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Cineclube

Cineclube 'renasce' com filme incendiado no Teatro Glauce Rocha

Cineclube Campo Grande foi reinaugurado no Teatro do Mundo com exibição do primeiro longa-metragem de ficção rodado na Capital

19 OUT 2023 • POR • 00h20
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Dezenas de apaixonados por cinema compareceram à sessão inaugural do Cineclube Campo Grande no Teatro do Mundo, às 19h15 da 6ª feira (28.set.23).

Na ocasião, na sala de apresentações, foi exibido o filme ‘Alma do Brasil’ – o primeiro longa-metragem de ficção rodado em Campo Grande (MS), possível  de ser assistido. “Além desse, há o Paralelos Trágicos, que seria o primeiro filme de ficção realmente, mas o Paralelos não existe uma cópia preservada para a exibição”, explicou o cineasta Joel Pizzini, que exibiu na mesma noite o documentário ‘Alma em Revista’, que realizou sobre os bastidores do filme ficcional.

ALMA DO BRASIL

(28.set.23) - Filme

(28.set.23) - Filme "Alma do Brasil", a 1ª obra de ficcional possível de ser assistida, filmada em 1932 em Campo Grande. Foto: Tero Queiroz (imagem da sessão)

A produção cinematográfica ficcional foi a estreia do paulista radicado paraense Líbero Luxardo na direção de um longa-metragem em parceria com Alexandre Wulfes em 1932. A obra narra o episódio da retirada de Laguna na Guerra do Paraguai.

O enredo não-linear inicia mostrando os militares visitando o cemitério dos heróis da batalha. Em seguida, um flashback mostra as adversidades por que passaram as forças brasileiras naquela estratégica retirada. "Alma do Brasil" foi o primeiro filme nacional de reconstituição histórica inteiramente sonorizado.

(28.set.23) - Imagem do documentário 'Alma em Revista' mostra Líbero Luxardo dirigindo cena do ficcional 'Alma do Brasil'. Foto: Tero Queiroz (imagem da sessão)

(28.set.23) - Imagem do documentário 'Alma em Revista' mostra Líbero Luxardo dirigindo cena do ficcional 'Alma do Brasil'. Foto: Tero Queiroz (imagem da sessão)

A paisagem do então Mato Grosso foi o cenário para a reconstrução do episódio da Retirada de Laguna, que ocorreu em 1867. Na narrativa, os oficiais militares visitam o túmulo do Cel. Carlos de Morais Camisão e homenageiam as pessoas envolvidas no episódio. Durante a visita, há uma reconstituição da caminhada dos retirantes, que enfrentaram desafios como doenças, incêndios e ataques de soldados. O episódio termina com a morte dos retirantes e a homenagem dos oficiais no quartel militar. “O filme era uma patriotada, cavação (feito com apoio da Ditadura). Era uma espécie de homenagem, que acabou tendo um apuro técnico e várias controvérsias históricas”, considerou Pizzini.

(28.set.23) - Joel Pizzini exibe filme na inauguração do  Cineclube Campo Grande. Foto: Tero Queiroz

(28.set.23) - Joel Pizzini exibe filme na inauguração do Cineclube Campo Grande. Foto: Tero Queiroz

Daniel Ignácio de Souza e Octaviano Ignácio de Souza, que atuavam no teatro amador campo-grandense, participaram das filmagens do Alma do Brasil. Os personagens centrais foram representados pelos atores Egon Adolfo e Conceição Ferreira. Algumas cenas do filme foram rodadas na fazenda Cerradinho, de Manuel Inácio de Sousa, onde hoje é o atual bairro Cerradinho, local que, aliás, foram instalados o aeroporto e a Base Aérea de Campo Grande.

O filme foi exibido, primeiramente, na cidade do Rio de Janeiro, em 6 de agosto de 1932, no cine Eldorado, depois foi a vez de São Paulo, Lisboa – Portugal –, Manaus e Belo Horizonte.

GUIZZO, PIZZINI E ‘ALMAS’

(28.set.23) - Joel Pizzini comenta 'Alma em Revista' na inauguração do Cine Clube Campo Grande. Foto: Tero Queiroz

(28.set.23) - Joel Pizzini comenta 'Alma em Revista' na inauguração do Cineclube Campo Grande. Foto: Tero Queiroz

Pizzini contou que a exibição do filme em Campo Grande quase ocorreu no final da década de 50, graças ao empenho do músico, radialista, jurista e ex-servidor público, José Octávio Guizzo (Campo Grande, 1938 — 20 de novembro de 1989). “Ele tinha estudado em Curitiba [em 1955], onde ele conheceu o Sylvio Back, que foi colega dele lá. E o Sylvio estava preparando um filme sobre a guerra do Paraguai, no qual eu trabalhei como assistente de direção e pesquisador. E naquele momento, o Guizzo se empenhou pessoalmente na restauração do ‘Alma do Brasil’. Como era um filme rodado aqui, ele foi lá pelo Centro de Pesquisadores e chamou a atenção: olha, esse filme precisa ser restaurado! E o filme foi restaurado pela Cinemateca Brasileira e na época, pela Fundação de Cultura, ele conseguiu comprar uma cópia em 35 milímetros”, lembrou.

(28.set.23) - José Octávio Guizzo em entrevista ao filme 'Alma em Revista'. Foto: Tero Queiroz (imagem da sessão)

(28.set.23) - José Octávio Guizzo em entrevista ao filme 'Alma em Revista'. Foto: Tero Queiroz (imagem da sessão)

Depois de conseguir a cópia restaurada, Guizzo iria fazer uma pré-estreia rápida no Teatro Glauce Rocha. Na época, no entanto, o governo de Wilson Martins decidiu fazer um evento maior para lançamento do filme e realizar um documentário para homenagear os atores que participaram, incluindo a atriz portuguesa Conceição Ferreira.

