Dezesseis MCs competiram no Duelo Estadual de MCS, que ocorreu das 14h às 20h do sábado (19.out.24), na Concha Acústica Helena Meireles, no Parque das Nações Indígenas em Campo Grande (MS). Mesmo sob a chuva, a ação cultural independente arrastou cerca de 300 pessoas para o local.
Ao todo, havia representantes de onze municípios. Os grandes finalistas da noite foram MC Kamui, de Maracaju (MS) e MC Miliano, de Dourados (MS), o segundo sagrou-se campeão e representará Mato Grosso do Sul na 12ª edição do Duelo de MCs Nacional, que acontecerá nos dias 16 e 17 de novembro de 2024, em Belo Horizonte (MG). Essa é uma das principais batalhas de freestyle rap do Brasil.
O campeão do duelo também ganhou um apoio de R$ 500 da organização do Duelo Estadual de MCs 2024 em MS. Veja a cobertura fotojornalística do TeatrineTV, na galeria abaixo:
"FOI NO DETALHE"
Com 15 anos de carreira na rima, acumulando premiações nacionais, Miliano avaliou que nessa ida para a nacional se senta mais preparado. “Mano, eu acho que é o seguinte: eu fui em 2017 e 2018, saca? Em 2017 eu fui debutante lá, em 2018 eu tava com uma experiência foda e consegui sair campeão. Depois teve uma lacuna bem grande até eu ir de novo. Foi em 2023, ou seja, dois, cinco anos, né, mano? Então, tipo assim, eu me senti debutando de novo na parada. Mas parece que experiência é um bagulho também de constância. Dessa vez, me sinto mais preparado do que nunca, na máxima humildade”, declarou.
Ele esteve na competição em 2023, quando foi derrotado. Para Miliano, nessa edição tem alguns diferenciais e quer dar o melhor. “E agora tem um certo tempo, cerca de um pouco mais de um mês, pra me preparar ainda mais, tá ligado? Então, a expectativa é de fazer boas batalhas. Ano passado eu senti que não consegui dar o meu melhor, e isso me deixou muito triste. Não perdi, mas sabia que podia ter feito mais. Esse ano, acredito que vou conseguir dar o meu melhor, independentemente dos resultados”.
Segundo Miliano, desde 2017 a organização da Família de Rua, que realiza o Duelo Nacional, paga ida, a estadia e a alimentação, dos MCs competidores. O grande desafio, nesse momento para o MC, é garantir a segurança financeira da família e equalizar às viagens com a paternidade. “Nesses momentos, a dificuldade, principalmente financeira, é real, mano. Eu sou um pai atípico, tá ligado? Preciso me organizar. É uma batalha muito louca. Eu sou um pai presente pra caramba, porque eu prefiro, todo dia, horas e horas, levar meu filho a todo lugar. Então, é muito difícil pra mim estar lá uma semana e deixar minha esposa cuidando dele sozinha. Porque, realmente, é uma barra, tá ligado? Nesse momento da minha vida, isso é um desafio. Não tô reclamando, meu filho é a maior inspiração pra mim. Se tô aqui hoje é por causa dele, tá ligado? Mas é uma dificuldade que enfrento. Ano passado eu passei uma semana em São Paulo. Muita gente pensa que estamos lá tirando onda, mas nada disso, mano. Eu tava na correria, sacou? Então, esse desafio financeiro e da condição em que vivo é complicado. Eu tive o privilégio de ter um ótimo pai, mano. É um privilégio da nossa sociedade, sabe? E o mínimo que posso fazer é repetir o que ele fez por mim, tá ligado? Pelo meu filho, mano. Então, esse desafio da vida é louco, mas me preparo do jeito que dá também, tá ligado?”, contou.
Na avaliação do MC, nesse caso a organização do evento pagará as despesas, mas seu desejo era que o governo do estado investisse levando MCs para outras competições também. “Então, nesse caso já é tudo garantido, saca? Mas, assim, é interessante que a gente vá pra lá, além das competições. Estamos lá em outros momentos, no eixo, porque, querendo ou não, lá é o caldeirão”, pontuou.
Para conquistar a vaga na nacional, Miliano precisou bater Kamui, num duelo que teve três rounds apertadíssimos. Para o MC douradense, o duelo foi vencido no detalhe. “No terceiro round, que tem quatro voltas, acho que nas duas últimas voltas ele derrapou e eu consegui encaixar duas que cravaram, assim, tipo, mano, ganhei essa”.
O campeão agradeceu a organização que realizou, de maneira independente o Duelo Estadual de MCs. “Mano, máximo respeito ao pessoal do Mosaico. Na minha opinião, foi a melhor edição que já teve do estadual. A organização se saiu muito bem. Fomos muito bem tratados, mano. A estrutura tava maravilhosa e as pessoas também estavam vindo junto. Então, eu queria deixar esse salve muito especial pro Mosaico Hip Hop, de máximo respeito, admiração e gratidão, porque fizeram um trabalho excelente, mano”, completou.
"EU DEIXEI VÁRIAS BOCAS ABERTAS E VÁRIOS QUEIXOS CAÍDOS"
Eu entrevista ao TeatrineTV, Kamui celebrou a chegada na final, considerando que o município que representou, muitas vezes é visto como local só do agro, em que não há rap. “Para mim, a palavra que descreve é emocionante, porque eu sou um MC que vem do interior, onde a gente não é valorizado. Todo mundo acha que, por Maracaju ser uma cidade pequena, a gente não tem rap, a gente não tem cultura. Então, chegando nessa final, eu deixei várias bocas abertas e vários queixos caídos, entendeu?”, apontou.
