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GRAFITE NA ORLA

Após destruir mural, presidente da associação se exalta: 'Saia daqui!'

"Esse aqui é um bairro sexagenário, o Funk e essas coisas não pegam bem aqui", disse

1 FEV 2024 • POR TERO QUEIROZ • 17h00
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(1.jan.24) - Houve novo bate-boca entre Thais Maia e Eduardo Cabral durante a manhã, quando ambos deram declaração à imprensa. Foto: Tero Queiroz

A artista visual de 28 anos, Thais Maia, esteve com um grupo de artistas em um ato contra a destruição de um mural de 25 metros na Orla Morena, em Campo Grande (MS), nesta 5ª.feira (1º de fevereiro de 2024). A peça, que havia sido pintada por ela e outros dois artistas de grafite durante sete horas sob o sol, em 29 de janeiro de 2024, foi destruída por três homens.

Ontem informamos em nosso site que o grupo de grafiteiros dedicou R$2.000 do próprio bolso para criar a obra de arte com personagens e letras. No entanto, no fim da tarde da terça-feira (30.jan.24), os três indivíduos vandalizaram a pintura com frases como "Aqui não!" e "Não autorizamos".

(1.fev.24) - Mural feito por Thais Maia, Karol e Gabriel GB foi alvo de ataque e descaracterização na Orla Morena, em Campo Grande (MS). Foto: Tero Queiroz(1.fev.24) - Mural feito por Thais Maia, Karol e Gabriel GB foi alvo de ataque e descaracterização na Orla Morena, em Campo Grande (MS). Foto: Tero Queiroz

O trio de acusados de destruir o mural foi identificado pela reportagem do TeatrineTV. Um deles prometeu comparecer ao local nesta manhã para dar declarações à imprensa, trata-se de Eduardo Cabral, de 60 anos, presidente da Associação de Moradores do Bairro Cabreúva (AMBC).

Durante entrevista ao TeatrineTV, Eduardo se exaltou ao ser questionado se reconhecia que existe uma diferença entre Patrimônio Público e Patrimônio Cultural. Ele respondeu agressivamente ao repórter: “Saia daqui! Os incomodados que se retirem (...). Esse aqui é um bairro sexagenário, o Funk e essas coisas não pegam bem aqui”, bradou, indicando que a população do bairro estaria incomodada com os gatinhos e cachorrinhos – personagens desenhados por Thais no mural.

(1.fev.23) - Palavra de ordem cobriram os letras do grafite de Gabriel GB. Foto: Tero Queiroz (1.fev.23) - Palavra de ordem cobriram os letras do grafite de Gabriel GB. Foto: Tero Queiroz 

A artista, por sua vez, reafirmou que foi alvo de ataques agressivos por um trio de homens e que a população adora os seus murais.

A Secretaria de Cultura e Turismo (Sectur), também deu declarações ao TeatrineTV sobre o episódio. Leia os depoimentos abaixo:

CORREDOR CULTURAL E ÁRVORE DO PECADO

(1.fev.24) - Esse é Eduardo Cabral, presidente da Associação de Moradores do Bairro Cabreúva. Foto: Tero Queiroz(1.fev.24) - Esse é Eduardo Cabral, presidente da Associação de Moradores do Bairro Cabreúva. Foto: Tero Queiroz

O repórter insistiu em ouvir o depoimento de Eduardo, então, ele optou por falar. Eduardo introduziu explicando que está na associção como presidente e que foi um dos fundadores da organização há 5 anos. 

Segundo a liderança comunitária, a população supostamente já tem planos para o espaço utilizado por Thais Maia para fazer o mural. "O bairro Cabreúva é todo entorno ferroviário, do qual nós pretendemos fazer um corredor cultural. Desde da rodoviária antiga, toda a extensão da Orla, o Belas Artes do qual eu luto muito para que ele saia. A Rotunda, estamos também brigando para que seja restaurada, faz parte do corredor cultural. A Feira Central vai ser restaurada, a Estação Ferroviária, fecha o complexo. Esse é nosso corredor cultural, que nós pretendemos colocar nesta região. Nós, comunidade, comunidade! Porque nós temos acesso a todas as secretarias, não tenho pretensões nenhuma política, nem vereador nem nada. Eu só faço pelo meu público, pelo povo, que eu gosto, que eu moro há 30 anos nesse bairro. Eu preparei isso aqui para meus filhos e hoje para meus netos", iniciou.

