suara com colegas do elenco de Renascer. Foto: Arquivo pessoal

Nesta 4ª.feira (6.mar.24), vai ao ar o Capítulo 39 de ‘Renascer’. Mesmo integrando o elenco, Mac esclareceu que deve começar a entender melhor a história a partir de amanhã, após seu personagem fazer um trato com “Damião” para descobrir quem queria matar “José Inocêncio”. “A Inácia é uma perdida. Eu acho que eu vou entender a partir de amanhã, ou depois de amanhã, que a gente está gravando ainda. Eu acho que ela se revela quando tem o confronto com a faca. Eu entendo que Inácia sabe a história toda, que o ‘Damião’ vai ser igual o Chico da Boa Morte, perdido na vida. Francisco da Boa Morte, depois que vestiu esse nome, você não existiu mais, sumiu”, comentou o intérprete. 

Mac Suara e o protagonista da novela, Marcos Palmeira (José Inocêncio). Foto: Arquivo pessoal Mac Suara e o protagonista da novela, Marcos Palmeira (José Inocêncio). Foto: Arquivo pessoal 

O enredo original de Renascer é 1993, mas o remake é assinado por Bruno Luperi, conhecido pelo trabalho em “Pantanal”. Na história, Chico das Mortes, marido de Inácia (Edvana Carvalho) e pai de Ritinha (Mell Muzillo), permite o casamento de Ritinha com Damião (Xamã) em troca de um matador poupar a vida de José Inocêncio (Marcos Palmeira). Chico é um dos funcionários mais fiéis de José Inocêncio.

Mac Suara ao lado de Jackson Antunes, Breno da Matta e Xamã. Foto: Arquivo pessoal Mac Suara ao lado de Jackson Antunes, Breno da Matta e Xamã. Foto: Arquivo pessoal 

Na versão original da novela criada por Benedito Ruy Barbosa – avô de Luperi – Chico morria durante o casamento de Ritinha. Antes de morrer, Chico ficava gravemente doente e fazia com que Damião prometesse proteger José Inocêncio. Em 1993, ‘Chico das Mortes’ foi vivido por Grande Otelo, um dos maiores atores da 7ª arte brasileira.

Ainda não se sabe se Luperi manterá um desfecho trágico para o personagem do ator sul-mato-grossense, mas para Mac Suara, não existe a possibilidade de ‘Chico da Boa Morte’, ser morto. "Eu acho que o Chico da Boa Morte, ele não morre, porque ele é ‘cramulhão’. Ele está se preparando para matar quem foi matar o coronel. Eu acho que ele mata o primeiro inimigo do inimigo", opinou Mac Suara. 

QUEM É MAC SUARA 

Mac Suara como 'Chico das Mortes' nos bastidores da novela Renascer. Foto: Arquivo pessoal Mac Suara como 'Chico das Mortes' nos bastidores da novela Renascer. Foto: Arquivo pessoal 

Mac Suara nasceu no interior de Mato Grosso do Sul, mas cresceu na Vila Palmira, em Campo Grande (MS). Filho de Lúcio, ou Vocuqué em Kadiwéu e Margarida, ou Pichoti em Terena. 

Na Capital conseguiu trabalhar como frentista, de atendente em bares, padeiro e depois voltou para a aldeia e na sequência foi trabalhar como capataz em fazendas na região de Aquidauana.  

Posteriormente o ator voltou à Capital e trabalhou vendendo plantas medicinais da cultura indígena no camelódromo. Mac contou que aprendeu a prática medicinal com seu  pai. E foi a venda de plantas que levaram Mac para viajar o Brasil, como 'camelíndio'. 

