O produtor e diretor Leonardo Edde ministrou uma aula magna do "III Curso de Documentário Campo Grande em Imagens e Sons", às 19h de 4ª-feira (31.jul.24), na sede do Teatro do Mundo, em Campo Grande (MS).
Dada a relevância do profissional, a sala de espetáculos do teatro foi lotada, por acadêmicos, profissionais e políticos ligados ao audiovisual.
Idealizado pelos cineastas Marinete Pinheiro e Carlos Diehl, a aula integra a programação de um curso de um mês que está na 3ª edição. “Esse curso nasceu em 2017 para fazer registros audiovisuais da memória de Campo Grande. É uma iniciativa da Marinete, representando o Museu da Imagem e do Som, e minha, representando a TV Educativa. A gente tinha uma necessidade de fazer isso, e a gente fez isso. A gente tinha a necessidade de fazer produtos que divulgassem a nossa cultura, e a gente estava num momento que nenhum dos dois conseguia produzir sozinho, e a gente com o arquivo se perdendo, ela estando no MIS, eu estando na TV. Então, resolvemos juntar as forças e fazer esse curso, porque a gente queria movimentar o mercado”, introduziu Diehl ao repórter do TeatrineTV.
Com a produção da proponente Ana Rita Dornelles, o curso oferece 60h de aulas teóricas e práticas que devem resultar na produção de três curtas-metragens sobre a capital sul-mato-grossense. A ação cultural foi contemplada com R$ 48.200,00, em edital da Lei Paulo Gustavo. “O primeiro curso resultou em cinco documentários. Daí a gente escreveu para um prêmio e fizemos a segunda edição do curso, que também resultou em mais cinco documentários. Essa segunda edição foi na pandemia, foi online, mas mesmo com toda a dificuldade, a gente conseguiu produzir. E agora a gente está na terceira edição pela Lei Paulo Gustavo, com a proposta de, primeiramente, trazer um conteúdo de formação mais avançada no documentário. A gente quer levar um conhecimento mais prático, de forma a produzir o material com todas as características profissionais de mercado”, detalhou Diehl. Eis a íntegra.
Conforme o produtor, em relação às edições anteriores, o curso é menor. “Nos outros cursos, a gente chegou a ter seis meses de duração, na segunda edição foi três meses, essa aqui é um mês de curso. Mas a gente quer proporcionar da forma mais profissional possível esse curso, porque sentimos a necessidade do mercado”, disse.
“A LÓGICA É SEMPRE IGUAL”
Com 25 anos de experiência no audiovisual, tendo assinado produções executivas de sucessos como "Tropa de Elite 2", de José Padilha, e "O Filme da Minha Vida", de Selton Mello, atualmente, sócio-produtor da Urca Filmes, presidente do Sindicato da Indústria do Audiovisual (SICAV) e vice-presidente da Federação da Indústria do Rio de Janeiro (Firjan), Leonardo Edde declarou que os conhecimentos oferecidos na aula magna podem ser aplicados em quaisquer produções.
“Eu tentei trazer aqui uma experiência quase que de vida, que serve para qualquer tipo de produção. Porque eu não acredito que tem empresas grandes ou pequenas, tem produções maiores ou menores. Só que a lógica é sempre igual. Eu costumo dizer que é igual para qualquer produção, qualquer tamanho de projeto, a lógica é igual. O risco é maior ou menor, a dificuldade é maior ou menor, mas a lógica é igual. Então, tudo que eu trouxe aqui, eu quis trazer muito mais conceitos, exatamente por isso, porque serve para tudo, serve pra todo mundo”, garantiu.
Leonardo agradeceu a atenção recebida pelo público campo-grandense que lotou a sala de espetáculos do Teatro do Mundo. “Olha, eu vi uma diversidade grande de pessoas aqui, não só produtores ou não só realizadores, mas pessoas interessadas no audiovisual. Eu realmente, como eu falei duas ou três vezes, fiquei impressionado com todo mundo realmente prestando atenção no que eu estava falando. Eu não vi ninguém no celular, olhando o celular, passando mensagem e tal. Ficou todo mundo prestando bastante atenção com respeito, o que é difícil hoje em dia com toda essa fragmentação da atenção. Então, eu fiquei bem feliz, fiquei feliz por isso. Eu acho que as pessoas vão agora refletir sobre o que escutaram e tal, e eu espero que fique ressoando na cabeça das pessoas aí durante muito tempo”.
