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MOSTRA PRETA

À força, artistas e ativistas abrem potente janela cultural na Capital

Mostra reverberou, mais uma vez, que existem e resistem muitos artistas pretos e pretas produzindo sem conseguir visibilidade em espaços públicos para suas obras

30 NOV 2023 • POR TERO QUEIROZ • 23h44
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(28.nov.23) - Artistas e ativistas pretos se reunem na sacada do MIS para celebrar a realização da Mostra Preta. Foto: Tero Queiroz

Aconteceu na terça-feira (28 de novembro), na sacada do Museu da Imagem e do Som (MIS), no 3º andar do prédio da Fundação de Cultura de Mato Grosso do Sul (FCMS), um evento para celebrar a Mostra Preta. A noite cultural contou com apresentações musicais e confraternização entre intelectuais, artistas e ativistas do movimento negro campo-grandense.

Como mostramos aqui no TeatrineTV, a Mostra Preta teve início em 7 de novembro e encerramento na 5ª feira (30.nov), oportunizando espaço para exposições fotográficas, exposição de telas, filmes e debates com artistas e realizadores negros.

As idealizadoras, Mariane Lopes e Lua Maria, disseram que a Mostra contou com parcerias do Museu da Imagem e do Som e do Coletivo Enegrecer. Elas vibravam com o momento, apesar de movimento não ter obtido qualquer apoio financeiro ou estrutural por parte da Fundação de Cultura. Portanto, nenhum dos artistas foram remunerados.  

(28.nov.23) - As idealizadoras da Mostra Preta, Mariane Lopes e Lua Maria. Foto: Tero Queiroz

O fato de não ter apoio do poder público, entretanto, não foi impeditivo para que se abrisse uma enorme janela para artistas pretos da Capital. "Esse evento surgiu de maneira autônoma, junto com minha amiga Mariane Lopes. Conseguimos o apoio do Coletivo Enegrecer, do qual faço parte, um coletivo de artistas pretos daqui de Campo Grande, e do MIS, por meio do Alexandre, que apoiou e abraçou a ideia de estarmos realizando uma Mostra Preta aqui no MIS", introduziu Lua.

Durante o evento, cineastas da cidade apresentaram suas produções, todas em uma perspectiva racial e de guerrilha. “Cinematografia, produção periférica, preta, com bate papo, de forma gratuita, pra galera só colar, foi assim! Também teve mostra de artes visuais, junto do Coletivo Enegrecer, e mostra de fotografia, que a gente deu o nome de ‘Olhares Negros’, porque também trazia fotógrafos pretos aqui de Campo Grande”, esclareceu.

 
 
 
 
 
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A mostra reverberou, mais uma vez, que existem e resistem muitos artistas pretos e pretas, produzindo sem conseguir visibilidade em espaços públicos para suas obras. “A gente precisa desses espaços que acolham ideias e produções pretas, principalmente independentes e de guerrilha. O Mostra Preta é um encontro que dialoga diferentes expressões artísticas através de artistas pretos regionais, então nesse mês tivemos toda terça-feira, aqui no MIS, a mostra audiovisual de cineastas pretos aqui de Campo Grande. Temos muitas ótimas produções que estiveram aqui, que precisam ser mais vistas”.

(28.nov.23) - Encontro de agentes culturais negros na sacada do MIS. Foto: Tero Queiroz(28.nov.23) - Encontro de agentes culturais negros na sacada do MIS. Foto: Tero Queiroz

Lua sustentou que um dos principais objetivos da Mostra foi alcançado: promover encontros e diálogos de diferentes expressões artísticas, de diferentes profissionais e agentes culturais, com acesso facilitado à população. A produtora ainda destacou a importância de oferecer janela para produções audiovisuais locais que mostrem as realidades periféricas da Capital. “A gente trouxe um curta para ser exibido hoje [28.nov], que é de uma profissional do audiovisual, a Thauany, que chama ‘Da Margem ao Centro' e ela mostrou a realidade da comunidade das Moreninhas, que é onde atua, é nascida e criada, mostrando a perspectiva de vivência na comunidade, também nessa questão arquitetônica”, disse.

Para Lua, um dos desafios da Mostra é conseguir ampliar o alcance às regiões da cidade. “Ao invés de a gente fazer com que jovens periféricos colem pra cá, o que às vezes não acontece porque são várias questões que nos atravessam, de locomoção, questões financeiras. Então precisamos levar até eles, porque a ideia de mostras como essas é serem realizadas para que elas permitam esse acesso, diálogo e troca de jovens periféricos. Então, não é só trazer a periferia pra cá, mas também levar mostras culturais à periferia”.