O trabalho como ator entrou naturalmente na vida de Mac, devido a suas experiências com diversas tribos e lideranças em suas viagens pelo Brasil. Mac iniciou oficialmente a carreira de ator após conhecer Antônio Pitanga numa rádio popular no Rio de Janeiro. "Ele me falou de um filme que estava sendo feito e se eu estava interessado. Tem um índio aqui no filme, você quer fazer?", contou Mac Suara numa entrevista de Marcos Faerman para o Jornal Crisis publicada em outubro de 1989 e mantida no acervo ISA.  

Então Mac decidiu ir participar do filme, esse seria seu primeiro trabalho em Quilombo, de Cacá Diegues. A produção não foi bem recebida pelo movimento negro do Brasil, mas foi por meio desse filme que em 1985 Mac seria chamado para integrar o elenco de The Emerald Forest, do diretor inglês John Boorman. "Eu também entrei num personagem vago nesse filme... Eu fiz uma espécie de assessoria indígena durante o filme", recordou. Então ele ficou em Belém (PA), gravando com o inglês ao mesmo tempo que aguardava a resposta de um teste que havia feito para o "Avaeté: Semente da Vingança", de Zelito Viana. 

Isolado na região Norte, Mac descobriu que seria o protagonista de uma das obras primas de Viana, por meio de um Jornal impresso em que sua foto estava estampada. "Meu papel com Burman era fraquinho, quase nada, abandonei a filmagem e fui para o Rio de Janeiro...". 

'Avaeté' foi rodado no Mato Grosso e, isso permitiu que Mac ficasse muito amigo dos povos Eriobtsa. O filme de Viana ganhou o Festival de Moscou, Berlim, passou em Cuba e arrebatou cinco estatuetas no Rio de Janeiro.  

O filme levou Mac para conhecer Europa. Ele também passou a se relacionar com estrelas como Renata Sorrah, José Drumond, Sérgio Mamberti, Cláudio Mamberti, entre outros. Pessoas que Mac disse que nunca imaginou que iria conhecer. 

Em 1986, Mac fez o programa de humor seriado 'Armação Limitada', com Juba e Lula (Kadu Moliterno e André de Biase), dirigido por Guel Arraes, para a TV Globo.  

Dois anos depois, em 1989, Mac fez outro grande trabalho, 'Kuarup', de Ruy Guerra. Na história Mac deu vida a 'Uantel', tendo contracenado com Cláudia Raia. A obra, rodada no 'Xingu', teve no elenco ainda: Claudia Ohana, Débora Bloch, Fernanda Torres, Lucélia Santos, Roberto Bomfim e o próprio Rui Guerra. 

Sem formação como ator, desde os anos 80, Mac defende: "Todo brasileiro estuda arte dramática. A vida do brasileiro é um drama, não é? Principalmente a do índio. Ele tem a arte e vive com o drama", disse Mac na entrevista à Crisis. 

ATIVISMO 

Além de ator, Mac é um dos grandes ativistas da causa indígena do Brasil. Ele é um dos fundadores do Núcleo de Cultura da União das Nações Indígenas e da Aliança dos Povos da Floresta.

Ao longo da vida, Mac disse que trabalhou na campanha de Mário Juruna, um líder indígena e político brasileiro. Filiado ao Partido Democrático Trabalhista, foi o primeiro deputado federal indígena do Brasil. Juruna nasceu na aldeia xavante Namakura, próxima a Barra do Garças, no estado de Mato Grosso. Juruna faleceu aos 58 anos em 2002. 

RELAÇÃO COM MS 

O artista revelou ao TeatrineTV, que sua carreira é extensa no audiovisual e que só não sabem que ele é do Mato Grosso do Sul, pois foi uma decisão pessoal. "Eu acho que isso é o melhor amigo da gente. Feito intuição. Eu não nasci para nada e caí no cinema. Se você buscar o Mac Suara no Google, você vai ver meus trabalhos desde 83. Eu tenho preconceito por ser sul-mato-grossense. Tenho preconceito com meu estado, porque meu estado tem preconceito com meu povo! Isso é um debate psicológico que eu tenho desde 73. Eu não consigo conversar com políticos, secretários de cultura, governo nem nada daí. Quando eu vou a Mato Grosso do Sul, o governador espiritualmente para mim é minha mãe, minha tia na aldeia. São elas as autoridades máximas para mim em Mato Grosso do Sul". 

