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DIA MUNDIAL DO LIVRO

'Eu leio mulheres. Tirei os homens da minha estante', diz Ligia Tristão Prieto

Em entrevista exclusiva, autora fala sobre infância, afeto, escuta sensível e o protagonismo feminino na literatura

Por TERO QUEIROZ • 23/04/2025 • 12:00
Imagem principal Ligia Tristão Prieto reúne poesia, teatro e cinema em trajetória diversa. Foto: Marithê Do Céu

Neste 23 de abril, Dia Mundial do Livro, o Brasil celebra suas histórias, autores e leitores. Entre os muitos nomes que movimentam a cena literária nacional, destaca-se o de Ligia Tristão Prieto, atriz, escritora, dramaturga, roteirista e pesquisadora nascida no Mato Grosso do Sul.

Sua produção literária atravessa gêneros e públicos, sempre com uma escrita sensível, potente e comprometida com temas como infância, afeto, coletividade e representatividade.

Ligia é autora de obras que encantam especialmente o público infantil, como Será que meu pé sabe?, A Borboleta mais velha do mundo, Dona Joaninha e o Eclipse Solar e A Ursinha Pelúcia — este último integrante da coleção Dramaturgias para Crianças Corajosas. Seus livros, reconhecidos por um olhar delicado e transformador, traduzem questões profundas da infância em narrativas criativas, acessíveis e afetivas.

'Decidi viver a literatura pelas mãos de mulheres', diz Lígia. Foto: Marithê do Céu'Decidi viver a literatura pelas mãos de mulheres', diz Ligia. Foto: Marithê do Céu

Além da escrita, Ligia desenvolveu uma metodologia autoral voltada à criação artística, chamada Escuta da Criação. A proposta surgiu de sua experiência como fundadora e diretora do Grupo Casa, e parte de jogos e práticas cênicas que auxiliam artistas a mergulharem em suas memórias e subjetividades, criando a partir de suas próprias verdades. Para Ligia, trata-se de uma escuta sensível, que permite acessar o outro e a si mesmo de forma mais autêntica. "Sou filha de poeta, aprendi com minha mãe a escutar o mundo, e ela segue em mim como uma saudade-arte que não canso de escrever e transbordar", afirma Prieto.

Mestranda em Artes da Cena e Mediação Cultural pelo Itaú Cultural e pela Escola Superior de Artes Célia Helena, Ligia foi reconhecida com o Prêmio Seu Agripino (2024), como Mestre do Saber em Teatro no Mato Grosso do Sul. Em 2021, seu nome passou a integrar a lista dos cem perfis da Dramaturgia Contemporânea Brasileira, organizada pelo Portal de Dramaturgia.

Sua produção é diversa: abrange da poesia ao roteiro cinematográfico, sempre em diálogo com o presente. Em seus processos criativos, Ligia distingue a solidão da poesia da coletividade do teatro: "Meu livro de poesia junta poesias da minha vida toda. Acredito que minha escrita fala mais da Ligia recheada de solidão. É um movimento mais solitário, que se compõe a partir de vazios imensos do lado de dentro", aponta. 

Lígia Prieto: 'Sonhar com a literatura é essencial para a vida'. Foto: Marithê do CéuLigia Prieto: 'Sonhar com a literatura é essencial para a vida'. Foto: Marithê do Céu

"Os roteiros e as dramaturgias já nascem um pouco mais preenchidos de rostos e corpos por eu viver rodeada de artistas incríveis, que me inspiram muito. Acho que isso acontece porque eu também sou diretora — se não fosse, talvez eu escrevesse sem pensar tanto no depois", acrescenta.  

Ligia também destaca a importância da criação coletiva como um processo transformador: "A criação coletiva é algo que me atravessa muito. A gente se mistura, se cura, se conecta, se cria — e cria o mundo ao mesmo tempo, a partir da partilha das existências e dos vazios. E não há nada mais bonito", defende. 

No cinema, escreveu os roteiros dos curtas Eleonora e Na Sombra da Chuva, já finalizados, e dos longas Quando a gente se encontrar e Calmaria, ambos em fase de pré-produção. Na dramaturgia, é autora de peças como Dom Casmurro (adaptação premiada), As Preciosas, Grandes Miudezas do Pantanal, A Menina e o Fim e Romanceiras da Cidade Grande. Ela criou o romance Bohemia e os livros de poesia O Prédio em Chamas e Mulher que sangra também ri — este último em fase de publicação pela Editora do Grupo Casa, criada por ela para fomentar autores independentes.

