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'CINE SUBAÉ'

Caetano Veloso: antes de ser músico, se imaginava cineasta

Livro lançado na capital de MS revela detalhes sobre a carreira de "crítico" e cineasta do cantor baiano

Por TERO QUEIROZ • 20/10/2024 • 20:46
Imagem principal Professor Rodrigo Sombra, um dos organizadores do livro 'Cine Subaé', que reúne escritos sobre cinema de Caetano Veloso. Foto: Tero Queiroz

O livro "Cine Subaé Escritos sobre Cinema (1960 2023)", organizado pelo professor Rodrigo Sombra e Cláudio Leal, foi lançado na noite de sábado (19.out.24) na Hámor Livraria, em Campo Grande (MS).

Como havíamos adiantado aqui, o trabalho reúne 64 textos de Caetano Veloso sobre cinema, alguns inéditos. "Nos anos 60, ele começa como crítico de cinema; antes de ser músico, foi crítico e se imaginava cineasta", revelou Rodrigo Sombra, um dos organizadores do livro e professor do curso de Audiovisual da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), em entrevista ao TeatrineTV.

A ideia de compilar os escritos surgiu de uma inquietação compartilhada entre Sombra e Leal. "Surge da constatação de que, embora o elo de Caetano com o cinema fosse reconhecido, a extensão e a profundidade do vínculo e da contribuição de Caetano ao cinema não tinham sido devidamente iluminadas", explicou Sombra.

Apesar de conhecer vários textos que Caetano havia escrito sobre cinema, alguns que já tinham aparecido em uma coletânea anterior chamada "O Mundo Não É Chato", Sombra ressaltou que eles sabiam da existência de muitos outros textos e artigos que ele publicou sobre o tema, que não tinham sido reunidos em livro.

Assim, os organizadores intuíram que poderiam reunir esses escritos desconhecidos. "Eram muitos textos dispersos, e imaginávamos que existiam outros que não haviam sido republicados; pouca gente tinha lido. Essa era uma aposta nossa: reunir um volume substancial de escritos sobre o cinema de Caetano. De fato, esse projeto se mostrou verdadeiro, pois descobrimos um grande volume de artigos, ensaios e críticas de Caetano que jamais tinham sido publicados em livro".

O processo envolveu visitas a arquivos em diversas cidades, onde a dupla garimpou textos que não haviam sido publicados. "Visitamos arquivos no Rio, em São Paulo, em Salvador, e fomos garimpando até reunir um total de 64 escritos dele sobre cinema. É uma obra crítica de grande envergadura", pontuou.

Para Sombra, era necessário que a obra literária marcasse o impacto que foi o trabalho do baiano. "Se você parar para pensar, não existe um paralelo com Vinícius de Moraes, que também foi crítico de cinema. Acreditamos que Caetano teve um peso ainda maior na história do cinema. Na geração dele, não há paralelo de um artista dedicado à música que tenha uma tão intensa devoção à reflexão sobre a arte do cinema como Caetano", disse.

PROPOSTA

Livro está disponível na livraria Hàmor, em Campo Grande (MS). Foto: Tero Queiroz Livro está disponível na livraria Hàmor, em Campo Grande (MS). Foto: Tero Queiroz 

Então, há três anos, procuraram Caetano e apresentaram a proposta de escrever um livro. "Ele ficou muito entusiasmado e feliz com a ideia, e topou imediatamente".

O músico acompanhou todo o processo. "Assim que descobríamos novos textos, enviávamos para ele, que comentava com a gente", contou.

"Apresentamos a primeira versão da coletânea a ele, não me lembro exatamente o ano, mas foi há cerca de três anos. Tivemos esse primeiro impulso de pesquisa, reunimos a compilação e mostramos a ele. Ele ficou superanimado com a ideia do projeto, e seguimos em frente", destacou Sombra.

Ao longo da pesquisa, Sombra mencionou que Caetano disse ter redescoberto textos que havia esquecido, escritos que publicou há muitos anos. "E sentiu um renovado encantamento com algumas de suas reflexões críticas", lembrou.

ESTRUTURAÇÃO

Obra literárias traz entrevistas inéditas de Caetano Veloso. Foto: Tero QueirozObra literárias traz entrevistas inéditas de Caetano Veloso. Foto: Tero Queiroz

A estrutura do livro, que possui 440 páginas, passou por várias idas e vindas até ser dividida em três partes.

Na parte que reúne os textos de Caetano sobre cinema, optaram por uma organização cronológica. "Isso pareceu mais apropriado, pois proporciona ao leitor um entendimento das transformações do pensamento cinematográfico de Caetano ao longo do tempo", analisou Sombra.

O texto começa com todas as críticas e ensaios dele publicados de 1960 até 2022. "Incluímos alguns textos que ele publicou nas redes sociais. Além disso, há um dado interessante: o disco Tropicália: Panis et Circenses traz diálogos entre os membros do movimento tropicalista, apresentados na contracapa como um roteiro de cinema. Esse roteiro imaginário, que não é tão imaginário assim, foi escrito por Caetano, que usou fragmentos de conversas reais com Torquato, Torzé, Rogério Duarte, Gil, entre outros. Incorporamos esse roteiro na obra crítica dele", contextualizou.

