Logo TeatrineTV
1260x100
320x100
OLUBAYO

Cinema inspira pertencimento, reflexão e sonhos nas Comunidades Quilombolas

'A identidade é uma construção', disse a presidente da Tia Eva

Por TERO QUEIROZ • 24/04/2025 • 21:50
Imagem principal Projeto Olubayo encerrou exibições da sua 1ª edição na Comunidade de Tia Eva. Foto: Tero Queiroz

A Comunidade Quilombola Tia Eva, em Campo Grande (MS), recebeu na noite de 12 de abril a última sessão do projeto Olubayo – Cinema nas Comunidades Quilombolas, idealizado pela professora Bartolina Ramalho Catanante, a professora Bartô, e realizado pelo grupo Trabalho Estudos Zumbi (TEZ), com financiamento da Lei Paulo Gustavo. 

Mesmo sob forte chuva na tarde e noite do dia de encerramento, várias pessoas da comunidade compareceram a sessão cinematográfica. Foto: Tero Queiroz Mesmo sob forte chuva na tarde e noite do dia de encerramento, várias pessoas da comunidade compareceram a sessão cinematográfica. Foto: Tero Queiroz 

Apesar da forte chuva registrada naquela noite, moradores de diferentes faixas etárias — crianças, jovens, adultos e idosos — compareceram à sessão. A exibição começou pontualmente às 19h, em no grande Salão Social da Comunidade de Tia Eva. Um telão foi instalado como centro do espaço. Parte dos espectadores se sentou em cadeiras organizadas em fileiras; outras pessoas, principalmente crianças, assistiram ao conteúdo acomodadas sobre cobertores no chão. Saquinhos de pipoca foram distribuídos ao longo da noite.

Parte do público, as crianças, assistiram deitadas. Foto: Aly FreitasParte do público, as crianças, assistiram deitadas. Foto: Aly Freitas

A programação contou com a exibição de cinco curtas-metragens: Fábula da Vó Ita, de Joyce Prado; Bonita, de Mariana França; Luzes Debaixo, de Tero Queiroz; Águas, de Raylson Chaves; e Jardim de Pedra – Vida e Morte de Glauce Rocha, de Daphyne Schiffer. Todas as produções foram dirigidas por cineastas negros e abordam temas relacionados à memória, identidade, beleza e resistência.

Sessão contou com a exibição de 5 filmes de cineastas negros e negras. Foto: Tero Queiroz Sessão contou com a exibição de 5 filmes de cineastas negros e negras. Foto: Tero Queiroz 

Além das sessões de cinema, a proposta incluiu momentos de escuta e discussão entre os participantes, com foco em temas como identidade, ancestralidade, pertencimento e acesso à produção audiovisual negra no Brasil. O nome do projeto, Olubayo, vem do iorubá e significa “a maior alegria”.

CINEMA QUE SE PARECE COM QUEM ASSISTE

Irinéia exaltou os filmes exibidos na sessão Olubayo. Foto: Aly Freitas Irinéia exaltou os filmes exibidos na sessão Olubayo. Foto: Aly Freitas 

Durante o evento de encerramento na Tia Eva, contou com sessões seguidas de rodas de conversa com a comunidade.

A professora Irineia Lina Cesário, do grupo TEZ, falou sobre como o projeto contribuiu para reflexões sobre autoestima, construção da identidade negra e representatividade. Ele mencionou, principalmente acerca filme 'Bonita', da atriz e diretora paulista Mariana França, que apresenta vivencias de três mulheres pretas de gerações distintas e que são ou já foram atravessadas pelo mesmo sentimento: a solidão e a solitude da mulher negra. “Olha, é interessante porque referência a gente tem, né? Eu tinha referência da minha mãe, depois com o da militância. Só que quando você tem um filho, é diferente. [...] A referência das amigas era de cabelo alisado. [...] O caminho mais fácil era justamente esse de alisar. [...] Hoje ela entende que, se quiser alisar, tudo bem, mas por gosto — não por padrão". 