Questionado sobre a possibilidade de realizar produções futuras em MS, Leonardo revelou que desenvolveu trabalhos recentes no Pantanal e estimulou os produtores locais. “Eu já produzi muito serviço internacional aqui. Acabei de fazer um documentário sobre o estudo do Tatu Canastra no Pantanal. Quero muito produzir, por isso que eu falei que toda história importa, porque eu acho muito interessante fazer essas histórias acontecerem e tem muita história aqui, que eu conheço razoavelmente o Mato Grosso do Sul e a fronteira tem muita história interessante. Então, seja para ficção, seja para documentário, eu acho importante desenvolver e colocar para o mundo, porque a gente mal se conhece dentro do Brasil. A gente precisa realmente se conhecer melhor e só o audiovisual consegue transformar isso e nos apresentar uns aos outros”, declarou.
PRÓS E CONTRAS
Atenta durante a aula de Leonardo, a vereadora Luiza Ribeiro considerou o momento além de educacional, estimulante ao setor audiovisual e ao seu trabalho no legislativo campo-grandense. “Ele trouxe um espetáculo de oficina para nós, para que a gente se organize na esfera municipal com a criação da possibilidade de investimentos das empresas privadas em audiovisual. À semelhança da lei Rouanet, ou a Lei do Audiovisual nacional, que nós podemos fazer isso com as receitas municipais, que é o IPTU, o ISS, uma grande empresa de telecomunicações como a Brasil Telecom, ou com a Vivo, não sei o que, que tem centrais aqui, nós temos que pagar o ISSQN para a prefeitura. Então, os artistas podem captar recursos dessas empresas que seriam destinados aos impostos para fins da cultura”, destacou.
Leilane Beatriz, de 19 anos, acadêmica do 6º semestre de Audiovisual na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), revelou que a turma esperava outra abordagem na aula magna. “Como é um cara de fora, com nome e tal, a gente no curso acabou ficando: o que será que ele vai falar? Vamos! Mas agora, a gente conversando ali, percebemos que a gente esperava muito ele falar sobre cinema, mais do que essa parte burocrática, essa parte mais empreendedora... Mais aqui ele acabou abordando muito o cinema como a indústria de um jeito meio estadunidense. E, enfim, eu, particularmente, não achei muito proveitoso. Mas, claro que teve algumas coisas que eu achei bem interessantes”, avaliou.
A estudante esclareceu que na academia muito do que foi dito por Leonardo é uma aula básica. “Essa coisa de explicar a estrutura de produção, de como o mercado funciona, de como é a distribuição e as etapas do audiovisual. A gente estuda isso. Então, a gente espera uma coisa muito, sei lá, além de uma coisa mais peculiar, e ele acabou sendo bem geral. Pensamos que seria uma coisa mais empírica, tipo o processo de produzir um filme gigantesco com nove milhões, que para nossa realidade é muito dinheiro. Eu acabei esperando um pouco mais dessa coisa de como foi produzir um filme tão grande, como é o ‘Nosso Sonho’, né? E tal. Mas, no geral, assim, foi uma experiência ok, mas acredito que poderia ter um pouco mais de cinema”, orientou.
Por outro lado, a fotógrafa Bruna Motta, de 31 anos, elogiou a aula magna. “Trazer esses conhecimentos de lá, a experiência dele também como produtor, tanto de ficção quanto de documentário, foi muito legal. Ele falou muitas coisas sobre leis, falou bastante sobre como o mercado mudou agora e como a gente também tem que se atualizar e saber sobre essas coisas. Mesmo que a gente seja num mercado que seja pequeno, que a gente não consiga fazer produções, por exemplo, como a Netflix da vida, mas ter essa mentalidade, sabe? Ele trazer esse conhecimento dessa mentalidade para os produtores audiovisuais daqui de Campo Grande é muito legal”, comentou.
Motta contou que está fazendo parte das oficinas, para ela, que muito estão acrescentando à sua carreira. “O curso também é ótimo para isso, porque os produtores audiovisuais daqui, como produtora também, eu sinto falta de ter essa parte da educação. A gente investe muito na parte prática, já entra no mercado de trabalho, às vezes não sabe tanta coisa, então ter uma formação, mesmo que seja um curso rápido, já é ótimo, já agrega muito. Não só para a gente fazer, produzir melhor, mas para que a gente conheça também outras pessoas com quem a gente possa colaborar”, apostou.
