O filme "Golda - Mulher de uma Nação" (2019), produzido pelo diretor israelense Guy Nattiv, estrelado pela atriz britânica vencedora do Oscar, Helen Mirren (Elizabeth 2ª em "A Rainha", de 2006), conta a história de vida da primeira-ministra israelense Golda Meir, que governou de 1969 a 1974. Para aqueles que buscam compreender o conflito e acabam se deparando com a produção cinematográfica, esteja em alerta com a narrativa.
A produção celebra a ex-primeira-ministra israelense como uma heroína feminista, omitindo seus crimes. Apesar do que sustenta a narrativa, para os palestinos, o legado de Golda Meir é o de uma figura cruel que trabalhou para promover uma limpeza étnica violenta, pois ela negava a existência dos palestinos. Isso foi tornado público pela própria Golda em uma entrevista ao Sunday Times em junho de 1969. “Não era como se houvesse um povo palestino na Palestina que se considerasse um povo palestino e nós viéssemos e os expulsássemos e tomássemos o país deles. Eles não existiam", sustentou. Ela manteve essa linha até sua morte em 1978. Em uma entrevista ao New York Times em 1972, ela insistiu: “Eu disse que nunca houve uma nação palestina”.
No entanto, não se pode atribuir a Meir a origem dessa noção racista, que tem funcionado para desumanizar os palestinos ao longo da história recente. De fato, essa linguagem foi fundamental para os primeiros sionistas (pessoas que defendem a manutenção do Estado de Israel) que viram na Palestina “uma terra sem povo para um povo sem terra”, e continua sendo útil para os sionistas modernos. Bezalel Smotrich, ministro das finanças de extrema direita de Israel, declarou recentemente que “não existe um povo palestino” durante uma visita à França.
A orientação intelectual do filme Golda pode ser vista de duas maneiras diferentes: uma, como hasbara israelense criativa que visa a tirar proveito de um movimento mundial crescente que celebra as mulheres e seus papéis e contribuições na sociedade; e, duas, como um ato de desespero. Entenda abaixo.
Uma petição foi criada na Palestina que pede o boicote de do filme Golda em festivais no país: “Junte-se a nós para protestar contra o filme no Festival de Cinema Judaico na quarta-feira, 27 de setembro, em Londres, no Phoenix Cinema, 52 High Road, Londres N2 9PJ às 19h”, convocavam ativistas palestinos e artistas neste ano.
QUEM FOI GOLDA?
Foi a 4ª primeira-ministra da ocupação israelita. Ela nasceu na Ucrânia em 1898, mudou-se para a Palestina em 1921 e tinha cidadania palestiniana nessa altura, quando a Palestina ainda não estava ocupada e a ocupação israelita ainda não tinha sido estabelecida. Após o casamento, ela ficou conhecida como Golda Meirson.
Golda Meir foi a 'cabeça' por trás do estabelecimento de assentamentos israelenses ilegais. Ela facilitou o envenenamento intencional e o roubo de terras palestinas na década de 1970, ao lançar um pulverizador agrícola tóxico na aldeia palestina de Aqraba, expulsando as pessoas que ali viviam e substituindo-as por colonos judeus.
O racismo de Meir também não se limitou aos palestinos. Ela menosprezou abertamente os judeus de países como o Irã, a Líbia, Egito e a Síria. Ela condicionava que para os judeus destes países serem aceitos na sociedade israelita teriam de ser “elevados”.
O QUE O FILME ABORDA
O filme faz um recorte sobre um dos conflitos ocorridos entre árabes e israelenses, a Guerra do Yom Kippur, que durou cerca de vinte dias no mês de outubro de 1973. O nome da guerra está relacionado com o feriado judaico do Dia do Perdão — Yom Kippur, em hebraico. Isso porque Egito e Síria aproveitaram o dia 06 de outubro de 1973 — em que se celebra o Dia do Perdão — para iniciar uma reação militar para recuperar terras roubadas por israelenses na Guerra dos Seis Dias, ocorrida em julho de 1967.
Os territórios roubados pelos Israelenses, na época, foram a Península do Sinai, uma parte do Canal de Suez, a Faixa de Gaza, a Cisjordânia e as Colinas de Golã.
O conflito terminou 20 dias depois em virtude interferência dos Estados Unidos e da Organização das Nações Unidas (ONU). Na época, União Soviética ameaçou intervir em favor dos sírios, mas aceitou o acordo para o cessar-fogo. Apesar do acordo, Israel não devolveu os territórios que havia roubado em 1967.
QUAL O PAPEL DE GOLDA?
No filme a figura de "Golda" é glorificada como uma líder sionista imbatível na resistência militar. Apesar disso, o filme não mostra o genocídio, limpeza étnica e crimes brutais contra os palestinianos, mulheres e crianças. orquestrados pelo braço militar de Golda Meier.
A produção vocalizada pelo diretor israelense omite completamente as ações de Meir, demonstrando claramente o seu preconceito a favor da ocupação israelita e das atividades dos colonos, ao mesmo tempo que promove o ódio e a violência contra os cidadãos palestinos. Até mesmo as organizações judaicas não conseguiram chegar a um acordo sobre o filme, já que a Voz Judaica pela Paz o descreveu como "extremamente racista". "Golda é um filme virulentamente racista que pretende propagandear o projeto israelita e os seus líderes — algo que os cinemas têm a obrigação de não exibir", alertou a organização.
O filme tenta, mas não será exitoso em apagar a história repleta de crimes hediondos, atividades de colonização, limpeza étnica e agressões contínuas contra os palestinianos realizados por Golda Meir. Se for assistir essa obra, disponível em vários streamings, tenha em mente que está assistindo uma espécie de fake news transformada em cinema.
Para defender sua importância cinematográfica, o filme usa a figura feminina — única mulher a comandar a colônia de Israel ao longo de sua história — ela fez isso aos 75 anos ao passo em que precisava lidar com problemas de saúde. Viciada em cigarros, ela desenvolveu um câncer agressivo que a matou em 1978, aos 80 anos.
DEMOCRACIA FAJUTA
A marca israelense perdeu muito de seu antigo apelo como um projeto liberal, democrático e até mesmo “socialista”. Esses rótulos são dificilmente comercializáveis quando muitos israelenses estão questionando se o seu “estado democrático” é mesmo uma democracia.
Quando imagens da brutalidade militar e do racismo israelenses são vistas diariamente por milhões de pessoas em todo o mundo, é difícil para Israel se apresentar como um “farol de luz” e uma democracia em um Oriente Médio atrasado, antidemocrático e violento. É por isso que a Golda é uma peça de propaganda funcional, embora seu impacto seja, na melhor das hipóteses, limitado tanto em termos de tempo quanto de escopo. Na melhor das hipóteses, é uma tentativa tardia de reinventar o sionismo.
Os palestinos que vivem sob a brutal ocupação militar de Israel — na verdade, toda a região devastada pela guerra — precisam urgentemente de um futuro baseado em justiça, liberdade, igualdade e paz duradoura. Glorificar a guerra e homenagear indivíduos racistas como Golda Meir não pode ser o caminho para isso.
Fonte: Com Monitor do Oriente.