(1.fev.24) - Eduardo Cabral entrou em confronto com Thais Maia durante entrevista. Foto: Tero Queiroz (1.fev.24) - Eduardo Cabral entrou em confronto com Thais Maia durante entrevista. Foto: Tero Queiroz 

Conforme Eduardo, ele decidiu apagar o mural, pois acreditava ser necessário uma autorização para realizar a arte. “Essa menina que se intitulou artista, da qual eu perguntei: você tem autorização por escrito? Não, não tenho! Eu sou artista, pinto onde eu quero. Falei: querida, nós temos um projeto dentro da secretaria que vai transformar isso aqui num mural. Isso aqui é tudo ofício, olha (mostra o papel) a gente trabalha. Esse é o mural (mostra). Esse é o mural do qual nós temos autorização para fazer nesse espaço e naquela parede que foi invadida. Porque não tem autorização e invasão”, insistiu.

(1.fev.24) - Eduardo Cabral mostra croqui de projeto que seria feito no palco e espaços utilizados para o mural de Thais Maia na Orla Morena. Foto: Tero Queiroz(1.fev.24) - Eduardo Cabral mostra croqui de projeto que seria feito no palco e espaços utilizados para o mural de Thais Maia na Orla Morena. Foto: Tero Queiroz

O presidente da associação ainda revelou ter apreço pelo grafite: “É grafite? Maravilhoso, eu amo grafite”.

Para Eduardo, uma lei criada por Otávio Trad em 2013 seria seu embasamento para afirmar que Maia precisa de autorização. “Todo Patrimônio Público, pichado ou grafitado sem autorização está fora da lei, por isso nós fomos pedir autorização”. 

Questionado sobre as pretensões arquitetônicas no complexo ferroviário tombado como Patrimônio Cultural, Eduardo disse que, ainda assim, ‘estão brigando por um corredor’. “Pretendemos fazer disso aqui um corredor cultural. Nós estamos brigando para isso. Ainda não existe [viabilidade legal], mas porque a Bom Pastor se transformou num corredor gastronômico? Por quê? Porque teve Lei, os comerciantes foram em cima. Aqui a Associação do Amambai é parceira, São Francisco, o pessoal da Feira São Francisco é parceira – nós conseguimos pôr a feira deles aqui”, argumentou.

(1.fev.24) - Cabral defendeu que espaço público deve ser usado pelo seu projeto, já que eles buscou autorização. Foto: Tero Queiroz(1.fev.24) - Cabral defendeu que espaço público deve ser usado pelo seu projeto, já que eles buscou autorização. Foto: Tero Queiroz

Ainda conforme Eduardo, a população do Cabreúva seria contrária ao grafite na Orla. "Temos moradores que são antigos no bairro. Aqui é um bairro de sexagenário, não sei se você tem conhecimento, mas se você buscar você vai ver que sim. Então o Funk não vai bem aqui! Coisas como essa, aqui não vai bem. Uma pista de skate, maravilha, faz parte da Orla. Gente, vamos apoiar. Teve uma outra pessoa aí que queria pegar a Feira de Amigos da Orla queria tirar a pista de skate. Gente, que ridículo. Como é que vai tirar a pista de skate, nós temos que agregar a pista de skate. A pista de skate toda pode ser colorida como você quiser: porra, que grafite bonito. Agora, para que pichar o muro da Maria Constança que acabou de pintar?", indagou. Apesar da citação, Thais Maia e seu grupo não realizaram nenhuma intervenção no muro da escola Maria Constança. 

Em determinado momento da entrevista, para defender sua posição, Eduador acabou mesclando uma história religiosa com a situação. "Sabe a arvorezinha do pecado lá da Bíblia? Dessa aqui você não come o fruto. O cara falou: não, aqui que eu quero riscar". 

O presidente da associação não quis mais falar com à reportagem ao ser perguntado se acreditava que o bairro é responsável ou não pelo Patrimônio Cultural. Nesse momento, ele disse que já havia respondido à pergunta. “Eu já te disse, queremos transformar aqui num corredor cultural. É só só isso, boa matéria!”. Ao insistir por uma resposta à pergunta, o repórter acabou sendo alvo de uma reação explosiva de Eduardo, que passou a dizer diversas vezes: "Saia daqui, sai. Os incomodados que se retirem!".  

