Sol intenso, às 14h20 da 5ª.feira (29.fev.24), a equipe de reportagem do TeatrineTV chega ao estúdio ‘Tattoo Bodão’, na Rua Lúcia dos Santos, nº 664, Parque do Lageado, em Campo Grande (MS).
Estamos no local para entrevistar o grupo Vadios67 – a única crew de Lowbike de Mato Grosso do Sul – que lançará seu 1º primeiro álbum: 'Original Quebrada'.
Em frente ao estúdio de tatuagem, sob uma pequena varanda, tomam Tereré os integrantes do Vadios67: Bruno (Mano BR), Nelson Marques (Bodão), Renato Higor (Og Nato) e Jones Santos (Snoop).
Tatuador e proprietário do estúdio, Bodão, de 29 anos, inicia a conversa com o repórter esclarecendo que apesar de o álbum seu o 1º, os integrantes do Vadios67 tem trajetória anterior no Hip Hop. "Vamos lançar nosso 1º disco (álbum) agora, mas não é nossa primeira formação, tá ligado? Eu sou um dos fundadores do Vadios67. O grupo vem desde 2011 com o grupo de Breaking que chama VadiosCrew. Com o passar do tempo, nós criamos o grupo de Rap de Campo Grande MS03 e com o fim do MS03, nós formamos a Vadios67 que agora fez 3 anos de caminhada (sic)", introduz.
O álbum do Vadios67 contará com 11 faixas que serão apresentadas ao público num grande evento a partir das 17h, de 9 de março, na Praça Multiesportiva do Bairro Tijuca II, na Capital. A entrada será gratuita.
Além de tatuadores, entre os integrantes do Vadios67 há Breaking s, rappers e MC’s.
Um dos responsáveis pelas composições das músicas que estarão no disco, Mano BR avalia que a Vadios67 surge da união de expoentes e estilos da cultura Hip Hop. "Nesses três anos, com a junção da MS03 e do VadiosCrew, que era um grupo de B-boys, a gente sentiu que essa união fortaleceu a representatividade não só na dança, mas também no Rap, porque o Hip Hop são a junção de cinco elementos, agora com o conhecimento, mais o Breaking, o Graffiti, o DJ e o MC".
BR ainda revela que a Vadios67 conta com um dos mais importantes DJs em atividade no Estado. "Com o DJ somos cinco, né? Temos com a gente o DJ Billy. Ele tem uma caminhada das antigas, acho que ele é o mais ‘old-school’ entre nós. O Billy é das antigas mesmo, tá ligado? Da época do começo do Hip Hop aqui no estado (sic)".
No momento da entrevista, Billy não estava presente. No entanto, a crew partilha abaixo uma imagem em que eles praticam Lowbike na praça onde ocorrerá o lançamento do álbum:
LOWBIKE
Um dos grandes diferenciais do Vadios67 é, sem dúvida, o fato de serem eles os precursores da prática da Lowbike em Mato Grosso do Sul. "A cultura Lowbike está associada à cultura Lowrider, que significa 'andar baixo'. É porque nos anos 50, lá em Los Angeles, os chicanos [mexicanos radicados nos EUA] baixavam os carros nas oficinas e daí botavam um hidráulico. Assim, quando a polícia vinha, eles subiam o carro, porque não podia andar rebaixado lá nos Estados Unidos. Então, tinha os moleques dos caras, que frequentavam as oficinas e começaram a fazer essas customizações também, só que nas bikes, tá ligado? Assim nasceu a Lowbike (sic)", contextualiza Snoop, de 33 anos.
Oficialmente, a Lowbike é registrada em meados de 1990 no Brasil, porém, somente em 2021 a Vadios67 teria iniciado o movimento dessa cultura em MS. "A gente se entende como a primeira crew voltada para cultura chicana no estado. Começamos em 2021 e, desde lá, temos a banca voltada ainda só para a Lowbike, mas já estamos com o projeto de um carro, para representar Mato Grosso do Sul com a cultura Lowrider, que só tá tendo ainda nos grandes centros como São Paulo. Temos as conexões com a galera de São Paulo em várias vertentes e essa é uma que queremos fortalecer (sic)", diz Bodão.
