Região Centro-Oeste recebe menor recurso federal para o audiovisual há 31 anos. Foto: Gabriella Thais
Os realizadores do audiovisual do Centro-Oeste sentem na pele o que confirma a pesquisa do Ministério da Cultura (MinC), divulgada na 3ª.feira (4.dez.24): a região é a que menos acessa recursos federais para realização de curtas-metragens.
Isso se repete há 31 anos, desde que começaram a ser destinados fomento federal à produção de curtas-metragens (1993-2023) – geralmente o primeiro formato de novos realizadores.
Desde então, o Centro-Oeste permanece engolido pela região Sudeste, que fica com a maior parte do financiamento federal nessas mais de três décadas,
Embora avanços tenham sido registrados, a região ainda enfrenta limitações na obtenção de recursos e no desenvolvimento de projetos culturais. A pesquisa.
METODOLOGIA
“Para constituição da amostra de análise foram considerados os editais implementados pela Secretaria do Audiovisual cujo objeto fosse a produção de uma obra de curta-metragem, nesse caso definida como aquelas com duração entre 5 minutos e 26 minutos. Dentro desse recorte estão um total de 31 editais que selecionaram 643 obras audiovisuais de curta-metragem. A Tabela, a seguir, apresenta a listagem completa dos editais que compõem a amostra da pesquisa. Para ampliar as possibilidades de novos enfoques de pesquisa, os 31 editais também serão disponibilizados como anexo ao presente estudo”, diz a Secretaria do Audiovisual na introdução da pesquisa, sobre a metologia utilizada.
Veja a tabela de editais analisados:
1 |
1993 |
Edital nº 1, de 15 de setembro de 1993 |
Prêmio Resgate do Cinema Brasileiro. Produção independente de obras audiovisuais cinematográficas, mediante a concessão de prêmios a projetos de filmes de curta, média e longa metragens e financiamentos exclusivamente para filmes de longa-metragem. |
2 |
1994 |
Edital nº 1, de 4 de maio de 1994 |
Prêmio Resgate do Cinema Brasileiro. Produção independente de obras audiovisuais cinematográficas, mediante a concessão de prêmios a projetos de filmes de curtas e longas-metragens e financiamentos exclusivamente para filmes de longas-metragens. |
3 |
1997 |
Edital nº 1, de 7 de fevereiro de 1997 |
Concurso de premiação de projetos de obras audiovisuais cinematográficas de curtas-metragens de produção brasileira independente, destinado à realização dos projetos vencedores. |
4 |
1999 |
Edital nº 1, de 14 de maio de 1999 |
Premiação e realização de projetos de obras audiovisuais cinematográficas de curtas-metragens, do gênero ficção e animação, destinado à realização dos projetos vencedores. |
5 |
2001 |
Edital nº 12, de 12 de fevereiro de 2001 |
Realização de projetos audiovisuais cinematográficos inéditos de curtas-metragens, do gênero ficção e animação. |
6 |
2003 |
Edital nº 1, de 19 de agosto de 2003 |
Produção de obras audiovisuais cinematográficas inéditas de curtas-metragens, dos gêneros ficção, animação, documentário ou experimental, com duração entre 5 e 15 minutos. |
7 |
2003 |
Edital nº 5, de 15 de setembro de 2003 |
Curta Criança. Produção de obras audiovisuais inéditas de curtas-metragens, dos gêneros ficção, com duração de 13 minutos, com temática baseada em histórias de folclore brasileiro, voltadas ao imaginário infanto-juvenil. |
8 |
2004 |
Edital nº 1, de 7 de julho de 2004 |
Produção de obras audiovisuais cinematográficas inéditas de curtas-metragens, dos gêneros ficção, documentário ou experimental, com duração entre 5 e 15 minutos. |
9 |
2004 |
Edital nº 2, de 7 de julho de 2004 |
