Galpão parece ‘mecânica’, mas abriga um dos maiores grupos de teatro do estado
Durante 20 anos grupo esteve na região central da Capital
21 MAR 2023 • POR • 12h15Na tarde da 2ª.feira (27.02.23), a equipe de reportagem do TeatrineTV deslocou-se até um prédio na Rua Trindade, nº 401, no Jardim Paulista em Campo Grande (MS), onde um entre e sai de veículos chamava a atenção da população. Comentavam na vizinhança que um grupo de teatro tinha alugado o local.
O prédio em cor verde e bege, com um portão que se dobra no meio, aparentava ser um galpão de oficina mecânica. Lá dentro, diversas caixas amontoadas em prateleiras se misturavam a sacos de materiais de construção.
Batemos palma e... (silêncio). Então, fomos entrando até uma recepção, onde a produtora cultural e atriz, Fernanda Kunzler conversava com a produtora e diretora Lú Bigattão. Ao chegarmos na porta, fomos notados: “Oi, tudo bem? Só um pouquinho, tá! Se quiserem, podem entrar e ir olhando. Fica à vontade! Estamos terminando um assunto aqui e já falo com vocês (sic)”, disse Fernanda.
Com o aval, adentramos o espaço em franca transformação. Nas prateleiras, encaixotados cuidadosamente, havia dezenas de luzes usadas na iluminação de peças de teatro.
[Best_Wordpress_Gallery id="26" gal_title="TGR EM TRANSFORMAÇÃO"]Logo à esquerda, num canto, havia uma geladeira, mesa, pia e um fogão. O cantinho foi destinado à cozinha do grupo de teatro.
Voltando para a direita, mais à frente, um cômodo com armários estava sendo ocupado por fantoches e figurinos de diversas cores e estilos.
Virando para a esquerda, novamente, havia uma arquibancada, onde ventiladores e fios estavam depositados.
A estrutura de assentos, estava voltada para um espaço quase vazio, visto que havia apenas uma cadeira azul estofada e uma moldura de espelho no ambiente.
Fernanda vinha se aproximando... “Então, estamos organizando as coisas aqui ainda. Não repara a bagunça! Os meninos estão ensaiando a peça nova do grupo, eles estavam aqui mais cedo. Essa cadeira azul e o negócio de espelho é da peça nova que vamos estrear em breve”, esclareceu.
Fernanda é uma das gestoras do Teatral Grupo de Risco (TGR), que durante 20 anos esteve localizado na Rua José Antônio, no Bairro São Francisco, no Centro da Capital. Neste ano, porém, o grupo de teatro precisou deixar o local central. “Lá foi a primeira sede do Teatral. Nós fomos para lá em janeiro de 2002 e saímos de lá no começo desse ano, porque foi solicitado pelo proprietário, porque lá era alugado”, explicou.
Assim como o 1º, esse segundo local em que o grupo de teatro está se instalando, também é alugado. “Temos um contrato de 3 anos aqui e estamos fazendo as alterações para adaptar o espaço para um local de produção teatral. Estamos na função de trazer todas as coisas, a história inteira do grupo. São 35 anos de história que temos que trazer para cá. Nisso, há figurinos, adereços, materiais de iluminação, entre outras coisas”, detalhou.
Enquanto conversávamos com Fernanda, chegou o técnico Sirlei Sanches. “Podemos olhar ali para ver o quê vai precisar?”, indagou ele. “Acho que sim! Tudo bem para vocês do jornal? Podemos ir falando enquanto vou mostrando para ele como vai ser o esquema de luzes lá no palco. Pode ser?”, equalizou Fernanda.
A reportagem, então, passou a acompanhar Sirlei e Fernanda. Eles falavam sobre a instalação de estruturas para suporte de iluminação. Sirlei, que além de técnico é um dos apoiadores do TGR, logo externou a satisfação com o novo espaço do grupo de teatro. “Aqui é bem maior, Fernanda. Nossa, um espaço muito bacana. Dá muitas possibilidades”, observou sorrindo.
