"Donos da Orla" destroem mural de 25 metros de Thais Maia
Entre os acusados está presidente da Associação de Moradores do Bairro Cabreúva, Eduardo Cabral
31 JAN 2024 • POR TERO QUEIROZ • 17h02A artista visual Thais Maia, de 28 anos, denunciou nesta 4ª feira (31.jan.24) que 25 metros de mural pintado por ela na Orla Morena, em Campo Grande (MS), foram destruídos por homens que ainda escreveram sobre o graffiti: “Aqui não!”.
Os três homens que literalmente apagaram os grafites foram identificados pela reportagem do TeatrineTV. São eles:
- Eduardo Cabral (presidente da Associação de Moradores - AMBC) do Bairro Cabreúva;
- Francisco – Chico – vice-presidente da associação; e,
- O advogado do Procon (MS) e professor, Munir Sayeg, que mora em frente ao local onde os grafites de Thais haviam sido feitos.
O apagamento das obras ocorreu no fim da tarde e início da noite da 3ª feira (30.jan.24).
De acordo com Thais, o mural serviria de cenário para oficinas infantis, mas os homens jogaram tinta branca sobre as obras que ela grafitou ao longo de sete horas. Ao todo, a artista gastou R$ 2 mil em material.
Nas redes sociais, Maia lamentou a situação dizendo ter sido vítima de ofensas e ataques machistas por parte dos homens que se acham “donos da Orla Morena”. “Foi foda dormir essa noite. Nosso Brasil mata e destrói artistas diariamente! Em breve vou gravar um vídeo contando e mostrando pra vocês a violência que sofremos ontem. 7 horas de trampo, mais de 25 metros de arte, uma grana alta que investimos por conta própria, a população amando a arte e esses machistas preconceituosos detonaram nosso mural INTEIRO. TRISTE E REVOLTANTE! Escreveram ‘AQUI NÃO’ em cima de TODAS as nossas letras e apagaram meus personagens! Cultura não é só o que gosta. Vocês não tem noção do tanto de violência que a gente passa pra manter a nossa arte viva! O erro deles foi achar que me calaria diante disso! Muita gente se revoltou e registrou eles estragando nosso trabalho! E essa violência vai ficar de exemplo pra vocês aprenderem que artista tem mais voz do que vocês podem imaginar... Eles foram apagando os esboços de todos os outros artistas que colaram lá e logo em seguida meteram tinta em TUDOOOOOOO! (sic)”, contou. Um vídeo mostra o momento em que Eduardo Cabral joga tinta sobre um esboço, veja:
Antes da obra ser destruída, conforme Maia, a população estava interagindo com o grafite. “Fomos levar arte pra criançada e amantes da Orla Morena, tudo bancado do nosso bolso, sem apoio de ninguém. A população tava amando, todo mundo parando para elogiar, várias pessoas do bairro passando o contato me pedindo para fazer nos muros deles, um monte de gente tirou foto super elogiando, inclusive os próprios policiais adoraram as artes e elogiaram dizendo que já tinham visto vários dos meus rolês pela cidade e que curtiam demais as artes! (sic)”.
Desde o início, os homens teriam abordado o grupo de grafiteiros liderados por Maia de maneira agressiva. “Hoje vivenciamos uma cena completamente constrangedora de preconceito e discriminação com a nossa arte, três caras brancos, super autoritários chegaram dizendo que iam apagar tudo, gritando e ofendendo na frente das crianças e da comunidade que frequenta ali. Várias pessoas, moradores e trabalhadores da calçada foram defender a gente, a galera que tava ali sentada e a galera que tava trampando foram até a gente dizendo que a nossa arte tava linda e disseram que inclusive tinha que ter mais arte ali pro provo! (sic)”.
Servidores da Segurança Pública que estavam no local teriam, inclusive, apoiado o trabalho de Thais Maia que é uma das referências nessas intervenções em espaços públicos na Capital sul-mato-grossense. “Até os policiais falaram para os caras que tava de boa que a arte era pra galera ali, afinal ali acontece muito evento cultural, de Hip Hop, de Zouk, de Forró, de Capoeira, tem feirinhas maravilhosas e a ideia era deixar tudo colorido e alegre pra galera! Mas os caras não só ofenderam a gente na frente de dezenas de pessoas, como também jogaram tinta no nosso mural! (sic)”.