GRAFITEIROS

(1.fev.24) - A artista visual Thais Maia durante entrevista nesta manhã na Orla Morena, onde seu mural foi destruído. Foto: Tero Queiroz(1.fev.24) - A artista visual Thais Maia durante entrevista nesta manhã na Orla Morena, onde seu mural foi destruído. Foto: Tero Queiroz

Thais Maia também falou ao TeatrineTV nesta manhã. Ela estava com um grupo de amigos, integrantes da Cultura Hip Hop, próximo ao mural descaracterizado por Eduardo. 

(1.fev.24) - Grupo de integrantes da cultura Hip Hop estiveram em ato de apoio à Thais Maia. Foto: Tero Queiroz (1.fev.24) - Grupo de integrantes da cultura Hip Hop estiveram em ato de apoio à Thais Maia. Foto: Tero Queiroz 

Para a artista, figuras agressivas que ocupam cargos de representação acabam prejudicando a imagem sobre todos os moradores do Bairro. “Uma pessoa que toma uma atitude dessa acaba queimando todas as pessoas do bairro, então isso é ruim. Porque a população está do nosso lado, ela recebe o grafite muito bem, eles estavam passando aqui, fotografando e adorando e pedindo para pintar os muros deles. O povo adora grafite! Aí um cara que chegou aqui achando que é o dono das coisas, esperou a polícia inclusive ir embora, porque a polícia chegou aqui, viu que era o grafite e falou que estava de boa. Eles entendem que no grafite a gente não precisa pegar uma autorização num espaço cultural para pintar. A própria polícia entende isso. Eles esperaram a polícia ir embora para atacar tinta no nosso mural”, contou.

(1.fev.24) - Thais Maia lamenta ataque destruição de obra de gatinho e cachorrinho que havia feito numa das paredes sujas da Orla Morena. Foto: Tero Queiroz(1.fev.24) - Thais Maia lamenta ataque destruição de obra de gatinho e cachorrinho que havia feito numa das paredes sujas da Orla Morena. Foto: Tero Queiroz

A grafiteira explicou que o tom exaltado de Eduardo Cabral com a imprensa foi só uma pequena demonstração da situação pela qual ela e a outra grafiteira passaram quando estavam concluindo o mural. “Assim como eles cresceram agora com vocês, com nós foi mil vezes pior, entendeu? Ainda mais que ele achou que só tinha mulher ali, ele já chegou ofendendo e xingando a gente, para assustar, porque tinha duas mulheres pintando. Então, assim, o que ele fez aqui com vocês foi só uma demonstração, com a gente foi muito pior”, garantiu. 

(1.fev.24) - Mural de 25 metros que havia sido feito por Thais Maia e amigos, foi coberto de tinta branca e descaracterizado. Foto: Tero Queiroz (1.fev.24) - Mural de 25 metros que havia sido feito por Thais Maia e amigos, foi coberto de tinta branca e descaracterizado. Foto: Tero Queiroz 

Thais apontou os danos causados por ataques à arte e aos artistas. “Tem dano financeiro, dano psicológico, porque ele nos atacou na frente da população que veio nos defender. Então, assim, a gente sai da nossa casa para levar arte, um presente para a cidade, e passa por uma situação de humilhação de uma pessoa que é totalmente preconceituosa, que quer criminalizar o grafite. Que quer ser dono de um Patrimônio Cultural, Patrimônio Histórico”, desabafou.

A artista disse que o ideal seria as pessoas interessadas se unir pela preservação do espaço e recuperação do patrimônio que estava sujo e sem vida. “A gente está num mundo que a gente não precisa dividir, a gente precisa se unir. Não é porque você não gosta do Hip Hop que você tem que se levantar contra ele. Se você não gosta, respeita a diferença. A gente não está se levantando contra ninguém. Está todo mundo junto, é todo mundo ser humano. A rua é nossa, a arte é nossa, e o grafite é do povo. O grafite saiu do povo é para o povo que a gente faz”, defendeu.