Algumas obras literárias escritas por Lígia Tristão Prieto. Foto: Marithê do CéuAlgumas obras literárias escritas por Ligia Tristão Prieto. Foto: Marithê do Céu

Sua obra é marcada por uma escrita feminista e voltada à representatividade: "Na maioria das minhas obras, as personagens são LGBTs. Todas as protagonistas são meninas ou mulheres. Minha escrita tem o objetivo de inverter o lugar comum de sempre, em que só existiam heróis homens e mulheres enquanto objetos. Nas minhas escritas, as mulheres ganham o mundo e são donas de si", revela.  

Em uma entrevista exclusiva, Ligia Tristão Prieto compartilhou com o TeatrineTV sua visão sobre a literatura, a criação artística e os temas que permeiam sua obra. A seguir, confira a entrevista em que ela revela sua profunda conexão com a arte e o processo criativo:

TEATRINETV: Sua obra se destaca por abordar temas como infância, afeto e representatividade. Como você acredita que esses elementos contribuem para a construção da identidade do leitor?

LIGIA TRISÃO PRIETO: "Acredito que a partir do afeto criamos liberdade para sermos quem somos. Quando eu componho a escrita a partir desse lugar, ao mesmo tempo em que me coloco em liberdade de ser quem sou enquanto escrevo, também convido quem me lê a viver esse movimento. Quando trago a importância da representatividade dentro da cena, também afirmo que podemos ser quem somos e ser quem quisermos ser, porque todas nós temos direitos de viver bem no mundo a partir de nós mesmas. Quando a gente pensa nessa estrutura para a infância, a gente empodera a criança, convidando-a a acreditar em si mesma, na sua própria imaginação, nos seus próprios sonhos, para que ela consiga de fato realizá-los". 

TTV: Em seus livros, personagens femininas e LGBTQ+ ocupam papéis centrais. Qual o impacto esperado ao dar o devido protagonismo a esses personagens na literatura?

LIGIA: "Vivemos num mundo em que todos os conceitos da arte foram criados por homens brancos, cisgêneros, heteronormativos. Eles sempre foram os heróis do mundo, um sistema de criação que sempre foi alimentado e também alimentou o patriarcado, excluindo todas as outras corpas da cena e da vida. Eu desejo com minha escrita que outras pessoas comecem a ocupar seus lugares de criação, que outras pessoas sejam heróis e heroínas também nessa vida. E acredito que quanto mais literaturas, histórias, peças, filmes, tivermos com esses olhares de criação, mais podemos pensar em novos conceitos de arte, em uma arte em que todo mundo exista, resultando assim numa vida real também possível. Enfim, acredito que escrevo com o propósito de que a partir da literatura a vida seja possível para todas as pessoas". 

TTV: Você mencionou que sua escrita é influenciada pela escuta sensível. Como essa abordagem se reflete na construção de suas narrativas?

LIGIA: "A vida se faz a partir de pessoas, historicidades, singularidades, sou apaixonada por gente, e uma curiosa dos detalhes da vida e dos acontecimentos de cada pessoa. Por exemplo, um dia uma amiga me contou que ela fingia a assinatura do seu pai na mercearia da esquina pra comprar doce fiado, essa cena simples vivida por uma menina de 8 anos me alucinou, rs. Fui ampliando essa cena e comecei a escrever Bohemia, meu primeiro romance, que ainda está em processo de escrita. Ou quando ouvi minha mãe contando que quando criança ela ganhava um saco de açúcar quando declamava uma poesia no botequim perto da casa dela, e daí nasceu Romanceiras da Cidade Grande. Acho que quando falo da escuta sensível é se abrir mesmo para escutar o mundo, e deixar que essas histórias, detalhes do cotidiano, encontros, te atravessem sem nenhum julgamento e sim com encantamento. Acho um pouco isso, me acho exageradamente encantada, às vezes é bem bonito, às vezes é tanto que até dá vertigem, rs (sic)".

TTV: Como você percebe o impacto de suas obras no público jovem e na formação de leitores críticos?

LIGIA: "Acredito que a minha escrita não tem um público fechado. Quando se torna um espetáculo, como a adaptação de Dom Casmurro, ou até mesmo a escrita de As Preciosas, que são duas obras que nascem de obras literárias já existentes, percebo que são os jovens que desejam mais retornar à obra original e entender o processo de criação. São mais curiosos, e acho que isso os instiga também a escrever, a enfrentar caminhos possíveis na criação. Penso nisso também pelos alunos do Grupo Casa. Temos, por exemplo, três adolescentes super animados na escrita de uma série, que estamos procurando apoios financeiros para que o sonho deles se realize. Eles viverem isso dentro de uma casa com artistas criadores faz com que o caminho para eles seja mais possível". 

