O Teatro Imaginário Maracangalha celebrou 18 anos de atividade em Campo Grande, sendo considerado o único grupo de teatro de rua de Mato Grosso do Sul.
Fundado e dirigido por Fernando Cruz, o grupo tem em seu elenco os artistas Ariela Barreto, Fran Corona, Moreno Mourão, Paulo Augusto, Pepa Quadrini e Rodrigo Nantes.
Para celebrar o momento festivo, foram realizados dois cortejos: Cortejo Capetim, no dia 7 de dezembro, e Cortejo Evoé Baco, em 15 de dezembro.
O Cortejo Capetim teve sua concentração às 19h na Rua 14 de Julho, esquina com a Rua Cândido Mariano. Já o Cortejo Evoé Baco se concentrou às 17h na Orla Morena, em frente à Conveniência do Gibinha, e seguiu até o Bar do Grego. O evento foi aberto à participação do público, que poderia levar instrumentos musicais. No entanto, o cortejo foi interrompido mais cedo devido à ação da Polícia Militar, que pressionou para o fechamento do bar antes das 21h.
A equipe da TeatrineTV esteve presente no Cortejo Evoé Baco, que aconteceu em uma mistura de teatro, música e poesia, refletindo sobre questões sociais e culturais. Durante o cortejo, os participantes gritaram “Anistia, não!”, cobrando punições aos responsáveis pela invasão da sede dos Três Poderes em Brasília, no 8 de janeiro de 2023, e também denunciando o massacre contra os povos indígenas de MS, tema recorrente nas produções do grupo, como na peça "Tekoha - Ritual de vida e morte do Deus Pequeno" (2010). Veja a galeria completa do Cortejo Evoé, abaixo:
A ARTE COMO RESPOSTA ÀS INJUSTIÇAS
O fundador Fernando Cruz ressaltou a importância de ocupar os espaços públicos e destacou a natureza democrática do teatro de rua. “Estar na rua é onde a arte se encontra em todo mundo, independente de cidade, de condição social. É importante também porque afirma a rua como um espaço não só de ir e voltar para o trabalho, para produzir capital, reafirma o que estão tentando tirar da gente, que está garantido no artigo 5º da Constituição, que é a rua, é um espaço livre de ir e vir para livre manifestação política, religiosa, festiva. Essas coisas estão todas juntas. Então, nossa vida enquanto Grupo, esse cortejo aqui é reafirmar o nosso espaço de expressão, de democracia, de liberdade, de festividade. E tudo que nós temos hoje nesse país foi conquistado na rua e com festa. A gente luta e faz a festa, não renunciamos a isso. É um teatro que fala com o povo e um cortejo que não é feito para o povo, é feito com o povo”, disse Fernando.
Nas quase duas décadas à frente do Maracangalha, Fernando refletiu que o fazer teatro é difícil no Brasil e em no mundo. “É uma arte que, com a dimensão da sua forma de ser, de viver, historicamente, ela sempre esteve conectada a todos os processos que o mundo estava passando. Desde a Grécia Antiga, que o teatro falava do mundo. Passou pelo teatro medieval, na Idade Média, contestando o massacre da Idade Média. Aí vem a Renascença e sempre na rua. Então, aí fomos nos anos 60, com todas as ditaduras militares, com todos os movimentos libertários, né? O teatro é uma linguagem que eu sempre vi resistência. Porque fala com o mundo e porque ele ainda dialoga, né? Olho a olho, cara a cara, corpo a corpo. E por isso ele é desafiador. Esse mundo aqui quer nos tirar do contato humano”, pontuou.
Ainda de acordo com Fernando, manter o grupo em atividade e com todos envolvidos é trabalho contínuo. "É uma realização cotidiana. Ele é feito dia a dia, porque é feito por seres humanos, por trabalhadores e por viver em grupo, por viver entre pessoas, é um grande desafio em uma sociedade individualista. Então é um desafio diário. Esse é um grande exercício”, observou.
