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DIA NACIONAL DA VISIBILIDADE TRANS

"Se a família falhar, a escola precisa ser o lugar acolhedor para pessoas trans", diz Pamella Yule

Arte-educadora compartilha vivências em um estado extremamente machista e religioso

Por ALY FREITAS • 29/01/2024 • 22:53
Imagem principal Foto: Arquivo Pessoal

"Eu não chego falando que sou uma pessoa trans e o quanto é difícil pra mim ser uma das poucas pessoas atuantes na rede [de ensino] e o quão privilegiados eles são por terem a oportunidade de conviver com uma professora trans. A representatividade ajuda a quebrar vários preconceitos e eles [estudantes] entendem de maneira orgânica que está tudo bem, não somos nenhum bicho de sete cabeças", introduziu a atriz, artista visual e arte-educadora, Pamella Yule.

Aos 36 anos, Pamella tem uma graduação em Artes Visuais pela UFMS, prêmios de melhor atriz pelo filme 'Madalena' e a tarefa de ser uma das poucas professoras transgênero que atua no currículo de arte da Rede Estadual de Ensino sul-mato-grossense. "Escolhi o curso de Artes Visuais porque sempre tive uma veia artística, sempre fui muito sensível, gostava das aulas. Fiz teatro e ballet clássico e contemporâneo no Ensino Médio e achei que uma carreira nesse ramo poderia me fazer ser uma profissional feliz. Eu flertava com edição de video também, e na faculdade tive contato com fotografia que foi o que me impulsionou para as minhas produções audiovisuais desde então, mas não conheço diretamente outros profissionais [professoras trans] da área, não tenho tantas trocas de vivências", explicou.

Para ela, Mato Grosso do Sul é um estado pouco acolhedor com as pessoas da comunidade LGBTQIAPN+ e isso influencia na maneira que ela é tratada dentro e fora do ambiente escolar. "É bastante desafiador, na questão de ser um estado extremamente machista e religioso. Precisa ter muito jogo de cintura, muito estômago e muitas vezes ficar reforçando o óbvio, sobre respeito e viver em sociedade", relatou.

madalena frame 1031x580Pamella em cena do filme 'Madalena', de Madiano Marcheti | Foto: Divulgação

No que diz respeito ao acolhimento de colegas de trabalho no ambiente escolar, a arte-educadora explicou que tudo depende da maneira que os gestores lidam com a questão de gênero. "Eu já passei por escolas que tentam desmistificar essa questão, já passei por escolas que preferem fingir que nada está acontecendo e abafar escândalos. Como o estado tem essa construção cultural que conhecemos, ainda tem muito trabalho a ser feito porque a escola é feita das pessoas que lá estão fazendo sua gestão. Se a direção, coordenação e corpo docente forem peconceituosos, sempre vai ser mais difícil de quebrar estigmas, se não forem, estaremos sempre na tentativa de abrir a cabeça dos discentes para ampliarem suas visões críticas e serem mais empáticos", enfatizou.

Pamella não gosta da figura de professora autoritária e aposta no bom humor somado a suas habilidades artísticas para acolher e conquistar os estudantes. "Tenho conhecimentos de teatro. Isso para crianças e adolescentes é um grande chamativo, pois no geral muitos alunos gostam muito de mim, chegando até a me perguntar sempre quando irei dar aula para eles, quando eu não leciono para suas turmas. Percebo sempre muito carinho e admiração por parte dos meus alunos, mas eu recebo isso com muita tranquilidade. Sabe aquela sensação de 'Agora é a minha vez'? Pois eu sempre me inspirava muito nos meus professores, e levo lições que muitos me passaram até hoje", contou.

Foto: Arquivo PessoalPamella aposta no bom humor para conquistar os estudantes | Foto: Arquivo Pessoal

Mesmo tendo alunos LGBT, Pamella disse ser cautelosa ao abordar a questão e gênero em sala de aula. "Eu sempre evito ficar abordando esse assunto de maneira espontânea para evitar certos problemas com alguns pais. Já aconteceu com colegas que tiveram problemas quando falaram, por exemplo, de educação sexual, sobre período fértil, sobre prevenção etc", exemplificou. "Nas aulas de artes, eu não abordo diretamente as questões de gênero ou sexualidade, mas sempre levo referências de artistas LGBTQIAPN+, tanto consagrados quanto regionais, como referência imagética e conceitual dentro das propostas pedagógicas. A minha estratégia é não tornar o assunto gênero e sexualidade um foco, mas sim, o que essas pessoas artistas estão dizendo em suas produções artísticas. O que elas expressam, o modo que elas exteriorizam pro mundo, a maneira como os alunos recebem essas informações, pra tentar sempre normalizar cada vez mais o que é normal", detalhou.

A educadora finalizou defendendo a importância do papel da escola e das famílias no acolhimento de pessoas trans e travestis. "Eu acredito que, primeiramente, precisa de mais acolhimento e orientação por parte da equipe pedagógica ainda no ensino fundamental. Pois se a família falhar, a escola precisa ser o lugar acolhedor para essas pessoas. Porém, eu acho que é muito difícil a escola tomar essa responsabilidade sozinha. Então eu acredito que precise, de fato, de um transformador social que impessa o abandono parental de pessoas LGBT, principalmente as pessoas trans, para que elas consigam traçar o seu caminho na educação básica para poder ingressar com plenitude o ensino superior. Algumas universidades tem a política de cotas, mas acho que as cotas ainda é um fator remediador de curto prazo, e que precisa ser feito um trabalho mais intenso para que as famílias não abandonem seus filhos e permitam que eles tenham o acesso necessário que todo jovem necessita, que é amor, afeto, cuidado e respeito".

 

 

 


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