TTV: Em suas obras, há uma busca por representar a diversidade humana. Quais desafios você enfrenta ao abordar temas complexos de forma acessível para crianças?

LIGIA: "Eu adoro pensar sobre isso. Existe uma ideia de que crianças não entendem nada, de que crianças não podem falar ou ter acesso a determinados assuntos. E acho isso bastante ilusório. Na minha escrita trago questões sobre morte, luto, amor, trago a diversidade pra cena, porque o mundo é diverso. Essas vivências atravessam também a infância e precisamos falar sobre elas, justamente para construirmos adultos mais conscientes e afetuosos. Acredito que ignorar determinados assuntos amplia a própria dor na infância sem necessidade, por exemplo, sobre a morte, ela pode perder a vó, o seu cachorro, a mãe, um amigo, ou podemos enfrentar momentos drásticos como a pandemia, que deixou mais de 113 mil crianças órfãs. Precisamos falar sobre as angústias vivenciadas na infância para podermos também curá-las, acolhê-las. A literatura para a infância também tem esse objetivo, de acolher a própria infância e as angústias vividas nesse período. Como, por exemplo, trago na dramaturgia já premiada A Borboleta Mais Velha do Mundo, que a pequena borboleta enfrenta a morte da mãe. É um enfrentamento. Nenhuma criança tá pronta pra isso, e nem nós adultos. Por isso, precisamos mergulhar com carinho nessas questões, fortalecendo as crianças diante de seus próprios sentimentos". 

TTV: Você desenvolveu a metodologia "Escuta da Criação" para auxiliar artistas a mergulharem em suas memórias e subjetividades. Como essa metodologia influencia sua própria escrita?

LÍGIA: "Ela é minha própria escrita. Eu escrevo personagens, em sua maioria mulheres e LGBTs, porque é de onde eu enfrento e olho para o mundo. Eu falo muito sobre a morte da mãe, porque depois que perdi a minha, escrevi muito mais do que antes, como se fosse uma tentativa infinita de preencher esse vazio imenso que ficou morando no meu peito. Eu falo sobre um pai ausente porque foi minha realidade, mesmo hoje tendo ele mais próximo do que antes. E acredito que essas vivências que marcam a minha vida também são universais: a perda, a saudade, a sensação de abandono, os enfrentamentos diante do patriarcado, os sofrimentos vivenciados enquanto uma mulher que desejava outra mulher, mas que foi criada para achar isso uma doença. Acredito que escrevo a partir de mim, e é exatamente nesse lugar que componho a Escuta da Criação. É uma construção consciente da criação a partir de quem se é".

TTV: Como a experiência de fundar e dirigir o Grupo Casa impactou sua abordagem na criação literária e na interação com outros artistas?

LIGIA: "Dirigir o Grupo Casa me faz concretizar os sonhos e partilhá-los. A gente recebe hoje dramaturgias e roteiros de pessoas que chegam até nós para montarmos suas obras, mas é impossível para nós, porque temos tantos projetos e criações de dentro do coletivo, que temos projetos para os próximos 10 anos. Cada vez mais, outras pessoas do coletivo também estão embarcando na criação e na escrita, como o Leonardo de Castro, o Leonardo de Medeiros, a Gabriella Thais, a Ana Serrou. E uma das coisas que entendi com isso é o tamanho do meu privilégio em escrever e montar, escrever e gravar, compor o caminho completo da obra, para que ela saia do papel para a tela, ou do papel para o palco. É um privilégio num estado que não entende a arte como uma profissão. O Casa me faz realizar meus sonhos e ainda faz com que todo mundo sonhe junto os sonhos uns dos outros. A literatura cria mundos novos, ou expande os que já existem. O Grupo Casa torna os mundos possíveis". 

TTV: Você transita entre diferentes formatos, como poesia, dramaturgia e cinema. Como cada um desses formatos contribui para a expressão de suas ideias e sentimentos?

LIGIA: "Eu amo essa fluidez. É a palavra e a vivência que escolhe o formato. Às vezes começo a escrever achando que vai ser uma peça, depois eu penso, 'gente, para tudo, essa história pede um filme', e daí tudo faz sentido. É divertido. Por exemplo, A Borboleta Mais Velha do Mundo está na pré-produção de um longa de animação. Ela funciona muito no teatro, mas está ficando irresistível, ainda mais somado aos traços do Rafael Mareco, que é o animador do coletivo. Mas também tenho a chance de misturar a escrita e compor construções híbridas, como por exemplo, A Menina e o Fim, que é um espetáculo de teatro inspirado na infância de Clarice e Elisa Lispector, mas que brinca o tempo todo com o cinema. As angústias maiores viram poesias, vêm na hora, são instantâneas, e quando elas insistem muito, a ficção entra para gastar as sensações. Eu acho que essa diversidade de escrita me alimenta também. Me faz querer escrever mais e mais. Aliás, estou numa fase em que meu desejo maior é da escrita. Isso tem me feito sentido, cada vez mais".