Ser desafiador, para Fernando, significa ser parte de estar vivo. “Tu nunca sabe como é que vai ser amanhã, mas eu acho que a minha condição é chegar no amanhã, porque amanhã faz o outro dia e o outro dia faz o outro dia. Eu tenho uma crença de 100 anos, do poder que a arte me encanta, de falar e transformar o mundo que é tão violento, tão escuro, tão individualista, tão capitalista. O dinheiro vale mais do que o ser humano. A arte é uma harmonia. Então é um exercício de luta. Vamos sobreviver nesse mundo”, completou.
TRABALHO COLETIVO
A atriz Ariela Barreto, que entrou para o Maracangalha em 2016, disse que trabalhar em grupo é complexo, mas satisfatório. “Todos os grupos são relações humanas, né? Então, tem muitos conflitos, tem contradições. São relações humanas, então tem muitas coisas para gente ir e equilibrar. É complexo se organizar coletivamente, mas ao mesmo tempo é muito satisfatório. A gente fica feliz também com o nosso crescimento, assim, de conseguir se entender, até de aprender a como dialogar com os outros, como se relacionar em grupo. Então, a gente vai aprendendo e se movendo”.
Questionada sobre o impacto do grupo na sua formação artística, Ariela enfatizou: “Impacta muito no sentido de formação, tanto de trazer essa formação quanto ao nosso ofício, quanto ao trabalho com arte, com teatro, com cultura. A formação pessoal mesmo, a formação política, a formação como cidadã, já pensando a rua, já pensando a cidade, já pensando o aspecto dos políticos mesmo, o que envolve o nosso fazer. Então, o grupo acaba impactando muito nesse sentido”.
Ela explicou que o trabalho num grupo como o Maracangalha é uma oportunidade de aprendizado constante. “A gente acaba buscando esse crescimento, acompanhando o grupo, acaba seguindo os passos do grupo e buscando as referências que têm das pessoas, dos mestres que vêm antes, Fernando, dos outros integrantes que são mais antigos, que são referências”.
Ariela destacou etapas do seu processo artístico. “A gente vai buscando se engajar e entender mais sobre o nosso trabalho. Se entender no mundo, se entender enquanto artista, se entender também enquanto mulher na rua, enquanto atriz na rua, sabe? Entender o que que é isso, o nosso trabalho, qual que é a função social, artística do nosso trabalho. Então, acho que o grupo impacta bastante na gente. No sentido, tanto de formação social, cultural, formação sensível também”.
INFLUÊNCIA HISTÓRICA
A deputada federal Camila Jara (PT) participou do cortejo em celebração ao grupo e compartilhou sua experiência pessoal com o coletivo. "Enquanto cidadã, eu tenho uma história muito especial com o Maracangalha, com o Evoé Baco, com o Sarobá. Eu cresci ocupando a cidade, conhecendo pontos que eu não conhecia da cidade, acompanhando a história do grupo, do bloco, que faz um movimento muito importante para a cidade, que é um movimento que, para além de ocupar a rua, para além de mostrar que a rua pode ser um lugar seguro, que a gente pode andar com tranquilidade, que a gente pode celebrar e estar em alegria com as outras pessoas, faz um movimento de retomada dos lugares históricos que foram importantes para o desenvolvimento local”.
Ela destacou também a importância do grupo para o resgate cultural e histórico da cidade: "Resgata a cultura e a história de Campo Grande através da arte, da cultura e das músicas, principalmente tradicionais de Carnaval. Movimentos como esse são extremamente importantes. E a gente vê que a cultura se fortalece nesses momentos de ataque. É um momento em que todo mundo se junta e todo mundo entende que é importante ocupar as ruas, ocupar os espaços públicos, para lutar por uma política de incentivo.
CAPITAL SEM GESTÃO CULTURAL
Sobre o atual cenário cultural e os desafios que a cidade enfrenta, Camila pontuou a importância das políticas públicas de fomento à cultura. "Por exemplo, a Lei Aldir Blanc está sustentando as políticas de fomento à cultura, tanto no Estado quanto nos municípios. O repasse que os municípios fazem, que era para complementar essa lei, tem um montante significativo de recurso. É ínfimo, é quase insignificante em relação ao que deveria ser repassado”.