Mariane apontou forte conexão com o filme 'Bonita'. Foto: Aly Freitas Mariana apontou forte conexão com o filme 'Bonita' dirigido peloa sua quase chará, Mariane França. Foto: Aly Freitas 

A filha mencionada por Irineia é Mariana Cesário, de 26 anos, que também refletiu sobre 'Bonita' ao lado da mãe: “Quando era criança, eu alisei. Na época não tinha produtos que tem hoje pra cabelo cacheado. [...] Não falavam pra eu aceitar meu cabelo. Minha mãe também alisava, então eu alisava. [...] Foi uma forma de reflexão também. O contato com outras realidades impacta muito", pontuou. 

Irinéia e a filha Mariana após a sessão cinematográfica na Comunidade Quilombola de Tia Eva. Foto: Tero Queiroz Irinéia e a filha Mariana após a sessão cinematográfica na Comunidade Quilombola de Tia Eva. Foto: Tero Queiroz 

Endossada pela mãe, Mariana reforçou como a sessão, como um todo, mexeu positivamente com o sentimento de pertencimento e ancestralidade. "É diferente de ir no cinema e ver só branco na tela", disse a filha. E Irinéia completou. "Aqui nós temos mais do que apenas as pessoas pretas na tela, ou filmes dirigidos por pessoas negras, nós temos a cultura negra exaltada. Se eu pudesse escolher, assim como a personagem do filme Bonita, nasceria novamente mulher preta", declarou. 

MAGIA DO CINEMA E DESCOBERTA DA ANCESTRALIDADE

Barthô interagindo com uma membro da Comunidade Quilombola de Tia Eva após a sessão Olubayo no salão sa comunidade. Foto: Tero QueirozBarthô interagindo com uma membro da Comunidade Quilombola de Tia Eva após a sessão Olubayo no salão sa comunidade. Foto: Tero Queiroz

Professora Barthô enfatizou que ao fim dessa edição do Olubayo percebeu dois grandes impactos: “A questão de despertar a consciência: ‘quem sou eu, essa negritude, eu sou quilombo’ [...] E, ao mesmo tempo, a magia do centro, da arte. [...] Muitas dessas crianças nunca tinham ido ao cinema. Aqui mesmo, elas perguntaram: ‘As luzes vão apagar, né?’”.

Barthô lamentou que a única sessão com debate com os diretores tenha ocorrido apenas na Capital. Foto: Aly FreitasBarthô lamentou que a única sessão com debate com os diretores tenha ocorrido apenas na Capital. Foto: Aly Freitas

Ela também destacou os desafios enfrentados e o desejo de um próxima edição mais potente: “A gente queria levar os diretores junto, mas não foi possível. Foi um processo de resiliência. [...] Primeiro chegam as crianças, depois as mulheres, depois os idosos, os homens por último — mas eles sempre chegam". 

REFLEXOS NAS GERAÇÕES DA COMUNIDADE

Vera celebrou o projeto Olubayo e apelou ao governo pela sua continuidade. Foto: Aly FreitasVera celebrou o projeto Olubayo e apelou ao governo pela sua continuidade. Foto: Aly Freitas

A presidente da Associação de Descendentes de Tia Eva, Vera Lúcia, reforçou a importância de ações culturais como essa. “A reflexão da realidade. As mulheres lavadeiras. Quantas de nós não fomos lavadeiras? [...] Era uma brechazinha para descansar e assistir. [...] Uma menina falou: ‘É uma princesa negra, com cabelo igual ao meu’. Olha isso. [...] A identidade é uma construção ao longo do tempo, e os filmes tocaram isso", pontuou.  