Curta Infanto-juvenil. Produção de obras audiovisuais cinematográficas inéditas de curtas-metragens, do gênero ficção, com temática infanto-juvenil (de 7 a 12 anos), com duração de 13 minutos. |
10 |
2004 |
Edital nº 3, de 7 de julho de 2004 |
Curta Animação. Produção de obras audiovisuais cinematográficas inéditas de curtas-metragens, do gênero animação, com duração entre 5 e 15 minutos. |
11 |
2005 |
Edital nº 3, de 9 de dezembro de 2005 |
Produção de obras cinematográficas inéditas de curtas-metragens, dos gêneros ficção, documentário ou experimental, com duração entre 10 e 15 minutos. |
12 |
2005 |
Edital nº 4, de 9 de dezembro de 2005 |
Curta Criança. Produção de obras audiovisuais inéditas, de curtas-metragens, do gênero ficção, com temática infanto-juvenil (de 8 a 12 anos), com duração de 13 minutos. |
13 |
2005 |
Edital nº 5, de 9 de dezembro de 2005 |
Curta Animação. Produção de obras audiovisuais inéditas de curtas-metragens, do gênero animação, com duração entre 5 e 15 minutos. |
14 |
2007 |
Edital nº 1, de 23 de novembro de 2007 |
Curta Animação. Produção de obras audiovisuais inéditas de curtas-metragens, do gênero animação, com duração entre 5 e 15 minutos. |
15 |
2007 |
Edital nº 2, de 23 de novembro de 2007 |
Produção de obras audiovisuais digitais inéditas de curtas-metragens, dos gêneros ficção, documentário ou experimental, com duração entre 10 e 15 minutos, exclusivamente para integrantes ou egressos de projetos sociais com foco na linguagem audiovisual. |
16 |
2007 |
Edital nº 3, de 23 de novembro de 2007 |
Produção de obras cinematográficas inéditas de curtas-metragens, dos gêneros ficção, documentário ou experimental, com duração entre 10 e 15 minutos. |
17 |
2007 |
Edital nº 4, de 23 de novembro de 2007 |
Curta Criança. Produção de obras audiovisuais inéditas de curtas-metragens, do gênero ficção, com temática infanto-juvenil (de 8 a 12 anos), com duração de 13 minutos. |
18 |
2009 |
Edital nº 1, de 28 de janeiro de 2009 |
Produção de 20 obras cinematográficas inéditas, de curtas-metragens de ficção ou documentário, sendo permitida a incursão experimental sobre ambas as modalidades, com duração entre 10 e 15 minutos. |
19 |
2009 |
Edital nº 6, de 10 de dezembro de 2009 |
Curta Criança. Seleção de projetos para a produção e teledifusão de 13 obras audiovisuais inéditas, de curtas-metragens, dos gêneros ficção ou documentário, com temática voltada à infância, com duração de 12 minutos. |
20 |
2010 |
Edital nº 1, de 29 de janeiro de 2010 |
Produção de 20 obras cinematográficas inéditas, de curtas-metragens de ficção ou documentário, com uso ou não, total ou parcial, de técnicas de animação, sendo permitida a incursão experimental, com caráter de inovação de linguagem, com duração entre 10 e 15 minutos. |
21 |
2011 |
Edital nº 2, de 21 de dezembro de 2011 |
Produção de até 25 obras cinematográficas inéditas, de curtas-metragens de ficção, documentário e animação, sendo permitida a incursão experimental, com caráter de inovação de linguagem. |
22 |
2012 |
Edital nº 3, de 19 de novembro de 2012 |
Curta Afirmativo. Fomento a 30 obras audiovisuais de curtas-metragens, a partir de 10 minutos, dirigidos ou produzidos por jovens negros, de 18 a 29 anos, pessoa física, com temática livre, podendo ser ficção ou documentário, com a possibilidade de utilização de técnicas de animação. |
23 |
2013 |
Edital nº 3, de 1º de julho de 2013 |