TTV: A literatura brasileira tem avançado na representação de diversas identidades. Como você avalia o papel da literatura infantil na promoção da inclusão e da diversidade?

LIGIA: "Na minha opinião, estamos vivendo um momento de revolução. Temos uma literatura hoje para a infância recheada de re-criações para subverter os lugares impostos socialmente pelo patriarcado. Hoje temos princesas livres, princesas que decidem os caminhos que querem viver dentro da trama, princesas que se interessam pelos estudos, e não ficam para sempre esperando o príncipe encantado chegar. Temos heroínas como meninas negras, como personagens neurodivergentes, e acredito nisso como uma ferramenta crucial para a inclusão e para uma vida mais possível para todas as pessoas. Eu não estou fazendo esse movimento sozinha na minha escrita, temos grandes escritoras reconstruindo as possibilidades da infância, como Janaina Tokitaka, Susana Ventura, Renata Mizhari, ou pensando aqui mesmo no MS, a Eva Vilma ou Jaceguara Dantas, mulheres que partilham suas próprias histórias e compõem um mundo novo para as que chegam agora. Temos uma responsabilidade imensa na escrita para as infâncias, e acredito que estamos vivenciando um momento de muita dignidade e alegria". 

TTV: Quais autores ou autoras contemporâneos você considera referências em sua escrita e por quê?

LIGIA: "Vou misturar um pouco, acho que tenho grandes referências, algumas contemporâneas e outras nem tanto assim, rs. Mas Judith Butler, Clarice Lispector, Hilda Hilst, Conceição Evaristo, Jaceguara Dantas, Simone de Beauvoir, Djamila Ribeiro, Bell Hooks, Jô Freitas, Elisa Lucinda, Elisa Lispector, Virginia Woolf, e muitas. Eu leio mulheres. Já tem uns anos que decidi na minha vida viver esse movimento. Eu não tinha quase nenhum livro escrito por mulheres na minha estante, e fiquei apavorada quando fui fazer essa avaliação das minhas próprias referências. Fui radical, tirei os homens da minha estante, e me aprofundei nas mulheres. Foi a melhor coisa que eu fiz".

TTV: Como você vê o papel da literatura na formação de uma sociedade mais empática e justa?

LIGIA: "Acredito na literatura e na arte em geral como nossas melhores armas revolucionárias. A literatura te leva para mundos possíveis, nos faz sonhar, nos faz pensar, nos faz avaliar nossa própria vida e escutar outras existências a partir da vida das personagens. E não se trata de manipulação, porque quando a escrita quer ensinar algo específico a alguém, ela entra num setor didático, e se afasta da arte em si. Ela existe para proporcionar o pensar. Acredito que toda obra de arte, quando nos deparamos com ela, faz um caminho de nos perguntarmos 'o que é isso?' que discorre para 'quem eu sou diante disso?', a literatura, para além do acolhimento e da empatia que ela nos propõe, ainda nos aciona um lugar fantástico da nossa imaginação, alimentando nossos sonhos. Sonhar é essencial para conseguirmos continuar acreditando na vida. Isso nos empodera diante do mundo e diante de si. Acredito que uma de nossas responsabilidades enquanto escritores é desejar que esse sonho seja sonhado também com responsabilidade social, e isso depende das histórias que desejamos contar, das lutas que desejamos lutar". 

TTV: Quanto às políticas públicas: elas têm chegado à literatura?

LIGIA: "Acredito que a literatura ainda tem um olhar mais possível entre todas as artes, inclusive, ações governamentais que levam livros para dentro das escolas, que pensam na distribuição de livros a partir de programas sociais, dando acesso à leitura estão acontecendo em todas as cidades do país. O que eu sinto falta, a partir das políticas públicas, e aqui incluo também os editais, mas todas as ações possíveis que partem de instituições e governos, são de projetos voltados para a escrita, para a formação de jovens escritores. Um olhar para esse desenvolvimento seria realmente grandioso para conseguirmos que novos olhares existam e ocupem seus lugares, para o novo chegar bem, com representatividade também. Precisamos atualizar os conceitos, os lugares de fala, as histórias hoje têm novas personagens, e são elas que precisam contar suas próprias histórias". 