(1.fev.24) - Thais Maia caminha ao lado de mural destruído após ataque de presidente do bairro e outros dois homens. Foto: Tero Queiroz (1.fev.24) - Thais Maia caminha ao lado de mural destruído após ataque de presidente do bairro e outros dois homens. Foto: Tero Queiroz 

Sobre a população do Cabreúva ser contrária ao grafite na Orla, Thais disse que discorda e tem depoimentos que sustentam o contrário do sugerido por Eduardo. “Tem em muitos moradores que moram aqui há mais de 30 anos, que estão com a gente. Muitos moradores daqui vieram conversar com a gente, estão do nosso lado, muitas pessoas vieram conversar comigo, gostam sim, os moradores adoram. Se vocês andarem mais pela Orla vocês vão ver mais gatos meus, que são meus personagens. A galera costuma vir aqui, tiram fotos, pessoas de fora do estado vem aqui e tiram foto. Acontece que essa cultura de minoria alguns tipos de pessoas querem apagar, querem derrubar, quando na verdade a cultura é do povo e a gente vai continuar lutando por ela”, declarou.

(1.fev.24) - Gabriel GB, autor do grafite ao fundo, esteve no ato de protesto nesta manhã com seu filhinho. Foto: Tero Queiroz (1.fev.24) - Gabriel GB, autor do grafite ao fundo, esteve no ato de protesto nesta manhã com seu filhinho. Foto: Tero Queiroz 

Outro a dar seu depoimento à reportagem foi Gabriel GB, de 26 anos, que também grafitou o local. Ele disse que fez a sua obra num prazo de umas 3h, porque tinha chegado depois de Thais e Karol. “A tinta é totalmente nossa, foi tirada do nosso bolso, foi guardado recursos para comprar o material e conseguir fazer o grafite. Primeiramente é uma falta de respeito total com a cultura. A gente não tem nenhum apoio, é nós por nós, se não corre atrás não faz. Nos sentimos bem desrespeitados com isso aqui. Querem calar nossa voz. Querem muros sem estética nenhuma, uma coisa morta, mas nós insistimos em trazer arte, cor e cultura para as crianças e a comunidade em geral, e vamos continuar trazendo”, finalizou.

O QUE DIZ A SECTUR

(1.fev.24) - Gatinhos de Thais Maia teve os olhos desfigurados. Foto: Tero Queiroz (1.fev.24) - Gatinho de Thais Maia foi coberto por tintas brancas. Foto: Tero Queiroz 

Procurada, a Secretaria Municipal de Cultura (Sectur) respondeu por meio de nota. Leia abaixo:

A pasta chefiada por Mara Bethânia Gurgel disse que “nem a artista teve a autorização para o grafite, nem o líder de bairro teve autorização para intervir no muro após a pintura da artista. Ambos agiram de maneira irregular, pois qualquer intervenção precisaria de autorização do Município, o que não ocorreu em nenhum dos casos”. 

A Sectur observou que “grafite não é crime, é uma manifestação artística livre, porém quando o mesmo é executado em espaço administrado pelo poder público, necessita de autorização prévia para que seja realizado”. 

Sobre o ataque ao mural, “A Secretaria Municipal de Cultura e Turismo (Sectur) ressalta que repudia veementemente qualquer ação direta ou indireta contra a classe artística e lamenta o ocorrido”. 

(1.fev.24) - Ataque ao mural é ilegal, afirma Sectur. Foto: Tero Queiroz(1.fev.24) - Ataque ao mural é repudiado pela Sectur. Foto: Tero Queiroz

A Sectur ainda esclareceu que “De acordo com a Lei de Crimes Ambientais (Lei Federal 9605/98), estabelece-se como crime o ato de "pichar ou por outro meio conspurcar edificação, ou monumento urbano", exceto para o grafite que tenha como objetivo valorizar o patrimônio público com essa arte, desde que tenha autorização do órgão competente”.

No que se refere ao espaço reservado para o mural de azulejos de Eduardo, “a Sectur esclarece, que no mês de junho do ano passado, a Associação de Moradores do Bairro Cabreúva procurou a Sectur para apresentação prévia de um projeto de intervenção artística no local, mas que não teve continuidade por parte da associação”.

“A Sectur reitera que está à disposição da classe artística para que a mesma expresse suas manifestações em locais administrados por esta secretaria, obedecendo aos critérios da lei”, concluiu.