Ela também fez uma reflexão sobre o uso inadequado dos recursos e a necessidade de uma gestão pública eficiente. "E quando a gente vê um recurso tão significativo quanto o Aldir Blanc aplicou nos últimos anos em Campo Grande, a gente vê que a gente necessita de uma estrutura que seja adequada com profissionais técnicos, qualificados para analisar os editais, para conseguir fazer com que a cultura consiga chegar. Chegar na ponta, chegar para aquele jovem que está na periferia, que não tem perspectiva de crescimento, chegar aqui para que a gente possa ocupar os espaços”, apontou.
A parlamentar ainda enfatizou a importância de uma secretaria de cultura estruturada e capacitada. "Quando a gente não tem uma secretaria estruturada, com servidores capacitados, bem remunerados, para conseguir fazer análise desses editais, editais modernos, que realmente garantam a execução do recurso público, a gente vê uma irresponsabilidade, não só com o recurso do governo federal, mas uma irresponsabilidade com a gestão do recurso municipal."
Na avaliação de Camila, não há nada que justifique a suposta crise de gestão. "É muito triste que Campo Grande não se inove e não consiga pensar novas formas de arrecadação de recurso. A gente está em um dos estados que mais cresceu financeiramente no Brasil, então a gente não tem um problema de crescimento econômico, a gente tem um problema de má gestão do recurso público. A gente tem que lutar e ocupar para dizer que o recurso público é do povo e tem que chegar ao povo nos quatro cantos de Campo Grande”, declarou.
TRAJETÓRIA DO TEATRO IMAGINÁRIO MARACANGALHA
Fundado em 2006, o Teatro Imaginário Maracangalha se destacou por sua pesquisa em teatro de rua e por sua atuação em festivais e mostras de teatro. A estreia do grupo aconteceu com a peça "Amar é...", que explorava o universo do clown e abordava temas como o amor e as diferenças.
O grupo seguiu ampliando seu repertório com peças como "O Último Beijo", uma adaptação de fotonovela, e "O Conto da Cantuária", inspirada no texto medieval "Contos de Canterbury" de Geoffrey Chaucer, que foi premiada no 30º Festival Sul-Mato-Grossense de Teatro (FESMAT) em 2011.
Em 2010, estreou "Tekoha - Ritual de vida e morte do Deus Pequeno", uma peça sobre o líder indígena Marçal de Souza, que foi premiada com o Prêmio Funarte Artes Cênicas nas Ruas. Esta produção se destacou pela sua abordagem de temas sociais e históricos, além de sua intervenção urbana.
PESQUISA E FORMAÇÃO NO TEATRO DE RUA
O grupo continuou a pesquisa no teatro de rua com espetáculos como "Areôtorare", "Tragicomédia de Dom Cristóvão e Sinhá Rosinha" e "Miragens do Asfalto", tratando de temas como a cultura indígena, a memória histórica e questões sociais. O Maracangalha também desenvolve ações formativas, como a oficina "Teatro de Rua - Atos do Ofício", e realiza eventos como o "Seminário Arena Aberta".
A "Temporada do Chapéu", festival criado pelo grupo, é um dos maiores eventos de teatro de rua de Mato Grosso do Sul, promovendo a arte nas ruas de Campo Grande e incentivando a reflexão sobre o papel da arte pública.
RECONHECIMENTO E EXPANSÃO
O Maracangalha tem sido reconhecido em festivais nacionais e internacionais e suas produções foram citadas em livros didáticos, destacando o grupo como um dos mais inovadores no teatro de rua no Brasil. O grupo continua a promover a ocupação dos espaços públicos e a valorização da arte acessível, com espetáculos como "Ferro em Brasa", "Cabeça de Papelão" e "Operário em Construção".