"Eu não me nomino enquanto uma mulher trans, sou travesti, preta, vinda de uma família de mulheres pretas que carregaram o mundo em suas costas. Sendo assim, carrego essa força para lidar com as violências vindas de pessoas de dentro e fora dos espaços que permeio", introduziu a artista da cena e arte-educadora Emy, mais conhecida como Afro Queer.
Emy é formada no curso de licenciatura em Artes Cênicas da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS) e, atuamente, pesquisa o corpo em movimento e questões de diversidade sexual e de gênero, com recorte de etnia racial em contextos sócio-geográficos.
Para ela, o diferencial de sua formação está no apoio encontrado em outras professoras LGBTQIAPN+, que a estimularam a persistir em sua pesquisa acadêmica. "Sou grata imensamente a minha mestra, Dra. Dora de Andrade. Sem a força dessa mulher nada seria possível e sem o grupo de pesquisa que ela fundou, muitas das minhas práticas poderiam ter sido apagadas por esse sistema. A força da coletividade feminina impulsiona trabalhos como o meu e de muitas outras", considerou.
Por outro lado, Emy revelou a carência de referências acadêmicas para pessoas trans e travestis. "Na universidade sofremos com epistemicídio, falta de possibilidades de trabalhar a partir de referências nossas. Acabamos tendo que ter contato com um mundo pedagógico que muita das vezes não faz sentido com nossa prática e enfrentamento na escola", esclareceu.
Além das dificuldades enfrentadas no ambiente acadêmico, ao entrar no mercado de trabalho, Emy se deparou com outro desafio: a falta de preparo das escolas para acolher pessoas LGBTQIAPN+. "A escola não é, e nunca foi um lugar seguro para nós travestis. Meu papel na educação é justamente esse de tentar mudar o espaço e assim fazer com que tenha uma diminuição na taxa de evasão de pessoas trans e travestis, [para que eu possa] mediar uma educação em arte, da melhor maneira possível. Todo esse trabalho é cansativo e exaustivo, exige muito de mim", desabafou.
Para a arte-educadora, dentro do ambiente escolar um dos maiores desafios vai além de ensinar arte para crianças e adolescentes, é preciso fazer um trabalho adicional com suas colegas educadoras. "Muitas das vezes são mulheres e homens cisgêneros, desinformados e desinteressados nos estudos sobre diversidade sexual e de gênero. Por esse motivo, acabam cometendo inúmeras violências contra mim. Sinceramente, acredito que essas profissionais não estão preparadas para lidar com alunos, alunas trans, e isso me assusta enquanto uma professora que visa a transformação no mundo através da sensibilidade e do cuidado", disse, ao defender a necessidade de formação sobre a temática para a equipe pedagógica. "Essas profissionais deveriam urgentemente passar por cursos que trabalhem diretamente sobre essas questões para não continuar reproduzindo violências de gênero", orientou.
Apesar de defender a educação sobre gênero para docentes, Emy revelou ter poucas oportunidades de abordar o tema de maneira direta com seus alunos em sala de aula. "Falei sobre o mês do orgulho LGBTQIA+, sou questionada algumas vezes sobre minha aparência ou traços ditos masculinos e logo faço uma contextualização sobre o que pode ser além do masculino e feminino que eles/elas/elus tem de referência e buscam compreender. Creio que é de extrema importância mediar esses conhecimentos para essa nova geração que se mostra cada vez mais interessada".Foto: Kaique Andrade
Para ela, uma das maneiras de atuar na transmissão do conhecimento sobre diversidade, seria garantindo a presença de mais professoras trans em salas de aula. Mas, para isso, muitas barreiras devem ser superadas. "Conheço apenas uma [arte-educadora trans]. Acredito que as dificuldades permeiem esses campos que citei. O Brasil não está preparado para acolher travestis, aliás ainda temos muito que destruir para que nossos corpos sejam respeitados e para que nosso trabalho seja levado a sério e com dignidade, com salário, com educação e respeito", apontou.
Emy finalizou citando algumas ações que podem ser adotadas para garatir um futuro seguro e respeitoso com as professoras trans e travestis. "Acredito que políticas de ações afirmativas, de acolhimento, políticas de cuidado, tendo em vista que nós chegamos muito machucadas pelos espaços formais de educação, lembrando que eu não falo por todes, mas estou colocando a maioria das pessoas trans e travestis", concluiu.
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