Na continuidade do seu desabafo nas redes, a artista disse para seus seguidores guardarem uma imagem dos grafites na Orla, pois eles já haviam sido arrebentados pelo grupo de homens. “Pois é meu povo! Guardem essa arte na lembrança apenas, porque os caras arrebentaram nosso trabalho! Foram super machistas, o tempo todo gritando! Preconceituosos falando horrores inclusive do Hip Hop, eles simplesmente não aceitam os eventos da Cultura de Rua que acontecem ali! A Cultura de Rua VIVE e resiste! Tentam nos derrubar, mas a gente se ergue aos montes! Muita gente ama e vive a arte de rua, respeito é o mínimo! Os caras metendo o louco no nosso trabalho se achando os donos da rua. Tivemos que sair correndo de lá pq o barraco tava ficando cada vez pior! (sic)”, relatou.
A artista visual contou que vive há 13 anos como grafiteira na Capital e já passou por situações como essas diversas vezes. “Ser artista no Brasil é pra loucos. São 28 de vida respirando arte e vocês não fazem ideia do tanto de gente preconceituosa que já tentou me diminuir! Assim como eu, muitos artistas também já deixaram de comprar até comida para comprar material pra criar arte, conheço várias (os) sempre tentando fazer o nosso melhor, dentro do que a gente acredita! A arte nos cura, a arte salva cada um de nós, tanto quem faz quanto quem consome e ama. Tô exausta, não só das muitas horas de pintura como das coisas horríveis e vergonhosas que nós tivemos que enfrentar hoje. Amanhã eu venho falar melhor sobre isso. Defendam a Cultura de Rua! Defendam os artistas com unhas e dentes! Arte não é só o que você gosta, cultura não é só o que você gosta! Respeitem as diferenças e não se calem diante da opressão e da injustiça! (sic)”, protestou.
OUTRO LADO
Um dos protagonistas de interferir e apagar a obra de Thais foi Eduardo Cabral. Ele se diz fotógrafo e é assíduo frequentador da Câmara de Vereadores, amigo de políticos como Adriane Lopes (atual prefeita) e Marquinhos Trad (ex-prefeito) e do vereador Beto Avelar (PSD),presidente da Comissão de Agropecuária e do Agronegócio da Câmara Municipal de Campo Grande.
Na rede social, Cabral também gosta de externar sua admiração pelo ex-presidente extremista de direita, Jair Bolsonaro (inimigo declarado dos artistas brasileiros).
Ao TeatrineTV, Cabral garantiu que vai acionar emissoras de televisão de Campo Grande para fazer sua defesa e divulgar um mutirão que pretende fazer no sábado (3.fev.24), onde farão novas demãos de pinturas sobre os grafites de Maia. “Já avisei o pessoal, vou chamar o SBT, TV Morena para dar meu lado e convidar pra um multirão de pintura de novo lá. Eu sou presidente do Bairro Cabreúva há quase 5 anos. Nós temos autorização da Sectur para fazer um mural do Azulejo bem no local onde eles pintaram, de lá vamos sair com um mural do trem do Pantanal. É um local onde estava recém-pintado pela reforma da Orla. Eu sinto muito, isso não é arte, isso é invasão!”, disse.
Cabral garantiu que iria até uma Delegacia da Capital registrar um boletim de ocorrência. “Vou à Depac para fazer um boletim de ocorrência. Vou pedir respostas sobre isso, porque não está correto”.
Questionado sobre a denúncia de que ele os demais homens teriam sido agressivos com Thais Maia e seu grupo, Cabral se exaltou. “Ela que mostre a agressão que ela sofreu. Eles são muito petulantes. Primeiramente eu avisei: vocês tem autorização! Aí eles continuaram... Eu sou um senhor de 60 anos e não vou ficar discutindo com eles. No dia que nós fizemos um mutirão para plantar grama e limpar, ninguém deles apareceu. Agora chegam lá, jogam tinta na grama, picham tudo sem autorização; vamos fazer tudo diante da Lei, não tem autorização é pichação! Não é arte”, argumentou.
Novamente perguntado se acreditava que tinha feito ofensas machistas contra Thais ou não, Cabral finalizou desconversando. “A lei é essa: não pode sair pintando patrimônio público. Eles foram lá e pintaram. Agora, se você quiser alguma resposta, não vou ficar cedendo entrevista por telefone. Você vai com a sua equipe lá na Orla, nós reunimos o pessoal da associação, tchau”.
A reportagem não conseguiu, até a publicação deste conteúdo, falar com Francisco (o Chico) e nem com o advogado do Procon (MS) e professor, Munir Sayeg, para ouvir o depoimento deles sobre o episódio. O espaço segue aberto para futuros posicionamentos.