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18ª FESTIVALI

Filme expõe luta pela sobrevivência cultural dos Ofaié em Mato Grosso do Sul 

Longa "Inventário das Várzeas" estreou durante o 18º Festival de Cinema do Vale do Ivinhema

Por TERO QUEIROZ | ALY FREITAS • 12/08/2024 • 18:37
Imagem principal Foto: Tero Queiroz

A estreia do longa-metragem “Inventário das Várzeas”, de Ricardo Câmara e Maurício Copetti, realizada na noite de 11 de agosto, no Galpão das Artes da Fundação Nelito Câmara, durante a programação do 18º Festival do Vale do Ivinhema (FestiVali), traduz a urgência da luta dos últimos falantes da língua Ofaié para manter a cultura viva.  “Somos quatro Ofaié lutando contra o mundo, lutando contra ao Brasil”, declarou José de Souza Ofaié, o Kói, que protagonizou o documentário.

Essa, que já foi uma grande nação, conhecida como ‘o povo do mel, porque possuem profundo conhecimento das abelhas e cultivam produtos relacionados, com hábitos alimentares específicos relacionados ao mel e seus derivados, habitavam a margem direita do rio Paraná, desde a foz do Sucuriú até as nascentes do Vacaria e Ivinhema. 

Apesar de serem seminômades, os Ofaié tinham Território Indígena original fixado no local onde foi instalada a Hidrelétrica Engenheiro Sérgio Motta (ex-Porto-Primavera), empreendimento que posteriormente levou a expulsão dos Ofaié da terra originária, relegando-os a viverem na Terra Indígena Ofaié-Xavante situada no município de Brasilândia (MS), declarada de posse permanente indígena em 1992, homologado em 1996. 

Atualmente resiste uma pequena comunidade indígena Ofaié que se espreme numa área de pouco mais de 80 hectares. 

Foto: Tero Queiroz Joel Pizzini, da Polo Filmes, falando ao lado da equipe do filme "Inventário das Várzeas" | Foto: Tero Queiroz

O documentário da produtora Polo Filmes, com produção executiva de Juliana Domingues, revela que parte do território Ofaié é justamente onde hoje está o Parque Estadual das Várzeas do Rio Ivinhema, uma área de pouco mais de 73,3 mil hectares que se tornou área de preservação no final dos anos 90, graças a uma proposição do deputado Nelito Câmara, pai do diretor do FestiVali e roteirista e diretor do documentário, Ricardo Câmara.  

Durante um bate-papo com público, após a exibição, Kói foi contundente ao declarar que a hidrelétrica praticamente agiu com intuito de eliminar a existência Ofaié, quando lhe retirou de seu território. “Quando nós perdemos nosso território a gente perde tudinho nossa vida, que é nossa cultura, nossa tradição”, lamentou.

Kói revelou ainda que a principal estratégia para resgatar a língua é produzir livros didáticos na língua materna para deixar sistematizado para crianças e jovens indígenas na escola. “Nós já produzimos livros didáticos para o primeiro, segundo e terceiro ano, um dicionário na língua Ofaié, e estamos produzindo mais e mais. Eu me sinto muito honrado com esse filme e inspirado a seguir a produção sobre mais detalhes da nossa cultura”, anotou.

Foto: Tero QueirozEquipe do filme "Inventário das Várzeas" | Foto: Tero Queiroz

“Hoje temos a parceria com a Secretaria Estadual de Educação, também a Secretaria Municipal de Educação e com apoio com a Universidade Estadual de Campo Grande através do programa Saberes Indígenas, e nós estamos incluídos nesse programa para produzir livros. Porque nós Ofaié há anos não tínhamos nada escrito em nossa língua, mas agora estamos escrevendo”, descreveu Kói. “Eu me senti fortalecido, guerreiro, resistente! Nós somos guerreiros e vamos resistir e existir para que mais coisas boas como essa aconteça. Tentaram nos exterminar, mas não conseguiram. Meu coração ficou feliz com esse filme”.  