Questionada sobre o porquê decidiu oferecer uma aula com um produtor que atua no Eixo Rio/São Paulo, sob outra realidade, a proponente Ana Rita Dornelles foi incisiva: “Como assim, por quê? Para a gente trocar ideias, ele vem com toda essa coisa do embasamento, de você chegar a legitimar a sua produção, de você conseguir tirar o DRT, você criar o sindicato. É isso que ele nos traz. Com isso, o mercado se fortalece! As pessoas que estão aqui, a Mara, o Rui, o Macarrão, esse pessoal que está à frente do audiovisual, que realmente faz, esse pessoal está superinteressado, porque eles querem realmente fortalecer o mercado. Tem uma universidade formando profissionais do Audiovisual, tem que ter essas ações para todos conseguirem receber um DRT. Eu sou produtora de TV há quantos anos, meu DRT é de radialista, então eu acho que precisa, eu acho que tem impacto essas ações. O pessoal está muito interessado. Eu acho que vai dar resultado. O importante é dar resultado”, argumentou.
REGISTROS TRABALHISTAS
Durante a aula magna, uma das questões discutidas foi a dificuldade enfrentada pelos profissionais do audiovisual em Mato Grosso do Sul para obter Registros Profissionais (DRTs) em suas respectivas áreas.
Leonardo Edde explicou que, em estados como São Paulo e Rio de Janeiro, a emissão desses registros é facilitada através dos sindicatos trabalhistas. No entanto, em Mato Grosso do Sul, o processo enfrenta desafios significativos.
Rose Aparecida Borges Ferreira, radialista e editora, e primeira mulher a presidir o Sindicato dos Trabalhadores em Empresas de Radiodifusão, Televisão, Publicidade e Similares de Mato Grosso do Sul (SINTERCOM/MS), ponderou que um dos principais obstáculos está na falta de distinção clara entre as entidades representativas.
Para ela, uma brincadeira tradicional é: cada macaco no seu galho. “A gente sempre brinca com essa expressão”.
Ela explicou que, assim como os cursos de uma faculdade são especializados (jornalismo, rádio, artes visuais, audiovisual), os Registros Profissionais também são distintos. “Se você é um jornalista, você vai procurar o Sindjor. Se você é um radialista, você vai procurar o Sintercom. Então, são dois segmentos ali, e se você é audiovisual, você trabalha com cinema, você vai procurar o Sindcine, o Sicav, que também tem outra especificidade, que aí também você tem que notar. Se você é uma produtora de vídeo, você é uma empresa, PJ, você vai procurar o Sicave, mas se você é um trabalhador, é o Sindcine. E quais são as diferenças? É realmente o trabalho!”, esmiuçou.
A sindicalista detalhou que as diferenças entre os segmentos vão além das especificações dos registros. “Um editor de imagem para um jornal trabalha com hard news, realizando edições rápidas para notícias de última hora. Em contraste, um editor de cinema realiza edições refinadas e artísticas, envolvendo múltiplos cortes e colaboração com produtores e diretores. Cada tipo de edição exige um registro profissional diferente devido às suas características específicas”, analisou.
Ela acrescentou que, enquanto o produtor de televisão geralmente tem um background em jornalismo, o produtor de cinema tem um papel mais complexo e especializado, que abrange desde a coordenação do set até a gestão de locações e contratos.
Rose ainda defendeu que se faça uma conscientização maior da importância da emissão de registros, para que os profissionais do audiovisual em Mato Grosso do Sul possam ter acesso a oportunidades da indústria. “Tem que solicitar, mas ficar atento para que seja uma habilitação nas suas áreas específicas”, reforçou.
EMPREENDIMENTO AUDIOVISUAL
Já no encerramento da aula, Leonardo apresentou mais um dos seus empreendimentos aos presentes na aula, trata-se da plataforma Transformação Audiovisual (TAV), que aplica o método Audiovisual Ágil para modernizar a criação e distribuição de conteúdo, acelerando o crescimento de projetos criativos. “É uma plataforma que está disponível para todo mundo. As pessoas entram lá, se cadastram. A plataforma vem de um projeto maior que é o Transformação Audiovisual, que é exatamente para tentar levar todo esse conhecimento de forma estruturada para o país inteiro, para todo mundo que quiser. Então, para isso, a gente criou a Transforma, que é a plataforma, que é acesso grátis para todo mundo, ou seja, é só se inscrever que você já começa a participar da rede social, que é uma parte inicial que é a rede social só com pessoas do audiovisual. Então, tem produtores, técnicos, realizadores, roteiristas, atores, atrizes, enfim, tem todo tipo de interessados no audiovisual que discutem audiovisual. É, desde criação até os editais. Tirar dúvidas de editais e possibilidade de financiamento, por aí vai. E a partir disso, lá dentro, você tem acesso a master classes específicas, a uma agenda de editais e festivais do mundo inteiro, do Brasil todo, ou seja, tudo que eu sempre quis que fizessem para mim, eu quis fazer na plataforma”, disse Leonardo.