(28.set.23) -  Atriz Conceição Ferreira em entrevista ao filme 'Alma em Revista'. Foto: Tero Queiroz (imagem da sessão)

(28.set.23) - Atriz Conceição Ferreira em entrevista ao filme 'Alma em Revista'. Foto: Tero Queiroz (imagem da sessão)

Com isso, a jornalista Sandra Menezes, que trabalhava na COGECOM (extinto órgão de comunicação do governo), solicitou a ajuda de Pizzini, que havia estudado jornalismo e cinema em Curitiba e participava de um movimento de Cineclubes liderado por Celso Arakaki em Campo Grande.

(28.set.23) - Celso Arakaki e Joel Pizzini durante retomada do Cine Clube Campo Grande. Foto: Tero Queiroz

(28.set.23) - Celso Arakaki e Joel Pizzini durante retomada do Cineclube Campo Grande. Foto: Tero Queiroz

“A Sandra Menezes me procurou e fiz um roteiro, fomos procurar essas pessoas, elenco, produção do filme. Chamamos o Alci Costa Leite para a Câmera e fizemos uma coisa muito quixotesca, não tínhamos ainda o domínio da linguagem, mas queríamos sair um pouco do ideal do documentário. Aí, eu sugeri o Emanuel Marinho como narrador, ele tinha coisa do poeta público. E o chamamos para fazer essa narração do filme”, detalhou Pizzini, revelando que assim surgiu o documentário ‘Alma em Revista’.

(28.set.23) - Joel fala sobre surgimento do documentário 'Alma em Revista'. Foto: Tero Queiroz

(28.set.23) - Joel fala sobre surgimento do documentário 'Alma em Revista'. Foto: Tero Queiroz

De acordo com Pizzini, à época da gravação, ocorreram até mesmo prisões de membros da equipe que passaram filmando a fachada do quartel no Centro da Capital sem autorização formal. Mas ainda assim, a equipe conseguiu filmar e finalizar o documentário a tempo de uma grande estreia que teria a exibição do documentário e do longa-metragem de ficção.    

(28.set.23) - Multiartista Emanuel Marinho narra documentário 'Alma em Revista'. Foto: Tero Queiroz (imagem da sessão)

Então, enfim chegou o dia da pré-estreia organizada pelo governo, no mesmo Teatro Glauce Rocha, mas algo surpreendente estava por vir.  “O projetor lá do Glauce Rocha era à carvão, muito primitivo… Reuniram todas as autoridades lá: o governador, veio Deloá de Oliveira de São Paulo; o Diogo que era da Federação de Cineclubes. E aí reuniu todo mundo e a gente exibiu primeiro ‘Alma em Revista’, passou, todo mundo animado, gerou aquela curiosidade imensa. Todo mundo louco para ver o ‘Alma do Brasil’. E daí, o Guizzo colocou a cópia lá 35 milímetros no projetor à carvão, em 10 minutos de filme, começou a pegar fogo na tela, levantou aquela chama e o filme não passou. E essa lenda continuou, porque o filme só tinha aquela cópia e o filme ficou anos sem existir e o pessoal só ficou com a memória do ‘Alma em Revista’”, recordou Pizzini.

A versão exibida no Cineclube Teatro do Mundo, já é outra restauração que saiu em VHS e atualmente está disponível no YouTube. Eis:

https://youtu.be/Njj1UfLpXyM

O CINECLUBE NO TEATRO DO MUNDO

(28.set.23) - Fernando Lopes fala aos cineclubistas no Teatro do Mundo, no Centro da Capital sul-mato-grossense. Foto: Tero Queiroz

(28.set.23) - Fernando Lopes fala aos cineclubistas no Teatro do Mundo, no Centro da Capital sul-mato-grossense. Foto: Tero Queiroz

Fernando Lopes, um dos gestores e fundador do Teatro do Mundo, disse que a ideia é que o Cineclube funcione toda última 5ª feira de cada mês. “Estamos nos organizando para isso, buscando filmes que estão fora do circuito e que tenham alguma relevância – estética e histórica”, esclareceu.

(28.set.23) - Fernando Lopes debate na reinauguração do Cineclube Campo Grande. Foto: Tero Queiroz

(28.set.23) - Fernando Lopes debate na reinauguração do Cineclube Campo Grande. Foto: Tero Queiroz

Conforme Lopes, o espaço do Cineclube é também uma sala de cinema de rua, que pretende ser uma alternativa para os amantes da 7ª arte. “Estamos fazendo a curadoria do próximo filme. Provavelmente um filme superinteressante, sobre o São João de Corumbá. Mas, para além do Cineclube, nossa salinha de cinema, nosso cinema de bolso, vai servir de palco para que os produtores possam exibir seus filmes, fazer lançamentos, festivais etc".

O gestor do Teatro do Mundo ainda anunciou que em breve serão exibidas produções inéditas no Cineclube. “A Lu Bigatão vai lançar seu novo filme com a gente e faremos um festival Joel Pizzini. Aguardem”, concluiu.  

(28.set.23) - Joel, a filha de José Octávio Guizzo, Daniela Guizzo, Celso Arakaki e cineclubistas. Foto: Tero Queiroz

(28.set.23) - Joel, a filha de José Octávio Guizzo, Daniela Guizzo, Celso Arakaki. Foto: Tero Queiroz

Após a exibição dos filmes, também ocorreu um bate-papo entre Joel, a filha de José Octávio Guizzo, Daniela Guizzo, Celso Arakaki e cineclubistas. Veja a galeria de imagens da retomada do Cine Campo Grande:

(Fotos: Tero Queiroz)