Carmen Santos. Apoio a obras audiovisuais cuja titularidade e direção sejam de pessoas do sexo feminino, podendo ser ficção ou documentário, com a possibilidade de utilização de técnicas de animação, sendo: 10 obras audiovisuais de curtas-metragens, de até 5 minutos, e 6 obras audiovisuais de média-metragem, de 26 minutos. |
24 |
2013 |
Edital nº 5, de 9 de agosto de 2013 |
Curta Criança. Produção de 12 obras audiovisuais brasileiras inéditas, de curtas-metragens, dos gêneros ficção, animação ou documentário, com temática voltada à infância, com duração de 13 minutos. |
25 |
2013 |
Edital nº 6, de 27 de setembro de 2013 |
Apoio a 25 obras audiovisuais brasileiras de curtas-metragens, inéditas, de ficção, documentário ou animação, com temática livre, que devem ter de 5 a 15 minutos de duração. |
26 |
2014 |
Edital nº 5, de 12 de novembro de 2014 |
Curta Afirmativo. Produção de obras audiovisuais brasileiras inéditas e originais, dirigidas ou produzidas por negros, pessoas físicas, podendo ser ficção ou documentário, com a possibilidade de utilização de técnicas de animação, sendo: 21 obras de curtas-metragens de 13 minutos, com temática livre; 13 obras de médias-metragens, de 26 minutos, com temática que aborde as culturas de matriz africana. |
27 |
2017 |
Edital nº 4, de 5 de julho de 2017 |
Apoio a 45 obras audiovisuais brasileiras de curtas-metragens, inéditas, predominantemente de ficção, podendo ou não fazer uso de técnicas de animação e material de arquivo, divididas nas seguintes categorias: livre – 30 obras audiovisuais de curtas-metragens de 10 a 15 minutos com temática livre; Carmen Santos – 15 obras audiovisuais de curtas-metragens de 10 a 15 minutos, dirigidas por mulheres e com temática livre. |
28 |
2018 |
Edital nº 2, de 21 de fevereiro de 2018 |
Curta FSA. Seleção de 21 obras audiovisuais independentes de curtas-metragens de ficção, de 13 minutos, live action, com temática livre, voltadas para o público infantil, de 0 a 12 anos, e seu respectivo trailer. |
29 |
2023 |
Edital nº 4, de 17 de agosto de 2023 |
Curta para Mulheres. Concessão de 10 (dez) bolsas para a produção independente de obras cinematográficas brasileiras de curtas-metragens, com duração entre 10 (dez) e 15 (quinze) minutos, com temática livre, dirigidos por mulheres cis ou transgênero estreantes, podendo ser de ficção ou documentário, com a possibilidade de utilização de técnicas de animação. |
30 |
2023 |
Edital nº 5, de 17 de agosto de 2023 |
Curta Afirmativo. Concessão de 10 (dez) bolsas para a produção independente de obras cinematográficas brasileiras de curtas-metragens, com duração entre 10 (dez) e 15 (quinze) minutos, com temática livre, dirigidos por pessoas negras (pretas e pardas) ou indígenas estreantes, podendo ser de ficção ou documentário, com a possibilidade de utilização de técnicas de animação. |
31 |
2023 |
Edital nº 6, de 17 de agosto de 2023 |
Curta Criança. Concessão de 10 (dez) bolsas para a produção independente de obras cinematográficas brasileiras de curtas-metragens, com duração entre 10 (dez) e 15 (quinze) minutos, dirigidos por pessoas físicas estreantes, com temática voltada à infância, podendo ser de ficção ou documentário, com a possibilidade de utilização de técnicas de animação. |
PERFORMANCE DO CENTRO-OESTE
Entre 1993 e 1997, o Centro-Oeste obteve apenas 14,8% dos projetos aprovados nos editais de curta-metragem, percentual consideravelmente inferior ao registrado no Sudeste, que concentrou 54,1% dos recursos. Goiás, Mato Grosso não tiveram nenhum projeto selecionado nesse período, enquanto o Distrito Federal obteve resultados modestos e Mato Grosso do conseguiu apenas 1 vaga.