LIGAÇÃO NECESSÁRIA (FORÇADA)

(28.nov.23) - Mariane Lopes disse que a ligação com o poder público, quando se trata da pauta negra e periférica, precisa ser forçada. Foto: Tero Queiroz(28.nov.23) - Mariane Lopes disse que a ligação com o poder público, quando se trata da pauta negra e periférica, precisa ser forçada. Foto: Tero Queiroz

Outra idealizadora da Mostra, Mariane Lopes, revelou que está descobrindo quais são os caminhos para estimular e fortalecer a presença de artistas negros em espaços públicos, que muitas vezes não são reconhecidos como pertencentes a todos. “Eu tô descobrindo, porque eu mesma sou da periferia, morei e moro em bairro periférico e eu tive que vir até a Fundação, a arte não veio até a mim, eu que fui até ela. Eu acho que a gente falha em relação a isso todos os dias e faz com que eu venha aqui e juntamente com o Enegrecer e com o MIS eu componha um evento que ocupe esse espaço, mas eu tô descobrindo como ocupar esse espaço e trazer os meus, mas a partir do momento que eu consigo eu acho que já tô fazendo essa ligação. A periferia, a favela, as comunidades que não têm acesso a Museu”.

Na opinião da organizadora, a ocupação realizada pela Mostra estimulará outros agentes culturais negros a ocuparem mais os espaços públicos. “Porque eu sou essa pessoa periférica, eu sou um corpo político, um corpo preto e aí eu faço essa ligação e eles conhecem esse espaço, mas acredito que é uma ligação que tem que partir de ambos. Da favela com quem gere a cultura no estado, porque quem gere a cultura no estado parece não querer fazer essa ligação acontecer, mas é necessário”.

(28.nov.23) - Sarau acontece na sacada do MIS em celebração a Mostra Preta. Foto: Tero Queiroz(28.nov.23) - Sarau acontece na sacada do MIS em celebração a Mostra Preta. Foto: Tero Queiroz

Mariane falou que sua motivação para a realização da Mostra é que o público e artistas estão gritando para que ela exista. “Tem gente querendo essa ligação. A comunidade, o povo preto, o povo que faz arte de guerrilha, o povo que não sabe se inscrever em um edital, o povo que não sabe onde buscar esse conhecimento que o povo tem na mão, me motiva. Me motiva exibir um documentário que tem uma comunidade que é marginalizada, isso me motiva. E me motiva ver que tem pessoas que querem me prestigiar e prestigiar o projeto que estou criando, porque é valioso e isso me motiva a fazer mais, ocupar mais, de ter cultura pra todo mundo, pra preto, pra branco, pra LGBTQIA PN+, PCD, é inclusiva, é aberta”.

CINEMA PRETO DE GUERRILHA

(28.nov.23) - Felipe Lourenço exibiu produções cinematográficas e realizou debates durante a Mostra Preta. Foto: Tero Queiroz (28.nov.23) - Felipe Lourenço exibiu produções cinematográficas e realizou debates durante a Mostra Preta. Foto: Tero Queiroz 

Um dos cineastas que exibiu produções cinematográficas na Mostra Preta é Felipe Lourenço. Ele contou que apresentou seus primeiros filmes, na ideia de mostrar para o público a possibilidade de fazer produções audiovisuais com poucos ou mínimos investimentos. “Fiz basicamente uma decupagem das obras seguidas de debate e palestra pra gente entender essa estrutura de concepção audiovisual, que é quando você tem uma ideia na cabeça, tem vontade de fazer, mas não sabe por onde”.

Felipe explicou que sua trajetória, evolução técnica e questões de produção foram alguns dos assuntos abordados nos bate-papos com o público. Para o cineasta, a Mostra é uma janela excepcional para realizadores periféricos. “Do lugar que a gente parte, sendo preto, sendo periférico, dificilmente a gente tem acesso a alguma coisa. Tanto o acesso intelectual, quanto o acesso ao equipamento, a gente não tem isso”, anotou.

Para Felipe, a Mostra permite que muitos deem o primeiro passo em espaços muito disputados sem equidade. “É o primeiro passo para que a gente possa se inserir nesse espaço, porque raramente a gente tem essa oportunidade. Você só é alguém no audiovisual quando você tem uma obra, mesmo que ela seja ruim, mesmo estando fora dos padrões, você está começando, está entendendo como é que faz e se você quer começar, você tem que começar de algum ponto”.

(28.nov.23) - Felipe enalteceu a Mostra Preta como uma janela e um momento de fortalecimento dos artistas e movimento negro. Foto: Tero Queiroz(28.nov.23) - Felipe enalteceu a Mostra Preta como uma janela e um momento de fortalecimento dos artistas e movimento negro. Foto: Tero Queiroz

O cineasta apontou que a Mostra, além de ser uma janela, é um momento de reafirmação de unidade na busca por direitos iguais. “Faz você entender que não está sozinho, sozinha. Isso acontece em espaços como esse, que não deveriam acontecer só esse mês. Esse senso de comunidade, para aquisição de capital político é muito grande em espaços assim. São de reuniões como essa, de encontros como esses que nascem coisas maiores. Eu gostaria que isso pudesse acontecer não só aqui, mas em outros espaços ao longo do ano inteiro com essa mesma temática de produção a partir desse coletivo preto”.