TTV: Qual seu principal desejo para o futuro literário local?

LIGIA: "Mais escritoras. Eu sonho com um estado em que mais mulheres escrevam, principalmente ficção. Ainda somos poucas, poucas mulheres na criação da literatura de ficção, nas dramaturgias, nos roteiros. Precisamos ocupar nossas cadeiras de criação. Temos duas instituições hoje ativas no estado, a União Brasileira dos Escritores - MS e a Academia Sul-mato-grossense de Letras. Somando as duas, mais de 75% das pessoas que escrevem e estão cadastrados nessas instituições são homens brancos. Não quero desmerecer grandes homens aqui, mas realmente acho que já passou da hora de empoderarmos as mulheres escritoras do nosso estado".

TTV: E seu desejo futuro na literatura. O que pretende lançar nos próximos dias, meses e anos?

LIGIA: "Agora tô super mergulhada no roteiro de Quando a Gente se Encontrar. Mas tenho prontos dois livros que estão aguardando a possibilidade para publicação: O Prédio em Chamas e Mulher que sangra também ri. E tenho um projeto de transformar em livro pra infância a coleção Dramaturgias para Crianças Corajosas. Tem o meu romance, que também está em construção. Mas acho que as obras que chegam antes pro público são o curta Eleonora, que está quase finalizado, o longa, o espetáculo A Menina e o Fim — todos têm minha assinatura na escrita, então minhas palavras estão espalhadas por aí. Espero conseguir publicar logo tudo também, porque sinto que tem muita coisa chegando. E tenho desejado abrir caminho pra que elas cheguem bem (sic)".

TTV: Por que acha que os livros físicos resistem ao tempo em meio à era digital?

LIGIA: "A sensação que eu tenho é que o livro impresso resguarda um segredo — a minha relação com aquele livro, que é íntima e intransferível. E, já que o digital é terra de ninguém, esse pertencimento, a partir desse encontro, fica um pouco solto. Eu sou defensora do livro impresso. Por isso, inclusive, o Grupo Casa também é uma editora e também tem uma biblioteca. Eu ainda tenho livros que não se acham na internet, que herdei da minha mãe, Nildes Maria das Graças Tristão Prieto, que também era escritora; que herdou da Alda Garcia, que era declamadora; que herdou, por sua vez, da poeta Maria Sabina. Enfim, já estou falando de livros de 1800, que guardam a história de um tempo não somente a partir das palavras, mas também a partir de suas páginas amareladas e rabiscadas por tantas pessoas que já os tiveram como uma relação amorosa de pertencimento. Acho que vão durar pra sempre".

TTV: Como é o mercado literário de MS? O povo sul-mato-grossense tem cultura da leitura?

LIGIA: "Acho que o estado ainda é novo — e essa é uma desculpa que eu uso pra tudo, rs. Acho que nosso estado ainda precisa construir um bom passo em direção à arte, à literatura, ao teatro, ao cinema. Mas acho que, devagarzinho, podemos construir esse mercado real e podemos mostrar pra comunidade a importância dos livros. Me lembro quando eu estava na escola, que o professor de literatura deu um ponto na média para as pessoas que tivessem lido algum livro e pudessem explicar pra turma a história daquele livro. Eu sempre li muito, era meu tempo de existência — por influência da minha mãe e também do meu irmão, que lia muito —, e tinha uma fila de adolescentes que vinham pra que eu pudesse explicar um livro pra eles, porque precisavam de notas. Eu confesso que ajudei várias pessoas a passarem de ano — e talvez, por culpa minha mesmo, eles não leram os livros que poderiam ter lido, rs. Mas, brincadeiras à parte, acredito que o estado do MS ainda é um estado elitista demais, que pensa muito mais em dinheiro do que na sensibilidade, nos direitos de existência, na humanidade em si. Se o MS fosse um estado que lesse, certamente não seria o estado que mais mata os povos originários, que mais mata mulheres, etc. Precisamos entender que a literatura faz as pessoas pensarem em si, no mundo, no outro — a partir da construção da empatia, dos sonhos, das existências, dos lugares de representatividade para identificação e empoderamento — para que assim possamos criar consciência da necessidade dos direitos, dos afetos, de todas as existências". 

TTV: E, para você, qual a principal responsabilidade que cerca o autor brasileiro do século XXI?

LIGIA: "Construir um mundo que seja possível para todas as pessoas". 


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Tags: As Preciosas, Dia Mundial do Livro, Grandes Miudezas do Pantanal, LGBTQ+, Ligia Tristão Prieto, Mato Grosso do Sul

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