Em prol do fortalecimento da prática da Lowbike, o álbum ‘Original Quebrada’ deve trazer músicas da relação da ‘molecada’ campo-grandense com a ‘bike’. "A 'Original Quebrada' é uma música para quem gosta de andar de bike pela cidade. Quem curte vai se identificar bastante, vai aumentar a autoestima, porque é música que fala para andar de cabeça erguida", adianta BR.
CONVIDADOS E PALCO NO TIJUCA
O evento de lançamento do álbum conta com a seguinte lista de convidados que farão apresentações diversas da Cultura Hip Hop:
- Dj Lattyna;
- DJ Gabis (Dourados-MS);
- Dj Danlitros(Dourados-MS);
- Dj Magão;
- CPS;
- Voz do Gueto;
- Posse Sul Rapper’s;
- Relatos MC’s;
- Coletivo Suburbanas;
- Suburbia;
- Thalita Valiente (tatuagem ao vivo).
Além disso, a apresentação será feita por Letícia Polidorio e o CJ.
O palco será montado na Praça do Tijuca. Para BR, o local escolhido é bastante simbólico. "Essa fita do show lá no Tijuca é histórica, pelo menos pra mim, porque lá foi onde surgiu o grupo Posse Sul, né? A gente ensaiava lá no Centro Comunitário em 2006, então o Bairro Tijuca é um bairro que a gente tem o maior amor, pela população que mora ali, todo mundo conhece a gente. O Bodão também mora lá, um morador antigo lá. Então, a galera sempre tem esse amor pela gente, então a gente espera fazer um show dia 9 que representa tudo isso, para essa galera. Que a gente possa estar levando lá mensagem de paz, amor, união, diversão, porque é isso que o Hip Hop prega (sic)", resume.
‘ÁLBUM ORIGINAL QUEBRADA’
Conforme Bodão, as músicas do disco ‘Original Quebrada’ buscam desestigmatizar a periferia. “As mensagens são voltadas para a periferia, sim! Tem protesto em algumas músicas, mas também nós procura fazer música pra festa, né? Porque a preferia não é só crime, tem altas coisas mais (sic)”, anuncia.
BR acrescenta que as faixas abordam a vida do campo-grandense periférico da virada do milênio. "As músicas são a cara de Campão, quem escutar vai se identificar, tem inclusive uma música com esse nome no disco. Fala do moleque que colocou e apertou o play junto com o rec para gravar na fita cassete seu Hip Hop”.
Ainda segundo Mano BR, o álbum busca refletir as vivências e desafios do artista do Hip Hop na Capital de MS. "Temos uma música que se chama 'Tamo Vivendo', que fala desses irmãos que fazem esse corre independente. E já quantas e quantas vezes não voltamos de um evento de Rap de madrugada, às vezes por ser longe, na época não tinha Uber, não tinha Moto Uber, aí a gente tinha que voltar a pé. Então, essa música fala sobre isso, né? Fala sobre você lutar pelo seu sonho, que é só você mesmo acreditar em você. Esperar o Corujão passar para você pegar o último ônibus, às vezes não dá tempo nem de você cantar no rolê, porque você fica por último, o rolê acaba e você não canta, mas volta para casa com aquela emoção de estar participando do Hip Hop".
As histórias narradas nas músicas do CD Original Quebrada, segundo BR, foram vividas pelos integrantes do Vadios67 desde os anos 90 e 2000. “Então, quem escutar vai se identificar bastante, tanto o pessoal da nova, como o pessoal da 'old-school' vai ver que tem muita coisa que fala sobre isso, sobre essa trajetória do rapper, a nossa vida”, garante BR.
Apesar de grande parte das músicas dedicadas aos rappers tratarem de desafios enfrentados pelos campo-grandenses, BR acredita que o CD pode ‘furar a bolha’ regional. “A gente vê muito isso, o rapper às vezes só muda a caneta, as histórias são muito semelhantes: pai ausente, mãe solteira, trabalhar e fazer rap, dividir família, trabalho e arte. A gente sabe que é uma balança muito pesada às vezes colocar o trabalho, a família e a nossa arte. A gente sabe que quem vive da arte mesmo é uma luta, uma batalha para a vida inteira. Então, este CD representa isso, a caminhada do Hip Hop aqui no MS. A gente espera que possa alcançar aí vários patamares, que a gente possa furar essa bolha", deseja.