Para a sustentabilidade do projeto, Leonardo e sua sócia, Dani Tolomei – especialista em produção audiovisual com vasta experiência, incluindo trabalhos em NYC e liderança na Rede Globo – oportunizam que sejam contratados serviços. “Tem a parte paga da plataforma, que aí você começa a ter acesso a cursos específicos, começa a ter acesso a outras master classes específicas e a uma mentoria. Então, tem um time de mentores ali que você pode, obviamente, pagando o custo desses mentores, contratar para fazer a mentoria do seu projeto, da sua carreira, enfim, da sua empresa, que também é o objetivo principal da plataforma, é juntar todo mundo no mesmo lugar. Então, são pessoas que, às vezes, nunca teriam acesso porque essas pessoas são inacessíveis mesmo porque estão trabalhando, estão enroladas, enfim, por aí vai. Através da plataforma, você vai ter acesso de qualquer lugar do Brasil com essas pessoas”, completou.
MERCADO AUDIOVISUAL EM MS
Diehl pontuou que Leonardo alertou na aula magna que o mercado audiovisual nacional evolui muito em um curto espaço de tempo, mas o mercado sul-mato-grossense ainda está entre os mais fracos do Brasil. “E isso também reflete em termos de formação. O Rio2C é uma análise de mercado que a gente estava, se não me engano, em 24º lugar em produção. A gente só perdia para três estados que não tinham nada de produção. Então, pensa, a gente, tanto que a gente não tinha nada de produção, a gente tem para crescer”, opinou.
De acordo com o Diehl, no encalço do surgimento do curso de audiovisual, nasceu também a possibilidade de se revolucionar o mercado audiovisual em MS. “Então, tanto eu quanto a Marinete, a gente viu que até os professores se inscreviam no curso e a gente começou a trazer esses professores para o nosso lado para ajudar no curso. Então, professores do curso de audiovisual, nessa edição temos um professor do curso de jornalismo. A gente está trazendo esse pessoal para participar do curso, se engajar. Daí, eles também engajam a universidade”.
Um dos objetivos da aula magna e do curso em geral, segundo Diehl, é oferecer caminhos menos espinhosos aos realizadores da atualidade. “Porque produzir, teoricamente, seria fácil. É a ideia da câmera na mão, uma ideia na cabeça. Porque é aquele velho conceito do Glauber Rocha, ainda mais com o celular hoje em dia. Agora, fazer uma produção profissional exige muito mais preparação. E a possibilidade de trazer o Leonardo aqui, a gente pensou nessa possibilidade de profissionalizar o mercado. De oferecer um conteúdo voltado mais para o nível de mercado de indústria, do audiovisual como indústria. Então, é isso que a gente está tentando oferecer, essa visão industrial de mercado. E isso, esses alunos, eles estão vindo com essa ideia. Eles vêm com uma formação bem mais completa do que a gente teve, que a gente se formou muito na base da luta, principalmente quem trabalha com audiovisual aqui. Mesmo que tenha formação em audiovisual, é muito bater na cabeça na parede. Muito dano com os burros n'água”, lembrou.
Na avaliação de Diehl, o "III Curso de Documentário Campo Grande em Imagens e Sons" visa objetivamente trocar conhecimentos e provocar uma atualização. “A gente consegue oferecer caminhos que a gente já percorreu e que a gente ainda precisa percorrer muito, que mesmo a gente que já está produzindo há mais tempo, em MS, a gente só está começando, porque sentimos uma defasagem em termos de mercado muito grande. Como o Leonardo falou: o mercado cresce exponencialmente. De um ano para o outro, a coisa muda muito. Então, se a gente não tiver uma atualização constante, a gente está fora do mercado. A gente não pode parar no tempo. Não pode parar de forma alguma”, ressaltou.
Ainda conforme o produtor, oferecer uma aula com Leonardo Edde é devolver um investimento maior ao setor audiovisual. “Por ser um edital da Lei Paulo Gustavo, a gente sentiu uma obrigação também, além de dar as vagas gratuitas, de trazer algo diferente, de trazer uma oportunidade para a comunidade e colocar esse pessoal vindo para cá, para Campo Grande. Foi uma questão que a gente achou de trazer um retorno legal para o curso. Criar o acesso, comunicar melhor com a comunidade”, concluiu Diehl.