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Escolas cívico-militares x escolas públicas: conheça os mitos

Políticos vendem modelos educacionais como solução mágica, mas os dados oficiais desmentem

Por REDAÇÃO • 12/09/2024 • 16:05
Imagem principal Mato Grosso do Sul tem hoje 4 escolas cívico-militares / Assessoria

Focadas em disciplina e ordem, as escolas cívico-militares são exaltadas em grupos de mensagem como uma suposta solução para melhorar a eficiência da educação pública

A afirmação de diversos grupos é que as escolas cívico-militares seriam superiores às escolas públicas, e que soldados, capitães e coronéis seriam mais capazes de educar que professores. O discurso, inclusive, é amplamente difundido pela classe política aliada à direita em Mato Grosso do Sul, algus oferecendo como proposta de campanha.

O deputado Coronel David (PL), por exemplo é um dos defensores deste modelo. "[...] o resultado apresentado nas escolas cívico-militares já implantadas é extremamente satisfatório", disse. O ex-deputado Capitão Contar também já se manifestou a favor da proposta: "[...] Objetivo final é vocês serem alguém no futuro, alguém que produza e não que vida do Estado".

No entanto, conforme destaca o professor doutor Leandro Picoli Nucci, especialista em políticas educacionais, essa noção está mais relacionada a percepções sociais do que a dados concretos.

Dentro desse modelo de educação existem colégios militares e escolas cívico-militares, que possuem diferenças entre si. Os colégios militares, mantidos pelas Forças Armadas, são reconhecidos por seu alto desempenho acadêmico, mas isso se deve a uma combinação de fatores, como financiamento robusto, infraestrutura de alta qualidade e um rigoroso processo seletivo.Apenas alunos com excelente desempenho acadêmico e hábitos de estudo são admitidos, criando um ambiente naturalmente favorável para bons resultados. Já as escolas cívico-militares, implementadas a partir de 2019 por meio do Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (Pecim), atendem alunos com perfis muito mais heterogêneos, semelhantes aos da rede pública regular.

Modelo se caracteriza pela ordem e disciplinaLeandro Nucci explicou que “esse modelo atende alunos de condições socioeconômicas variadas e não tem um processo seletivo rigoroso, o que traz desafios semelhantes aos enfrentados pelo ensino regular”.

Dados do Ministério da Educação (MEC), divulgados em dezembro de 2022, antes do encerramento do projeto pelo Governo Lula em 2023, apontam que o Pecim apresentou resultados positivos em várias áreas. A pesquisa realizada pelo MEC mostrou que, em comparação com o período anterior à implementação do programa, houve:
    

  • Redução de 82% na violência física dentro das escolas;
  • Diminuição de 75% na violência verbal;
  • Redução de 82% na violência patrimonial;
  • Queda de quase 80% na evasão e abandono escolar.

Além disso, 85% da comunidade escolar avaliou positivamente o ambiente escolar após a mudança para o modelo cívico-militar. Esses números refletem um impacto positivo em aspectos relacionados à disciplina e segurança escolar, mas não fornecem dados sobre a melhoria no desempenho acadêmico.

Conforme o então diretor de Políticas para Escolas Cívico-Militares, Gilson Passos de Oliveira, o programa expandiu-se para 202 escolas em todo o país em 2022, atendendo cerca de 120 mil alunos, com destaque para as seguintes regiões:

  • 39 unidades no Norte,
  • 26 unidades no Sul,
  • 37 unidades no Nordeste,
  • 46 unidades no Sudeste,
  • 54 unidades no Centro-Oeste.

Embora esses números demonstrem a expansão do programa, ainda não há dados conclusivos que comprovem a superioridade acadêmica das escolas cívico-militares em comparação ao ensino regular. Tanto que, por este motivo, em 2023 o MEC decidiu pelo encerramento do programa, sob a justificativa que as características e sua execução até então indicavam que a manutenção não era prioritária e que os objetivos definidos para sua execução “deveriam ser perseguidos mobilizando outras estratégias de política educacionais”.

FALTA DE EVIDÊNCIAS

Mesmo com os dados positivos em termos de redução de violência e evasão, não há provas suficientes de que as escolas cívico-militares promovam uma melhora significativa no desempenho acadêmico dos alunos. O professor Leandro Picoli Nucci observa que, "embora o modelo cívico-militar seja eficaz na promoção de um ambiente mais controlado e disciplinado, os resultados em termos de aprendizado ainda são inconclusivos".

Ele ressalta que a maioria dos ganhos observados está relacionada ao aumento de recursos públicos, que poderia beneficiar qualquer escola pública regular se bem geridos. A ausência de evidências empíricas robustas levanta questões sobre a eficácia real desse modelo, especialmente em relação ao objetivo de melhorar o desempenho acadêmico, que deveria ser o principal foco da educação pública.