Outro tema de valor emocional para crew, que está em uma das músicas, é uma homenagem às mães. “Todas as músicas são independentes escritas por nós mesmos através do nosso cotidiano, o BR é um grande letrista, acho que o melhor do grupo é ele, mas a gente vem aprendendo e evoluindo. Uma das músicas fala da mãe, que eu perdi minha coroa muito cedo, o Snoop também, e nós fizemos uma música dedicada às mães”, adiciona Bodão, citando que um dia antes do lançamento do disco se celebra o 'Dia Internacional da Mulher'.
‘FORA DOS PALCOS E DA MÚSICA’
Os relatos apresentados nas letras são com base nas histórias de rappers crianças ou no auge da juventude. Os desafios, entretanto, acompanharam os integrantes do Vadios67 até a vida adulta, visto que ainda precisam buscar trabalhos fora da arte e gastar parte de seus salários com a crew. “A gente faz com o coração, o pode crer dos irmãos é o salário que a gente tem. Que nem agora [no lançamento do álbum], a Fundação ajudou muito com a estrutura, porque são necessárias três notas (Fiscais) de cachê para comprovar e a gente ter o cachê, mas não temos essas notas, então não tem cachê”, lamenta BR.
Fora dos palcos, Snoop trabalha em uma padaria, Bodão é tatuador, e Mano BR trabalha como porteiro. Para manter a crew, os integrantes tiram porcentagens de seus salários para comprar os equipamentos para os shows. “Viver da arte a gente sabe que é uma luta constante. A gente corre atrás de editais aí também, que assim também conseguimos conseguir nossos equipamentos, graças a Deus nós temos hoje os equipamentos para fazer nossos equipamentos”, observa BR.
Apesar dos desafios, BR considera que há o que ser comemorado no que se refere ao amparo do poder público a Vadios67. “Estamos felizes, porque a gente que vem de quebrada, ter uma estrutura boa, com palco já é uma vitória muito grande, porque a gente sempre faz com nosso próprio dinheiro e o próprio equipamento. A gente fica feliz com o mínimo, mas esperamos que na próxima vez a gente tenha essas notas e consiga o cachê”, prospecta.
Além de integrar a Vadios67, Bodão é idealizador do projeto “Salve Hip–Hop”, que chegou a 4ª edição em 2023, tendo levado expoentes da cultura de Rua à favela do Mandela, como mostramos aqui. Para Bodão tanto a crew como o projeto Salve Hip Hop são uma decisão de estilo de vida. “Geralmente o recurso vem de nós mesmo. O Trabalho do ‘Salve Hip Hop’ é da hora, com ele chegamos no Tijuca, no Noroeste, na Favela Mandela, Só Por Deus, no Nhanha, tivemos muitos apoios, mas a maior parte é do nosso dinheiro mesmo. Levamos o Grafite, Rap, Breaking, deixando a quebrada colorida com o Salve Hip Hop. Esse ano ainda não teve, mas com o apoio do governo com parte da estrutura será mais da hora, porque o cotidiano nosso aqui é difícil, cada um tira um pouco do bolso, quando estraga equipamento nosso bolso que paga. Mas nós procura trazer cultura pra nossa comunidade, mesmo com o gasto, modificamos as bikes. Tem gasto, mas é a vida pela cultura que nós decidimos levar”, declara.
Snoop, por outro lado, aposta em um futuro de dedicação e renda financeira exclusivo da arte. “Eu trabalho na área da cozinha, gastronomia e como todo mundo falou: tem que tirar do nosso bolso! Sem gasto a gente não tem conquista, né? Por enquanto é isso, enquanto a gente não conseguir viver exclusivamente da nossa arte, vamos ter que investir para alcançar o que a gente quer”.
‘ARTE RESOLVE, MANO!’
Mesmo com todos os desafios, a existência e resistência do Vadios67 pode resolver problemas sistêmicos na periferia, por meio da arte. “Eu era um jovem de periferia sem nada para fazer, entre 12 e 15 anos, conheci o Breaking através de um projeto social que teve na Escola Estadual Amando de Oliveira. Conheci o Hip Hop, achei a dança muito da hora e comecei a querer aprender a dançar. Eu era gordo, não sabia fazer porra nenhuma, não tinha nenhuma habilidade, mas o próprio Breaking me ensinou a ter a perseverança”, conta Bodão.