Para o MC, o experiente Miliano, de fato aproveitou deslizes seus na rima. “Então, pela competição, até onde eu sei, eu perdi uma volta quando falei de aposentadoria. E ele ganhou por estar também na vantagem de responder. Não que isso seja o crucial, mas ele respondeu todas as rimas que eu fiz, tudo que eu propus, ele debateu e mandou de volta para mim. Na batalha, é isso que pede: um ataca, o outro responde, a gente debate e vence o melhor argumento. Dessa vez, ele teve o argumento melhor que o meu”, analisou.
Kamui destacou que a derrota assinala que deve se preparar mais, mas acredita que ainda há chance de ele garantir uma vaga na competição em BH. “Para mim, não ir para o nacional esse ano significa que eu não estou preparado o suficiente para ganhar o estadual, que eu não pude ser superior nas rimas do Miliano, mas isso não significa que acabou meu sonho. Eu estou classificado pela repescagem por ser finalista, e esse ano a gente pode ter dois sul-mato-grossenses no nacional. Então, não me sinto nem um pouco frustrado; na verdade, me sinto motivado. Ele me ganhou aqui, e eu vou buscar ele lá”, prometeu.
"SE NÃO FOSSE A CULTURA E A CULTURA DE RUA UNIDA, ESSE EVENTO NÃO EXISTIRIA HOJE"
Para realizar a ação cultural, a equipe “Mosaico Hip-Hop”, buscou apoio individual de diversas empresas com patrocínio de R$ 100.
A Fundação de Cultura de Mato Grosso do Sul ofereceu apenas o local e estrutura de iluminação e som.
Uma das integrantes do Mosaico Hip Hop e uma das apresentadoras do Duelo de MCS de MS, Alessandra Coelho, ao final do evento celebrou a presença de um público tão expressivo mesmo com a chuva. “O tempo influenciou muito, sabe? Mas estou muitos feliz. Além dos artistas que são as estrelas de hoje, nossa meta era fazer um grande evento cultural, trazer arte para todo mundo, mesmo que não do jeito que gostaríamos. Trouxemos arte, criamos um espaço para as crianças, algo que foi inédito em um estadual. Colou essa galera, 250, 300 pessoas, que gritaram e aguentaram a chuva, cada um com seu guarda-chuva na plateia”, disse.
Alessandra acompanho declarou ter sido uma honra produzir e apresentar este evento. “Mesmo com tantos empecilhos, o tempo, tivemos um grande problema com o aluguel das mesas e cadeiras para a Feira Criativa, que chegaram horas atrasadas. A gente não teve os picos de luz que achávamos que teríamos. O telão, por exemplo, tivemos que ligar de última hora para a Fundação liberar”, contou.
Toda a produção do evento foi à base de parceria. “A gente indo atrás, pedindo ajuda, dinheiro, marmita, almoço. Então, fiquei muito feliz que você mencionou que entrevistou algum artista finalista e que ele foi bem tratado, porque essa era nossa meta. É muito emocionante poder fazer parte dessa trajetória cultural este ano. Estou exausta, mas é uma felicidade muito grande ter proporcionado isso para os artistas e para quem acompanha o movimento, tá ligado? É bonito e sincero, porque foi do fundo do coração. Tiramos dinheiro do nosso bolso e corremos atrás de parcerias, e deu tudo certo, mesmo com o tempo. Fiquei muito feliz”, acrescentou.
Na avaliação da produtora e apresentadora do Duelo de MCs, a ação cultural não pode contar com o empenho do governo, nem a nível municipal nem estadual, pois os gestores não querem promover. “Há impacto, né? O hip-hop e a cultura de rua abrangem muitas pessoas marginalizadas pelo sistema, e o governo, sendo sincero, não se importa muito se essas pessoas têm acesso à cultura ou não. Foi muito difícil para nós a questão dos banheiros químicos. Esta semana, recebemos uma negativa após meses pedindo. Tivemos que correr muito atrás, então acho que a burocracia foi muito chata, principalmente a falta de vontade de ajudar. Para mim, a má vontade é a palavra certa. Porque eles falam: não, vamos ver, vai dar certo. E nada!", lamentou.
Além de não apoiar a ação cultural devidamente, o poder público, faz questão de agir para desestimular a realização. “Na semana do evento, recebemos muitas negativas. A luz, por exemplo, era para ter uma estrutura aqui na Feira de Luz. As tendas também cancelaram com a gente, porque pedimos à Fundação de Cultura e eles não ajudaram. Isso foi parceria de todo mundo, mano. A Lu, do Laricas, ligou para as meninas arrumarem a tenda, e o Fabrício alugou uma tenda para nós. Se não fosse a cultura e a cultura de rua unida, esse evento não existiria hoje. Se dependêssemos da Fundação de Cultura do MS ou da Secretaria de Governo, da Secretaria de Esporte Turismo e Cultura, nada disso teria acontecido”, disse.
A organizadora completou protestando contra a má vontade da pasta da cultura sob o governo de Eduardo Riedel (PSDB) de apoiar devidamente, para além de estrutura, a realizar a ação cultural. “Se não fosse por nós, teríamos um palco bonito e luzes, mas não haveria tudo isso, sabe? Às vezes, é muito desgastante ter que fazer tudo por nós mesmas, sendo que é tão fácil para eles disponibilizarem alguns equipamentos, estruturas e parcerias. Para mim, é desonesto com a gente. É uma vontade que eles fazem as coisas para não permitir que essas pessoas específicas, como nós, meu povo, a galera favelada, a galera preta, as minas, acessem a cultura. A intenção deles é que essas pessoas não tenham acesso. Então, se não fosse por nós e a rua, nem existiria este evento hoje”, finalizou.