Sirlei já concluía suas demandas para instalação, quando de saída, deixou seu comentário positivo sobre a iniciativa do TGR. “Eu fico entusiasmado com gente como vocês do TGR, gente como você, Fernanda. Não é só ficar esperando vir do governo. Mete a cara, produção própria. A gente tem que acreditar na gente! Eu quando voltei a estudar, o pessoal veio falar: Sirlei, mas você vai estudar para quê? Você é um cara com 62 anos, vai estudar para quê? Eu tenho foco! Eu com 62 anos de idade, agora em junho concluo a minha faculdade de Engenharia Elétrica. Eu tenho 3 faculdades e acho pouco, quero mais! Eu não consigo ficar te olhando e não poder fazer nada para você... Então, assim, quando a gente vê gente como vocês investindo de verdade na arte, sabe? A gente acredita! Eu falo que esse espaço aqui já deu certo. Tem muita gente que precisa de um espaço alternativo e não tem. Você pode locar, enfim, tem muitas possibilidades”, opinou Sirley. Na sequência, ele se despediu de Fernanda e saiu.
Voltamos a falar com Fernanda. Ela revelou que ao escolherem o barracão no Jardim Paulista, logo notou que não havia nos arredores nenhum tipo de empreendimento de cunho cultural.
“Tem hotel, padaria, serralheria, mecânicas, tem de tudo menos teatro (risos)..., mas assim, em Campo Grande há poucos prédios artísticos, em que se produz arte. Há poucos prédios com essa destinação. Quando vimos esse barracão, notamos que era uma região em que onde não se tem nem perspectiva que se tivesse a possibilidade de ter um espaço de teatro, mas essa região aqui também é uma área de muitas residências, né? E, acredito que temos um público bom para explorar, chegaremos a pessoas que antes não chegávamos... Estamos próximo a universidade federal. Acho que vamos precisar de um trabalho in loco, de divulgação, talvez consigamos atrair um público novo para o teatro. É um desafio, mas é um desafio possível!”, considerou.
Para a produtora, outro desafio é a manutenção física do espaço. “Esse era um desafio lá no antigo local, mas aqui é mais caro o aluguel. A gente só trabalha com o teatro e precisamos manter esse espaço com nossas atividades culturais. Nós não temos garantias de recursos, financiamentos, nem do nosso trabalho que iremos receber no mês que vem. Porém, temos garra para manter nossas atividades”.
Fernanda lamentou não haver teatros públicos abertos em Campo Grande. Ela disse que, inclusive, o grupo de teatro já fez propostas à governança municipal e estadual de como essas instâncias poderiam apoiar iniciativas como a do TGR. “Uma vez o TGR fez uma proposta ao estado e ao município de se investir em espaços alternativos, já que os nossos teatros públicos estão todos fechados há anos. A proposta consistia em o estado e município oferecerem apoio exclusivo de manutenção mensal, que varia de 3 mil, 3,5 mil. Em troca desse investimento, o grupo faria todas as apresentações com entrada franca à comunidade, no que se refere aos projetos do grupo beneficente. Nos caberia gerenciar e agenda e espaço. Do ponto de vista jurídico e direitos públicos, o estado deveria tomar como um espaço público cultural de acesso à comunidade e investir nesses espaços. Porque temos poucos espaços. Se há um grupo tentando manter o espaço, por que o estado não pode auxiliar? O que delimita isso? Porque é direito cidadão e cidadã o acesso à cultura, à arte”, questionou Fernanda.
A produtora observou que, entretanto, os planejamentos orçamentários e editais públicos não oferecem apoio de manutenção estrutural. “É uma conquista nossa a questão que há um tipo de manutenção no edital público, mas não é ainda uma manutenção física, de aluguel e etc... O que precisamos buscar é manter essas casas culturais abertas”, apontou.
INAUGURAÇÃO E AGENDA
O TGR, apesar de estar em transformação, mantém as portas abertas à sociedade. Já as apresentações culturais, devem começar nesta semana. “Estamos querendo apresentar a peça 'Tesoura' até esse final de março, texto do Yago Garcia. Estamos trabalhando desde o ano passado nessa peça. Queríamos estrear abrindo o espaço, já queríamos estar abertos. Aliás, estamos abertos, mas ainda não está em condições de receber o público para uma apresentação cultural”, disse.
Conforme Fernanda, o grupo de teatro está com um cronograma que envolve diversos outros coletivos artísticos. Ela disse à reportagem que a população também pode contribuir de maneira ativa, na reinstalação do TGR. “Tem várias formas das pessoas colaborarem... Vamos abrir cursos de teatro para crianças e adultos. E estamos precisando de ajuda na questão prática do dia a dia. Temos apenas 7 pessoas no grupo, mas apenas 5 conseguem ajudar nesse carregamento de caixas etc.”, adicionou.