DESENVOLVIMENTO CRÍTICO

Um dos principais argumentos em favor das escolas cívico-militares é o aumento da disciplina e da ordem dentro das instituições. No entanto, o professor Leandro alerta que a militarização do ambiente escolar pode ter efeitos colaterais no desenvolvimento crítico dos alunos. “A educação não é apenas sobre controle e obediência”, afirma ele. "O processo educacional deve incentivar a autonomia, responsabilidade e pensamento crítico, elementos que podem ser comprometidos por uma abordagem excessivamente militarizada".

Além disso, a ética militar, que se baseia na obediência irrestrita, pode contrastar fortemente com os princípios pedagógicos de liberdade de pensamento e pluralidade de ideias, essenciais para a formação de cidadãos participativos e reflexivos. O professor adverte que o modelo cívico-militar, com sua ênfase na hierarquia e disciplina, pode "limitar a capacidade dos alunos de desenvolver habilidades críticas necessárias para enfrentar os desafios da sociedade moderna".

INTERFERÊNCIA MILITAR

Outro ponto crítico levantado por especialistas é a perda de autonomia pedagógica nas escolas cívico-militares. Com a presença de militares na gestão escolar, muitas vezes ocorre uma interferência direta nas decisões pedagógicas, o que pode comprometer a liberdade dos professores de adotar métodos mais adequados às necessidades de seus alunos.

"A Constituição Federal, em seu artigo 206, garante a gestão democrática do ensino, mas esse princípio é ameaçado quando a gestão escolar passa a ser controlada por militares", alerta Leandro Nucci. O impacto dessa interferência pode ser prejudicial, especialmente em escolas que atendem comunidades vulneráveis, onde a inclusão, o diálogo e o apoio psico-social são essenciais para o sucesso educacional.

QUEM GANHA?

Sede da Secretaria de Estado de Educação de MSEmbora os defensores das escolas cívico-militares argumentem que elas trazem benefícios para os alunos, as famílias e a sociedade, uma análise mais profunda sugere que os maiores beneficiários podem ser os próprios militares e as empresas envolvidas na implementação do modelo.

Reportagens apontam que empresas ligadas a ex-militares têm lucrado com contratos sem licitação para transformar escolas regulares em cívico-militares, como é o caso da Associação Brasileira de Escolas Cívico-Militares (Abemil), que firmou contratos que somam R$ 11 milhões com prefeituras no interior de São Paulo.

Em Mato Grosso do Sul, por exemplo, em 2022, a Escola Cívico-Militar Estadual Cel. Lima de Figueiredo, localizada na Vila Juquita, em Maracaju, recebeu mais de R$ 4,5 milhões em recursos públicos. Dentre os investimentos, destacam-se:

  • R$ 650 mil para a aquisição de um ônibus rodoviário;
  • R$ 320 mil para a instalação de um gerador de energia fotovoltaica;
  • R$ 3,7 milhões para reformas estruturais, acessibilidade e adequações às normas de segurança;
  • R$ 836 mil para aquisição de equipamentos escolares, incluindo 420 conjuntos de mesas e cadeiras, 31 aparelhos de ar-condicionado, computadores e kits escolares.

Por meio de nota, a Secretaria e Estado de Educação de mAto Grosso do Sul (SED-MS) afirmou que apesar do encerramento do Pecim em âmbito nacional, o Estado conta com um programa próprio, que engloba quatro unidades escolares cívico-militares

Dessas, duas estão em Campo Grande (EE Marçal Tupã-Y e EE Prof. Tito) e outras duas localizadas no interior do Estado, incluindo a de Maracaju (EE Cel. Lima de Figueiredo) e outra em Anastácio (EE Maria Corrêa Dias). Dentre elas, duas realizam o trabalho em parceria com Corpo de Bombeiros Militar (CBMMS): EE Prof. Tito e EE Cel. Lima de Figueiredo. As outras duas, EE Marçal e EE Maria Corrêa, atuam em parceria com a Polícia Militar (PMMS).

“Juntas, essas escolas são responsáveis por atender cerca de 2 mil estudantes, em turmas de Ensino Fundamental, Médio - integral e parcial - e programas como AJA e EJA. Entre os investimentos, foram destinados mais de R$ 20 milhões desde 2019, com a construção da EE Prof. Tito e reformas das demais unidades. Além disso, os investimentos também englobam a aquisição de uniformes completos, caracterizados de acordo com cada escola”, diz a SED-MS.

MODELO LIMITADO

Os dados do MEC mostram que as escolas cívico-militares têm obtido sucesso em áreas como a redução da violência e evasão escolar. No entanto, a falta de evidências empíricas sobre a melhora no desempenho acadêmico coloca em dúvida a real eficácia do modelo. Além disso, o impacto negativo sobre a autonomia pedagógica, o desenvolvimento crítico dos alunos e a gestão democrática das escolas são preocupações legítimas que precisam ser consideradas.


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