Além disso, a escolha do nome ‘Mac Suara’ tem relação direta com a opção pelo anonimato. "Eu escolhi esse nome que é uma mistura. Ninguém sabe quem eu sou. A máscara do Batman", descontraiu. 

De grande prestígio entre artistas e intelectuais, Mac Suara conversou com Fernanda Kaingang, diretora do Museu do Índio, órgão científico-cultural da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) localizado do Rio de Janeiro, para que se inicie uma campanha em defesa da cultura indígena. "Falei ontem com o Marcos Palmeira... Nós temos que reunir nós, escritores, sociólogos, artistas, porque tocaram fogo no Museu do Índio, no governo que não gosto de falar. Tem que fazer uma campanha assim: salvem a cultura do índio brasileiro e no meio, o Museu do RJ. Eu já anunciei para meus amigos atores, todos os atores que estão na novela agora, a ação para combater a discriminação. Essa é uma luta sem término, combater a discriminação, principalmente do meu estado, o Mato Grosso do Sul, onde parente foi assassinado, fundador do núcleo de cultura indígena foi assassinado”, declarou. 

Por meio do humor, Mac Suara citou o medo em meio ao extermínio de indígenas em Mato Grosso do Sul. “Quando começaram a matar todos os índios, eu pensei: vou embora, porque eu posso morrer só de mentirinha, nos filmes. Não quero morrer de verdade. Então, fui para longe de onde estava a matança”, protestou. 

RETOMADA DA RELAÇÃO

Apesar de ter se afastado artisticamente de MS, Mac mantém profundas ligações com os povos originários. Ele revelou que ainda neste mês deve vir ao estado. "Dia 28 eu vou abrir as sessões para um encontro dos Xamãs, dos pajés espirituais de Mato Grosso do Sul. E vou estar com a minha mãe”, adiantou.

Mac Suara explicou que por muitas vezes, por lamentar como o povo indígena é tratado em Mato Grosso do Sul, ao ser questionado de onde era natural, citava outro estado brasileiro. “Eu sempre falei que sou do Amazonas, eu nunca falei que sou de Mato Grosso do Sul”, disse. 

Apesar das dificuldades, Mac pretende retomar as relações com o estado de maneira gradual para brigar por melhorias das condições dos indígenas em MS. “Sobre o Cachoerinha, uma vereadora de Porto Murtinho, foi a única pessoa que nós conversamos juntos. Eu tenho brigado para que abram o cofre para desenvolver o lado financeiro que é da cultura indígena: alimentação, estrada e escola”, enumerou. 

Em 2024, Mac disse que poderá fazer interlocuções com políticos que tenham projetos de fortalecimento da cultura indígena. “Vou retornar esse diálogo esse ano, posso sim encontrar alguns políticos. No passado tive apresentações em Aquidauana e o Odilon deu muita assistência ao pessoal da Aldeia. Ele teve muito apoio dos povos indígenas sul-mato-grossenses e eu não o cumprimentei, não falei e não me apresentei. Porque desde pequeno, os meus pais foram à Brasília em reunião, mas nunca voltou com nada objetivo. Só projeto, papel, papel, papel e nada objetivo. Na aldeia tem que ter tanque para criar bicho, horta comunitária. Os índios saem de Mato Grosso do Sul para colher maçã no Sul, são mais de 3 mil quilômetros e a terra está ali, na porta de casa, mas o governo tem que dar condição para que a gente use a terra”, finalizou. 

FILMOGRAFIA 

Numa pesquisa realizada pela reportagem, Mac Suara aparece como destaque nas seguintes produções de cinema e TV: