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EXTREMA DIREITA

Radicais mentem e prefeitos censuram espetáculos teatrais em MS

Munidos por fakes, cidades cancelam apoio a apresentações mesmo sem conhecer trabalhos

Por TERO QUEIROZ • 03/05/2024 • 18:25
Imagem principal Enquanto gestores cancelaram apoio a espetáculo, famílias que foram assistir celebram trabalho nas redes sociais. Fotos: Redes

Radicais de extrema direita, dentre os quais há uma professora, iniciaram uma campanha de mentiras para censurar o Projeto "UBU Trans - Transformando Caminhos e Fronteiras", que circularia por 9 cidades de Mato Grosso do Sul de 30 de abril a 7 de maio.

A intenção do projeto, era levar oficinas/workshops para educadores em cidades na faixa de fronteira, além de oferecer apresentações dos espetáculos teatrais “Uma Moça da Cidade” e “Pelega e Porca Prenha - episódio: Na Mata do Pequi”, dois dos mais longevos e conceituados espetáculos teatrais do diretor sul-mato-grossense e fundador do Grupo Ubu de Artes Cênicas, Anderson Bosh. “É importante esclarecer que algumas pessoas estão lendo trans como transexualidade e travesti, mas no nosso projeto trans é de trânsito e transformação. O projeto Ubu Trans surgiu em 2020 diante de um governo que estava massacrando os artistas e em meio a pandemia nos submeteu a situação de fome, em que os municípios do interior eram os mais afetados com a ausência de arte”, introduziu Bosh. 

Aprovado no Fundo de Investimentos Culturais (FIC) de 2021, o projeto ‘Ubu Trans’ recebeu R$ 219.366 da Fundação Cultura de Mato Grosso do Sul (FCMS), para atender os municípios fronteiriços com arte, mas os extremistas de direita inventaram que se trata de uma ação cultural ideológica de gênero. “Em nenhum fala-se de gênero, política ou questões de gênero. As nossas oficinas são a partir de narrativa, a partir de situações e pessoas, assim como Pelega e Porca e Prenha, e Uma Moça da Cidade que são espetáculos que surgem a partir da minha experiência com a minha família no interior. São os espetáculos mais velhos e mais premiados do estado”, destacou Bosh.

A ‘fake news’ criada pelos extremistas conservadores envolve um outro projeto aprovado junto a Fundação Nacional das Artes (Funart). “Fomos selecionados para um projeto na Funart – ações continuadas, no projeto que chama Ubu Trans Ere – nesse projeto empregamos pessoas pretas, LGBTs. Empregamos essas pessoas que nenhum político desses aí quer empregar. Geramos trabalho e renda para essas pessoas. Eles distorceram uma fala de uma entrevista em que digo que vamos empregar essas pessoas e com transfobia passaram a dizer que o projeto que estamos circulando agora é de pessoas travestis, não teria nenhum problema se fosse, mas é mentira! Essas pessoas têm que ser responsabilizadas”, continuou Bosh.

Diversas cidades já receberam o projeto, muito celebrado por onde passou. Os dois espetáculos oferecidos versam sobre as vivências de personagens criados por Bosh que passam por aventuras ao sair de pequenas comunidades como o ‘Fala Verdade’ (região de Corguinho), para ir viver na Capital de MS. São duas obras primas sinceras e que reforçam a relevância do amor e afeto para o convívio social.  “Ubu Trans - Caminhos da Fronteira, foi desenhado para a faixa de fronteira de MS, que a fronteira mais perigosa do país, em que propomos trazer esses espetáculos que falam de amor, de família, de afeto”, reforçou o diretor.