O contexto dos Ofaié não é único no Brasil, onde muitas outras etnias enfrentam desafios semelhantes. A falta de reconhecimento oficial das línguas indígenas e a dificuldade em integrar essas línguas no currículo escolar são questões recorrentes. Os Ofaié, como muitos outros povos indígenas, enfrentam a realidade de que suas línguas e culturas são frequentemente ignoradas pelo sistema educacional e pelo governo.

De acordo com Kói, além das iniciativas educacionais, os Ofaié estão também trabalhando para estabelecer uma escola específica para a sua cultura, o que representa uma luta contra a padronização do ensino que não leva em conta as particularidades das diferentes etnias. A escola é uma tentativa de criar um espaço onde a cultura e a língua dos Ofaié possam ser ensinadas e celebradas de maneira apropriada e respeitosa.

O filme ‘Inventário das Várzeas’, inclui uma trilha sonora especial composta por Léo Copetti, com tema composto e interpretado por Paulo Simões e Celito Espíndola. A reação ao filme foi de profunda emoção, com muitos expressando a dor e o orgulho de ver a história dos Ofaié representada de forma tão vívida e respeitosa.

"Tem muita coisa por trás dessa nossa história. Então é muito rico o filme que está sendo mostrado aí. Você está de parabéns. O meu coração ficou feliz com isso", disse o professor e pesquisador Carlito Dutra.

Homenageado no FestiVali, o ator Antônio Pitanga disse se entristecer com a luta exposta em 'Inventário das Várzeas'. "Eu vejo com muita tristeza da alma como uma pessoa de cinema. E com muito reconhecimento da coragem de vocês, como ele [Kói] fala, nós somos quatro. Quantos de nós que teremos essa coragem de fazer essa varredura, essa revisitação, né? Para que o Brasil, né? Eu acho que essa mostra, esse encontro, nesse festival faz uma leitura das mais importantes, porque toda essa revolução tecnológica, olha, eu sou um homem de 85 anos, eu sou um homem quase do início do século passado, aonde a gente se comunicava no olhar, na leitura. E chegamos hoje num mundo digital e quando você me mostra isso [o filme] me choca! Por mais que a gente tenha noção, principalmente eu, do meu país, da minha família negra, dos meus antepassados, dos povos originários, a gente diz assim: até quando? Até quando?", desabafou.

Foto: Tero QueirozAntônio Pitanga se entristeceu ao conhecer a história do povo Ofaié | Foto: Tero Queiroz

Diretora e idealizadora do Festival Internacional de Documentário 'É Tudo Verdade', de São Paulo, Mônica Guimarães expressou sua admiração pela esperança que o filme desperta. "É tão bonito. Eu acho que a primeira coisa que eu queria falar do filme é isso. Eu acho que tem um mérito estético no filme que potencializa toda uma luta. Quando você vem depois do filme e fala desses quatro [indígenas], a gente pensa que quatro viram 16, que viram 32, que viram 64. E esse é o momento. E esse é o futuro que você estava falando. Talvez, acho que depois do filme, a gente pode pensar isso. É muito bacana poder ver um filme onde a gente embarca numa história. É muito importante que a gente fale da causa indígena sem melancolia, com um futuro na frente", declarou. 

Foto: Tero QueirozPara Mônica Guimarães, o filme leva a refletir sobre  | Foto: Tero Queiroz

A atriz paraguaia Ana Ivanova aproveitou o momento para falar da semelhança do apagamento de identidade enfrentado por povos indígenas em toda a América Latina devido ao processo de colonização. "Na América Latina há muitas línguas. Quando os espanhóis e os portugueses vieram, levaram tudo. É muito importante o que vocês [equipe] estão fazendo, porque isso é tudo o que éramos antes e quem seguimos sendo", declarou a atriz, defendendo a importância do filme para a preservação da história do povo Ofaié. "Alguém que crê que o passado não tem nada a ver com o futuro está equivocado. Quando revisamos nosso passado, compreendemos melhor aonde vamos. Isto é um resgate para o futuro, para sermos melhores no futuro. Hoje é um dia muito importante. Estamos abrindo uma porta para a consciência de quem somos", finalizou Ivanova.

A programação do FestiVale segue até dia 16 de julho. A programação completa você pode conferir no Instagram da Fundação Nelito Câmara.

 


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