CINEASTAS EM DIÁLOGO COM O PÚBLICO

Daphyne defendeu que cineastas negros possam realizar filmes sobre os temas que os atravessam. Foto: Aly FreitasDaphyne defendeu que cineastas negros possam realizar filmes sobre os temas que os atravessam. Foto: Aly Freitas

A diretora Daphyne Schiffer, que exibiu “Jardim de Pedra – Vida e Morte de Glauce Rocha”, se disse realizada de levar aos pares um filme que narra memória. “Eu vejo as pessoas olhando e falando: ‘Dá pra fazer isso? Dá pra contar uma história minha?’ [...] Queria mostrar que o cinema é para todo mundo", definiu.  

Já o diretor Raylson Chaves, com o filme “Águas”, resumiu o momento em uma palavra: 'felicidade!'. “É a felicidade de ver as pessoas se identificando com o filme. [...] Quando eu via filmes estrangeiros, eu achava distante. [...] Agora as pessoas se conectam com a dona Janice, porque ela é parecida com elas", salientou.

Raylson elogiou o Olubayo e destacou a forte conexão do público com seu filme 'Águas'. Foto: Aly FreitasRaylson elogiou o Olubayo e destacou a forte conexão do público com seu filme 'Águas'. Foto: Aly Freitas

Apesar de celebrar as políticas de incentivo, Raylson explicou que os recursos para o cinema sul-mato-grossense ainda não são suficientes. “O Estado não valoriza tanto a cultura. [...] Esse projeto mesmo, 24 mil para 20 pessoas. Eu recebi uns quinhentos reais. [...] A gente faz porque acredita. [...] Se a gente não contar essas histórias, ninguém vai contar", ponderou. 

Cena do filme 'Jardim de Pedra', um recorte que evidencia a força da atuação da atriz Glauce Rocha. Foto: Tero QueirozCena do filme 'Jardim de Pedra', um recorte que evidencia a força da atuação da atriz Glauce Rocha. Foto: Tero Queiroz

Tanto Daphyne como Raylson apelaram pela continuidade e fortalecimento do projeto Olubayo. Ela reforçou o caráter único do projeto: "É inédito! Mesmo com essa chuva as pessoas da comunidade vieram, elas estão aqui tocadas com nosso filme. Elas conheceram realidades, se identificaram, conheceram personalidades como Glauce Rocha, atriz da nossa terra, que muitos desconhecem. Então, o projeto aqui cumpre um papel de educação, entreter, estimular e proporcionar às pessoas que possam sonhar", concluiu Daphyne. 

VEJA A GALERIA COMPLETA DA SESSÃO DE ENCERRAMENTO DA 1ª EDIÇÃO DO PROJETO OLUBAYO 

Fotos da galeria: Aly Freitas e Tero Queiroz (clique para ampliar e ver em melhor resolução)

OLUBAYO EM MS 

O projeto Olubayo – Cinema nas Comunidades Quilombolas percorreu nove comunidades de Mato Grosso do Sul entre fevereiro e abril de 2025, levando sessões de cinema e rodas de conversa sobre identidade, ancestralidade e pertencimento. As datas das sessões foram as seguintes:

  •     1º de fevereiro: Comunidade Quilombola Águas do Miranda, Bonito;
  •     9 de fevereiro: Comunidade Quilombola Furnas do Dionísio, Jaraguari;
  •     22 de fevereiro: Comunidade Quilombola Família Cardoso, Nioaque;
  •     15 de março: Centro Social do Residencial Guassu, Dourados;
  •     12 de abril: Comunidade Quilombola Tia Eva, Campo Grande.

O projeto recebeu R$ 200 mil de incentivo ao ser contemplado no edital da Lei Paulo Gustavo, com recursos do Ministério da Cultura (MinC), realizado localmente por edital da Fundação de Cultura de Mato Grosso do Sul (FCMS). A íntegra

 


Google News

Tags: Comunidade Quilombola Tia Eva, Daphyne Schiffer, Irineia Lina Cesário, Joyce Prado, Mariana Cesário, Mariana França, Olubayo – Cinema nas Comunidades, Professora Barthô, Raylson Chaves, Tero Queiroz

Veja Também

Nos apoie:

Chave PIX:

27.844.222/0001-47

QR Code para doacao