A mudança de perspectiva no horizonte, para Bodão, é o grande poder da arte na vida de uma pessoa periférica. “Hoje eu sou tatuador graças ao Hip Hop, eu comecei dançando Breaking, eu tinha dom do desenho, aprendi o Graffiti e virei tatuador, graça da Deus hoje eu tenho uma profissão, graças ao Hip Hop”, celebra.
Ainda de acordo com Bodão, por meio do Vadios67 e de projetos como o Salve Hip Hop, pretende resgatar vidas, como a sua foi resgatada. “Com certeza a arte resolve a quebrada, eu sou uma prova viva de que a arte resolve. Cada um daqui do grupo Vadios67 é a prova de que a arte resolve. Quando nós chega na quebrada leva doce, refri, rap e livro pras crianças. Com mensagens boas, rap com repertório pronto pras crianças. E quando a gente chega, vem a biblioteca do Horto Florestal com apoio da responsável Suzamar Rodrigues, conta histórias, tô falando através do Salve Hip Hop. Temos apoio da Cufa também. Então. Com certeza a arte resolve... Resolve, mano! Porque vários aí tão morrendo pela polícia, pelo próprio crime, a arte é válvula de escape até para a pessoa ficar mais de boa na periferia, que tem uns lugares perigosos no Dom Antônio, no Tijuca, mas a gente é bem-vindo em qualquer lugar através da arte. A arte abre portas e estende caminhos (sic)”, sustenta.
O objetivo de Bodão já pode ser atestado como eficaz, inclusive por um testemunho vindo de outro integrante da própria Vadios67. “Como o Bodão falou: se não fosse o Rap, o Hip Hop, eu poderia estar numa biqueira vendendo drogas. Eu conheci o Hip Hop a partir do Bodão, a gente se conhecia desde moleque. Tentei o Breaking, não deu certo. Tentei o Grafitti, também não tenho o dom pro desenho. Aí uma vez certa noite tava eu e o Bodão tomando um vinho, aí ele falou: quero escrever um Rap, vamos escrever? Aí eu falei: vamos! Falei: do que você quer falar? Ele falou: do que a gente vive, tá ligado? A gente só vivia em farra, festa e zueira. E daí veio o Estilo Vagabundo, uma música nossa (sic)”, lembra Snoop.
PRODUÇÃO
Para o lançamento do disco ‘Original Quebrada’ será montada uma grande estrutura viabilizada com a produção de Jéssica Cândido de Oliveira e Camila Maiara Barbosa, por meio da Afronta. “É produção de mina preta, a Jess e a Camila apoiaram a gente na ideia e do lançamento do CD Original Quebrada, tá ligado? A gente espera que saia tudo bem, vai ser com certeza, um grande show, um espetáculo que a Vadios vai fazer. Convidamos vários grupos do estado, de Dourados, Corumbá, daqui de Campo Grande vários DJs e grupos, tá ligado? E a Luciana [Luciana Ferreira da Silva] também está apoiando, com a gente na caminhada, e graças a Deus vai dar tudo certo (sic)”, detalha BR.
Também integra a equipe de produção do evento Jaqueline Paixão, vice-presidente do Bairro Tijuca II.
O governo de Mato Grosso do Sul, por meio da Fundação de Cultura do Estado e da Secretaria de Estado de Turismo, Esporte e Cidadania (SETESC), assinam a correalização do lançamento do show.
Além disso, segundo Mano BR, diversos comerciantes estão apoiando o evento. “Apoio do Real Essência, apoio do Espetinho do Bola, apoio da Conveniência do Alisson, ali do Tijuca mesmo; apoio do Japa Conveniência, do Xexéo que um cara que fortalece também aí o freestyle da cidade, as batalhas”, lista.
Para BR, a expectativa é de que o show seja um marco na história para a cultura periférica sul-mato-grossense. “A gente espera que seja um grande dia para o Hip Hop. Tanto o pessoal da nova, quanto o pessoal das antigas que vão colar, a gente espera que eles se sintam representados no show”, finaliza.
SERVIÇO
- O quê: Show de lançamento do disco “Original Quebrada” do grupo de rap Vadios67;
- Quando: em 09/03/2024, das 17:00 às 23:00;
- Onde: Praça Multiesportiva do Bairro Tijuca II (Av. Dinamarca - Tijuca, Campo Grande - MS);
- Preço: Entrada gratuita.