O termo “veado”, usado como insulto homofóbico, tem gerado muitas especulações ao longo dos anos.
Essas especulações começaram a ser desfeitas pelo jornalista e pesquisador Valmir Costa, em seu livro Repórter Eros: a história do jornalismo erótico brasileiro.
Costa, pernambucano graduado em Jornalismo pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), mestrado e doutorado em Ciências da Comunicação pela ECA/USP, mergulhou na pesquisa sobre a origem do termo.
Ele conta que muitas das teorias existentes eram infundadas. “Algumas, de tão absurdas, foram descartadas, como a ideia de que tinha influência no Bambi da Disney (1942)”, comenta.
Outras suposições, como a do termo ser derivado de “desviado” ou “transviado”, também não resistiram à pesquisa. “Essas explicações não se sustentaram, pois o bloco carnavalesco Caçadores de Veado, fundado em 1922, já usava o termo com conotação homofóbica”, observa o autor.
Costa também refutou a versão de que o termo estivesse ligado aos gays fugindo da polícia. “A expressão era corriqueira no século 19. Cabia a qualquer um que corresse rápido”, explica.
Além disso, ele descartou a ideia de que o veado fosse associado ao comportamento sexual dos animais. “Aí teríamos de buscar uma origem pré-histórica, não acha?”, brinca Costa.
Em sua busca por respostas, Costa investigou ainda a marca de cigarros Veado, popular no século XIX.
Especulava-se que a embalagem, com a imagem de um veado, fosse uma forma de associar o cigarro aos gays afeminados. “Descartei essa versão, mas continuei na pista da marca dos cigarros veado”, conta o autor.
Ao encontrar a foto do prédio onde eram fabricados os cigarros, com esculturas de veados nas fachadas, Costa fez uma suposição. “Suponho que gays usavam o local como ponto de encontro, sendo chamados de ‘veados’ por causa das esculturas”, explica.
No entanto, essa linha de investigação não se confirmou.
Costa foi mais fundo na história da fábrica de cigarros, fundada em 1873 por um imigrante. "Era um pequeno armazém de cigarros manufaturados do português José Francisco Corrêa, de 20 anos", informa Costa.
Corrêa fundou a Grande Manufatura de Fumos e Cigarros Marca Veado na Rua Sete de Setembro, no Rio de Janeiro.
Costa explica que o nome “veado” estava ligado à virilidade e destreza dos homens caçadores. “Vangloriavam-se pelo abate do bicho. Por ser veloz e saltitante, quem conseguisse abatê-lo, era bom de mira, de destreza. Era varonil”, detalha.
Mas, ao investigar mais profundamente, Costa descobriu que o termo “veado” também era utilizado como insulto para homens constantemente traídos. “Se era um simples corno, os chifres do touro bastavam. Se muito traído, só as galhadas do veado serviam”, esclarece.
Essa descoberta surgiu através do jornal moralista Corsário, fundado em 1880 por Apulcho de Castro, um jornalista que usava a publicação para denunciar corrupções e comportamentos imorais. “Foi uma grande surpresa. Achei engraçado. Veado é algo que assombra o machão há muito tempo”, comenta Costa.
Em sua pesquisa, Costa ainda descobriu que o termo pornografia, tão usado atualmente, entrou no vocabulário nacional através do Corsário. “Mas não tinha nada a ver com sexo. A palavra estava ligada à falta de ética em tratar temas polêmicos”, explica o autor.
Além disso, Costa encontrou uma referência ao termo veado em jornais da época, associando o cigarro à sexualidade de alguns homens. “Em 1888, um deles denunciava uma suposta depravação em torno da fábrica dos cigarros na Rua da Gamboa”, conta o autor.
Costa também encontrou referências ao nome de Corrêa, que usava a fotografia estereoscópica para ilustrar as embalagens de cigarro. “José Francisco Corrêa usava a inovadora tecnologia da fotografia estereoscópica, capturando imagens de nus masculinos e femininos”, revela Costa.
No entanto, ele ainda encontrou indícios de que rumores sobre a sexualidade de Corrêa começaram a circular com o escândalo de 1903.
No mesmo ano, o divórcio de Corrêa e o vazamento de rumores sobre sua vida pessoal alimentaram a associação entre o nome da fábrica e o termo “veado”. “Corrêa foi apelidado de ‘veado’. De forma depreciativa, o termo passou a se referir à sua homossexualidade, estendendo-se também a outros homossexuais”, acrescenta Costa.
O autor também traça um panorama mais amplo sobre a história do jornalismo erótico no Brasil em seu livro, explorando revistas como Ba-Ta-Clan, O Rio Nu, e outras publicações de sua época. “Com uma abordagem centrada em questões como machismo, feminismo, racismo, homofobia e LGBTQI+, o livro revela como essas publicações incitaram debates socioculturais e influenciaram comportamentos”, conclui o autor.
O livro Repórter Eros também analisa como as publicações desafiavam a censura e os tabus sobre moralidade e sexualidade, principalmente no século XIX e XX.
SERVIÇO
- Livro: Repórter Eros: a história do jornalismo erótico brasileiro
- Autor: Valmir Costa
- Editora: Cepe Editora
- Páginas: 696
- Preço: R$ 90,00 (impresso) / R$ 32,00 (e-book)