Em 2005, com os editais “Curta Criança” e “Curta Animação”, iniciou-se a aplicação de cotas regionais, garantindo ao menos dois projetos aprovados por região. Esse mecanismo marcou o primeiro esforço sistemático para desconcentrar os recursos. No entanto, mesmo com esses indutores, a região Centro-Oeste registrou apenas um aumento de tímido de participação, atingindo 16,4% em 2005.
Entre 2005 e 2011, novas edições consolidaram a obrigação de contemplar todas as regiões, mas a distribuição desigual dentro do Centro-Oeste, com maior concentração no Distrito Federal. Mato Grosso do Sul e Mato Grosso continuaram com participação simbólica, enquanto Goiás começou a se destacar timidamente.
O edital "Curta Afirmativa", lançado em 2012 e repetido em 2014, trouxe inovações importantes para promover a equidade racial e regional. A exigência de ao menos um projeto por região geográfica beneficiada em estados como Goiás e Mato Grosso. No entanto, mesmo com essa política, há maior concentração de recursos contínua no Sudeste e no Distrito Federal.Em 2017, o edital de classificação extra para propostas de estados menos favorecidos, incluindo Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, além de introduzir um limite máximo de quatro projetos por unidade federativa. Essas medidas resultaram em uma distribuição mais equilibrada, com Goiás consolidando-se como um novo polo emergente ao lado do Distrito Federal.
No entanto, 2018 apresentou um retrocesso significativo. A ausência de projetos aprovados em Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e Goiás revelou as limitações do modelo, que não garantem resultados consistentes.
O Distrito Federal manteve a liderança na região, mas a participação total do Centro-Oeste foi reduzida.
Em 2004 foi implantado de maneira inaugural os instrumentos de regionalização. Os três chamamentos lançados pela SAV tinham a descentralização da produção como um dos critérios de avaliação.
Já nos editais do ano passado foi delimitado um mínimo de dois projetos por região (foram selecionados 10). Preferencialmente, eles também deveriam pertencer a unidades federativas diferentes. O resultado foi uma distribuição regional e estadual equilibrada. Cada região obteve 20% de projetos contemplados.
"A regionalização da produção audiovisual no Brasil é uma pauta complexa que está inserida em um contexto muito maior do que o escopo desta investigação. No período pesquisado, muito mudou tanto em termos econômicos quanto sociais no Brasil. O audiovisual se transformou de várias formas, com a criação e extinção de órgãos, a inclusão de novos marcos normativos e a evolução tecnológica, para citar alguns poucos exemplos. As políticas afirmativas também extrapolam a esfera federal e até a estatal. Estados, municípios e os próprios realizadores são agentes ativos dessa mudança. Apesar das limitações inerentes a essa investigação, foi possível, ainda assim, notar o impacto dos indutores de regionalização na seleção de projetos de curta-metragem em editais da SAV. A primeira medida a gerar resultados concretos foi a cota mínima por região. Essa medida, apesar de tímida, possibilitou a entrada e permanência de projetos selecionados da região Norte. A concentração massiva de seleções na região Sudeste, em especial nos estados Rio de Janeiro e São Paulo, no entanto, se manteve. A pontuação extra para determinadas unidades da federação apresentou resultados mais favoráveis nesse sentido, em especial quando o número de pontos foi maior (2 pontos adicionais em 2014, por exemplo)", argumentou o MinC. "Os resultados mais expressivos ocorreram em 2023 quando foi delimitado um mínimo por região e um máximo por unidade federativa, resultando em uma divisão mais igualitária das seleções e na inserção de projetos de estados com histórica dificuldade de acessar políticas públicas da área", completou na pesquisa.
Especialistas sugerem que o fortalecimento do audiovisual no Centro-Oeste exige políticas mais integradas, como editais exclusivos para a região e capacitação técnica em estados com menor infraestrutura.
Além disso, fomentar a cooperação entre estados do Centro-Oeste pode ser uma estratégia para descentralizar ainda mais a produção e reduzir a dependência do Distrito Federal como polo principal.