Além de Fernanda, atualmente, o TGR é comandado pela diretora-presidenta Roma Romã. E tem como integrantes, os artistas: Yago Garcia, Ewerton Goulart, Fábio Umeda e João Bosco. Há também Márcia Gomes, que é cenógrafa. Romilda Pizzani e ainda a apoiadora Tereza Pires. Além deles, o coletivo conta com o apoio e faz parcerias com Lú Bigattão.
Se alguém quiser colaborar com o espaço financeiramente, o coletivo ofereceu o endereço: Banco do Brasil, AG 2916-5 CC 24.535-6. Outra maneira de ajudar o grupo teatral é com doações de materiais de construção. Para isso, o interessado pode ir até o TGR verificar qual material poderá oferecer.
O PODER PÚLICO E OS ESPAÇOS CULTURAIS
O diretor-presidente da Fundação de Cultura de Mato Grosso do Sul (FCMS), Max Freitas, disse que o governo de Eduardo Riedel (PSDB), está apoiando o TGR na mudança para o novo local. "É um dos principais grupos em plena atividade no estado. O único mecanismo legal que temos para ajudar qualquer grupo em sua manutenção é o edital público", explicou.
Max adiantou com exclusividade ao TeatrineTV, que para dirimir a demanda de apoio do poder público aos espaços culturais, está tramitando no jurídico da Fundação de Cultura o edital MS Mais Cultura - Espaços Culturais. "É um edital destinado exclusivamente para espaço culturais, onde o governo vai contemplar 20 espaços culturais com R$ 10 mil e 20 espaços com R$ 6 mil. Sabemos que esse valor não resolve o problema dos coletivos, mas é o que nossa equipe na FCMS conseguiu, tendo como referência de valor o edital da Lei Aldir Blanc", revelou.
O investimento total deste edital será de R$ 320 mil. "Os grupos selecionados para o de R$ 10 mil vão dar como contrapartida uma oficina no espaço, mais a cedência de 20h do espaço para a Fundação. O de R$ 6 mil, a contrapartida é oficina, mais 10h de cedência do local", detalhou.
As inscrições deverão ser gratuitas e feitas exclusivamente por meio de preenchimento de formulário eletrônico específico, a ser disponibilizado no site da Fundação de Cultura de Mato Grosso do Sul.
Conforme o chefe da FCMS, o jurídico deve encerrar a análise do edital até o final deste mês. "Eu acredito que em dez dias seja publicado. E tem mais editais vindo, para dança, artesanato... Nosso mecanismo de apoio público é o edital", finalizou.
Atualização: A Secretaria de Cultura de Campo Grande (Sectur), se manifestou nesta 4ª.feira (22.mar.23). Eis:
“Realmente, concordamos que espaços públicos para apresentações das artes cênicas estão em falta em nossa cidade, mas estamos procurando resolver. Temos inaugurado em belo teatro no Jardim Noroeste, com capacidade para 200 lugares, um palco grande, iluminação profissional e neste momento sendo instalado no local uma aparelhagem de som”, introduziu o Superintendente de Cultura, da Secretaria Municipal de Cultura e Turismo (SECTUR), Roberto Figueiredo.
Ainda segundo o técnico, um teatro semelhante ao do Jardim Noroeste, está sendo construído no Bairro Lageado com previsão de inauguração para setembro.
“Estes espaços estarão à disposição de nossos artistas sem custo (o do Jardim Noroeste em breve abriremos edital de utilização). E acabou de ser assinado, depois de muito tempo, o termo de serviço da reforma do Teatro Municipal do Paço ou Teatro José Octávio Guizzo”, disse Roberto.
O Superintendente aproveitou para destacar que a Lei de Fomento ao Teatro, no edital de 2021, que sofreu atraso, mas acabou de ser pago, destinou para o item de Manutenção de Espaços o valor de R$ 186 mil sendo contemplados o Teatro Casa Ltda com R$ 100 mil e o Teatral Grupo de Risco com R$ 86 mil. “Já estamos em diálogos para o lançamento do novo edital o mais rápido possível. Ouvindo os artistas por meio do Fórum e do Conselho Municipal de Cultura”, completou.