Os muros da Associação dos Moradores da Vila Santa Eugênia, em Campo Grande (MS), estavam sendo coloridos quando a reportagem chegou, por volta das 17h do domingo (5.jan.25), já com o sol se escondendo no horizonte e uma luz amarelada iluminando a Rua Agronômica, em frente à associação.
As tintas se misturavam, criando novas cores. Grafiteiras e grafiteiros se espalhavam pelo local, organizando sprays, pincéis, escadas e rolos. A rua, tomada por pessoas da cena artística, incluía DJs, MCs, dançarinos de Breaking, poetas e rappers, que, além de prestigiar, estavam ali para realizar apresentações.
Andando rápido, com uma lata de tinta no braço esquerdo e um rolo de pintura no outro, a grafiteira Thalya Veron (Thapz), idealizadora do encontro ao lado das artistas visuais Érika Pedraza e da multiartista Pretisa, parou por um instante e explicou o objetivo do mutirão artístico. “A ideia desse rolê é trazer o movimento da cultura Hip Hop. Eu pintei o bairro esses dias e conheci a Ilma, que comentou sobre esse espaço. Fui, olhei o muro, e achei superinteressante trazer arte e cor para aqui. Acho que o graffiti é isso: ocupar a comunidade e unir a galera”, disse Thapz.
A Ilma citada por Thapz é irmã de Nilma Maciel, atual presidente do Centro Comunitário. Elas se conheceram recentemente, quando Thapz coloriu os muros do salão na residência de Ilma. "A Thalya, que mora aqui perto, pediu para pintar o salão de casa. Aí sugeri que ela também fizesse o Centro Comunitário, que estava com a pintura bem desgastada, porque a gestão anterior não cuidou, não tinha nada", contou Ilma, enquanto observava, do outro lado da Rua Agronômica, a movimentação e a transformação que começava a acontecer nos muros da associação.
A extensão de 10 metros de muro não poderia ser colorida por poucas mãos. A articulação era necessária, algo que Thapz encarou sem dificuldades. "Eu não faço parte de nenhum colegiado de Hip Hop. Então, tudo o que uni aqui foram pessoas que conheci. Criei um grupo no WhatsApp e fui chamando um, chamando outro. E todas as pessoas que estão aqui compraram essa ideia. Se isso está acontecendo hoje, é por causa de cada pessoa que somou. É sobre união", afirmou.
A proposta para o evento foi que os temas abordassem elementos da natureza, mas cada artista trouxe sua técnica própria. "São dezenas de experiências e estilos aqui. Cada um tem um trabalho único. Para mim, é muito importante fazer esse movimento, algo que muitas vezes depende das fundações de cultura, mas que nem sempre nos apoiam. Aqui, a gente se uniu, fez uma vaquinha, comprou material e todo mundo pintou", explicou Thapz.
GAaRA, um dos artistas presentes, detalhou as técnicas utilizadas para criar uma conexão entre a rua e um dos ícones da natureza do estado. “Estou fazendo o que chamamos de ‘essência do graffiti’: letras grandes, no estilo masterpiece, com sombras e profundidade. Gosto de trabalhar com letras, e hoje vou usar esse estilo, além de uma arara, para integrar a temática da natureza, trazendo um dos animais mais conhecidos da nossa região, que é a arara", detalhou.
Ele também compartilhou o que o inspirou na escolha do pássaro. “Eu adoro cores, e a arara é um animal muito bonito, muito colorido. Essa foi a minha ideia: juntar a essência do graffiti com um elemento da natureza”.
Além dos grafiteiros experientes, o evento contou com a participação de artistas visuais em processo de aprendizado. "Esse é um espaço de oportunidade para quem está começando, que às vezes não tem condições de comprar o material. A gente se organiza, faz vaquinha e compra tudo junto", revelou Thapz.
Com uma longa carreira nas artes visuais, Érika Pedraza falou sobre sua participação no mutirão. “Eu pinto em todo canto porque sinto falta de ver mais mulheres negras nesses espaços. Estou pintando minha persona, com cabelo curtinho, e meu brinco. A ideia é refletir essa representatividade”, disse.
Érika também destacou o caráter colaborativo da ação: “A galera aqui veio pela união. A gente sente falta de fazer isso com todo mundo, não só com grafiteiros, mas com a galera do breaking, reunindo todo mundo sem ‘bate e volta’. O que está rolando aqui na associação é isso".
Diogo Nardini, de 15 anos, começou a grafitar em 2023 e compartilhou como se envolveu com a cultura de rua. "Faço mais graffiti e pixo. Não sei de onde veio esse gosto, mas comecei assistindo vídeos e logo estava envolvido. Hoje vou jogar uma tinta aí".
A ação também contou com a participação de Max Doisx, empresário de 29 anos e dono da loja Booomb Graffiti Shop, no Jardim Monumento. “Trouxemos um pouco da loja pela primeira vez, com camisetas, sprays, tintas. Lá na loja vendemos além dos produtos artes de outras pessoas, quem tiver arte e quiser vender, é só chegar lá e a gente combina”, convidou Max. Ele ressaltou que, apesar de ser uma ação colaborativa, a arte também tem um poder econômico. "É economia, sim. A gente agrega, consome e vende também”.
Thapz, por sua vez, ressaltou que o objetivo central não era o lucro, mas sim promover a união e beneficiar a comunidade da Vila Santa Eugênia. “Não é sobre grana. Estamos aqui pela união, para que todos se conheçam, tenham oportunidade de participar e prestigiar o movimento. É sobre unir os artistas independentes”. Ao ser questionada sobre a arte que deixaria no muro, Thapz revelou: “Vou fazer uma mãe d’água, uma mulher indígena do folclore sul-mato-grossense”, concluiu.
Ilma celebrava a transformação e a união proporcionada pela ação. “Acredito que vai dar uma nova cara para o nosso espaço. Vai ficar muito legal e trazer uma energia boa para todos. Sempre gostei de graffiti, acho que é uma forma importante de expressão cultural, especialmente para os jovens. O Hip Hop é uma ferramenta para mantê-los engajados em algo positivo. A comunidade é quem faz o bairro, não é um presidente ou um grupo. Cada um tem seu papel", destacou Ilma, acompanhada de uma vizinha e também integrante da associação. “Estamos tocando a associação com muito esforço, pagando as contas de água e luz acumuladas pela gestão anterior. A ajuda deles colorindo os muros é um grande presente para o começo do ano”, completou.
Érika citou, por fim, que há um desejo de expansão do projeto independente. “Se outras associações quiserem receber arte, é só nos chamar. Essa ação aqui não teve grana, mas teve muita parceria e amizade verdadeira. A ideia é forte, porque nossa cidade precisa de mais união. Não é todo dia que a gente tem a oportunidade de se encontrar e trocar ideias. Vamos continuar, fazer disso algo contínuo, porque ficar dependendo de eventos uma vez ou duas no ano não dá”, finalizou.