AUTO RECONHECER-SE ARTISTA PRETO

(28.nov.23) - Euvitt criou uma tela durante o sarau em celebração da Mostra Preta. Foto: Tero Queiroz(28.nov.23) - Euvitt criou uma tela durante o sarau em celebração da Mostra Preta. Foto: Tero Queiroz

O artista visual Vitor Figueiredo, conhecido como Euvitt, de 29 anos, integrou a Mostra Preta, tendo realizado ao longo da festa de encerramento uma tela.

Num breve bate-papo com a reportagem, o artista apontou que não seria possível falar sobre sua obra, pois ela existe para ser contemplada e comentada por outras pessoas. Então, provocamos Euvitt a falar um pouco sobre sua carreira: “Eu venho do artesanato, de um projeto chamado projeto Amerê que coleta reciclagem, matéria orgânica dos terrenos baldios e transformam em luminárias, mas desenho? Desde moleque, desde criança!”.

Ainda que faça arte há tanto tempo, somente há apenas 3 anos ele passou a reconhecer-se como artista. “Demorou, demorou muito para eu me reconhecer artista. 27 anos, né? Vou fazer 30, mês que vem. É uma luta dobrada pra nós, tá ligado? Não acreditava muito e tinha uma falta de espaço pra nós, tudo isso influenciou, eu acho”.

(28.nov.23) - Euvitt celebrou a realização da Mostra Preta. Foto: Tero Queiroz(28.nov.23) - Euvitt celebrou a realização da Mostra Preta. Foto: Tero Queiroz

No período em atividade, Euvitt aprendeu uma lição que considera valiosa para ele como artista. “Nesses anos eu entendi que a gente não pode depender só disso, mas a maior dificuldade que temos aqui é espaço e investimento. Todo mundo sente, mas a gente sente mais, já nascemos nessa fita, mas é punho cerrado e vamos pra cima”.

Para ele, a ideia de se fazer ocupações é urgente e política. “A ideia é sempre ocupar e pensar pra frente. Vamos fazer acontecer e mostrar que existe uma cena preta aqui em Campo Grande e o Coletivo Enegrecer é isso, o primeiro coletivo de pessoas pretas do estado, que tá fazendo acontecer”.

APROXIMAÇÃO COM O MIS (FUNDAÇÃO?)

(28.nov.23) - Alexandre Sogab, servidor público à frente do Museu da Imagem e do Som de Mato Grosso do Sul. Foto: Tero Queiroz(28.nov.23) - Alexandre Sogabe, servidor público à frente do Museu da Imagem e do Som de Mato Grosso do Sul. Foto: Tero Queiroz

O servidor público de carreira Alexandre Sogabe, hoje à frente do MIS, celebrou a aproximação dos intelectuais, artistas e ativistas negros com o Museu da Imagem e do Som.  

“A ideia para esse evento surgiu em maio, quando a gente recebeu uma mostra de um coletivo de artes visuais, que foi uma mostra muito legal. A Érica [Pedraza], que é uma das artistas que estava expondo, me procurou para agendar uma exposição, mas como a gente já tinha uma agenda de compromissos, eu pensei que de repente a gente pudesse lançar em novembro, no mês da Consciência Negra. Aí o  que era para ser uma exposição foi se desdobrando em mostra de artes visuais, de fotografia, de audiovisual e hoje, nesse sarau que foi maravilhoso”, contou Sogabe.

O servidor avaliou que a Mostra oportunizou, além de espaço para artistas, também uma aproximação. “Eu acho que foi uma aproximação institucional entre a Fundação de Cultura, o Museu da Imagem e do Som e um coletivo de artistas, da militância e eu acho muito importante, estou muito feliz e satisfeito com esse resultado, eu acho que a gente está vivendo um momento em que a FCMS tenta se aproximar das pessoas, dos artistas, e eu acho que essa aproximação vai render muitos frutos”.

(28.nov.23) - Artistas cantam durante sarau na sacada do MIS. Foto: Tero Queiroz(28.nov.23) - Artistas cantam durante sarau na sacada do MIS. Foto: Tero Queiroz

Ao longo da Mostra, segundo Sogabe, estima-se que passaram cerca de 500 visitantes pelas exposições e filmes. Ele considerou que a adesão foi baixa devido a conflito de agendas com outras ações culturais. “A gente teve uma adesão um pouco baixa, acho que algumas coisas interferiram na divulgação, uma delas foi que a gente teve grandes eventos da FCMS que acabaram sobrepondo sobre o calendário de divulgação. Por exemplo, quando a gente fez a primeira mostra, foi ao mesmo tempo em que estava acontecendo em Corumbá o festival e na semana seguinte a gente competiu com Criolo também, que tava aqui pra fazer o show no Parque das Nações e isso acabou atrapalhando a nossa divulgação”, observou.

Em todo caso, Sogabe considerou a Mostra como exitosa. “Foi muito positiva, porque a  comunidade compareceu ao Museu da Imagem e do Som. Vários artistas negros que não conheciam o Museu e agora já criam essa familiaridade e é o primeiro passo pra gente desenvolver mais coisas. Eu já falei pra Mariane, que a gente é parceiro e que a gente  pretende ao longo do ano, ir produzindo eventos”, finalizou.  

Veja a galeria do sarau da Mostra Preta:  

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