Em seguida, há alguns depoimentos e entrevistas. "Caetano deu entrevistas inteiras apenas sobre cinema quando lançou seu filme Cinema Falado. Publicamos essas entrevistas na íntegra. A última parte do livro é uma coleção de fragmentos, uma espécie de verbetes, em que capturamos comentários de Caetano sobre diversos temas, como Glauber Rocha, cinema italiano, cinema francês, etc."

Ao todo, o livro compila mais de dez entrevistas que ele deu exclusivamente falando sobre cinema. "Uma delas foi a primeira, e outra é um diálogo extenso dele com Pedro Almodóvar. Coletamos fragmentos de falas e opiniões dele em outras entrevistas sobre diversos assuntos."

Na obra, há ainda depoimentos de cineastas renomados, como Jorge Furtado, sobre o clássico O Bandido da Luz Vermelha (1968). "Escolhemos dois depoimentos dele, na verdade três. Um deles é sobre um roteiro de um filme que ele escreveu e gostaria de filmar em Salvador, do ponto de vista do mar. Ele nunca chegou a filmar esse filme e acabou perdendo o roteiro. Também deu um depoimento sobre o cineasta Jorge Furtado e um depoimento inédito sobre o filme O Bandido da Luz Vermelha, que ele aprecia imensamente", adiantou.

A OBRA E O ARTISTA

Segundo relato de Sombra, quando Caetano leu o livro, "isso detonou muitas memórias cinematográficas dele, muitos encontros variados".

Assim, em 2023, o livro entrou na reta final. "Ele escreveu uma linda apresentação, em que rememora sua experiência como crítico e sua relação com o cinema. Ficamos imensamente felizes com esse texto que ele produziu", celebrou Sombra.

O lançamento nacional do livro ocorreu em 28 de maio no Rio de Janeiro, com a presença de Caetano Veloso. "Foi superemocionante, porque Caetano tinha na plateia companheiros de geração, como Júlio Bressane, o cineasta que já fez vários filmes em que Caetano atuou, e Antônio Pitanga, que surge da mesma época. A casa estava cheia, e mostramos fragmentos de filmes nos quais Caetano participa. Foi uma noite linda e muito emocionante para todos nós", lembrou Sombra.

CINEMA DO CENTRO-OESTE

De acordo com Sombra, Mato Grosso do Sul não é mencionado no livro, pois o cinema na região na época em que Caetano atuou não o alcançou. Mesmo o cinema do Centro-Oeste estava em surgimento. "A conexão com a região do Centro-Oeste talvez não seja tão forte ou intensa, pois o cinema produzido aqui passa a ter uma projeção e relevância artística e crítica maior, especialmente a partir do século XXI. Se eu pensar no cinema produzido em Brasília ou na produção de Joel Pizini, que se destaca em Campo Grande, são autores que ganharam mais destaque mais recentemente. Isso ocorre em um período em que a cinefilia de Caetano foi refluindo, e ele deixou de frequentar tanto o salão de cinema. Assim, há um desencontro, sem dúvida", opinou.

QUEM PAGOU?

De acordo com o professor, como Caetano é um autor da Companhia das Letras, assim que ele deu o aval para que eles seguissem com a pesquisa do livro e a reunião dos textos, o projeto foi apresentado à editora, que acolheu imediatamente.

"O livro entra um pouco dentro do modelo de produção de uma grande editora comercial. Já organizei livros antes, mas por meio de edital. O Cláudio havia editado um livro através de uma editora menor, não tão grande como a Companhia das Letras. Tivemos todo o apoio da editora, então não houve necessidade de captação de financiamento, pois a editora bancou o livro. Ele foi lançado em 28 de maio e tem ampla distribuição comercial. Essas questões são uma esfera na qual não entramos muito", respondeu ao ser questionado pelo repórter.

ONDE EU COMPRO?

Professor Rodrigo Sombra na noite de lançamento do livro 'Cine Subaé'. Foto: Tero QueirozProfessor Rodrigo Sombra na noite de lançamento do livro 'Cine Subaé' em Campo Grande (MS). Foto: Tero Queiroz

O livro está disponível nas livrarias de Campo Grande, como na Hámor, onde o professor conduziu um bate-papo sobre a obra na noite da entrevista.

Por fim, Sombra destacou sua alegria de participar da organização do livro. "Já que sou professor do curso de Audiovisual aqui da UFMS e tenho acompanhado o florescimento da cultura cinematográfica em Campo Grande nos últimos anos. Estou muito feliz que a ideia do lançamento tenha sido acolhida por essa livraria, que me parece um espaço muito especial na cidade. Espero que o livro possa aproximar o público de Campo Grande da relação entre música e cinema, que está no cerne da obra de Caetano", finalizou.


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