Bosh disse que diante da onda de fake news extremista, a trupe de profissionais está sofrendo as consequências. “Além da violência física, estamos vivendo uma violência emocional. Porque estão causando prejuízo não só para o artista, mas para o governo. Eles estão atrapalhando, uma fala indiscriminada dessa professora e desse ex-deputado aí, está afetando um grupo que tem muitos artistas como Douglas Moreira, Nilci Maciel, Nath Maluf, Edner Gustavo, Yasmim Froes, eu e mais de 30 pessoas envolvidas nesse projeto. Eles estão atrapalhando a cadeia produtiva da arte sul-mato-grossense com mentiras e atacando diretamente esses profissionais extremamente capacitados desse estado”, lamentou Bosh. 

Os espetáculos teatrais de Bosh já foram apresentados centenas de vezes em Campo Grande e em diversas cidades de MS. Desta vez, no entanto, o radicalismo inviabilizou que o projeto chegasse à população da maioria das cidades programadas a serem contempladas. 

PERFIL DE CIDADES QUE CENSURAM A ARTE

A prefeita de Laguna Caarapã. Foto: ReproduçãoA prefeita de Laguna Caarapã. Foto: Reprodução

Uma das cidades que cancelou o apoio ao projeto, inviabilizando a apresentação do Ubu no município, foi Laguna Caarapã, chefiada pela vice-prefeita, Zenaide Espindola Flores que assumiu como prefeita em 2023 quando morreu o chefe do executivo Ademar Dalbosco, aos 67 anos, em razão de câncer no intestino.

Evangélica, Zenaide levou a Assembleia de Deus para dentro da prefeitura de Laguna Caarapã. O estado laico, previsto na Constituição Federal, não é seguido pela gestora. A única atividade artística estimulada na cidade é a música sertaneja. De resto, os artistas desconhecem qualquer estímulo vindo da Prefeitura. Para ‘filtrar’ o que a cidade pode ou não receber de cultura, Zenaide se colocou inclusive como uma das pessoas que compuseram a Comissão de Seleção das propostas culturais a serem financiadas pela Lei Paulo Gustavo (LPG) em Laguna Caarapã.  Além dela, também integrou a comissão de seleção a vereadora tucana Alessandra Ribas de Araújo, eleita em 2020 com 225 votos. Eis a íntegra

Diante disso, a Lei Paulo Gustavo para Demais Áreas Culturais em Laguna Caarapã dividiu pouco mais de R$ 24 mil com 9 pessoas (eis a íntegra), dentre as quais há Clubes de Laço e membros da igreja.

Já o edital que deveria ser direcionado para profissionais do audiovisual de Laguna Caarapã dividiu R$ 59.376,13 com 23 pessoas, dentre as quais a maioria não tem  qualquer trabalho público relacionado ao audiovisual. Dentre os beneficiados há ex-candidato a vereador do município, empresária de salão de beleza, dona de loja de lingerie, donos de restaurante, líder religiosa... A lista completa pode ser acessada aqui

O prefeito de Amambai, Edinaldo Bandeira, que censurou espetáculo teatral. Foto: RedesO prefeito de Amambai, Edinaldo Bandeira, que censurou espetáculo teatral. Foto: Redes

Outro município flertando com a censura ao projeto Ubu é Amambai, gerida pelo tucano Médico Ortopedista Edinaldo Bandeira. Figura que passeia por diversos campos políticos, garantindo apoio inclusive do governo Lula (PT). Em MS, por vezes, Edinaldo se alinha à extrema direita para manter bons índices de apoio no município de apenas 39.325 (censo de 2022).

Como mostramos aqui no TeatrineTV, a Lei Paulo Gustavo em Amambai também foi feita de maneira bastante irregular. 

O prefeito bolsonarista de Coronel Sapucaia Rudi Paetzold. Foto: Redes O prefeito bolsonarista de Coronel Sapucaia Rudi Paetzold. Foto: Redes 

Também tomou a ação de censura o município de Coronel Sapucaia, chefiado pelo tucano bolsonarista Rudi Paetzold – o mesmo que o jornalista Caco Barcelos denunciou estar comprando votos por R$ 50 no Centro Cultural em 2020, ano em que Rudi foi eleito com apenas 4.151 votos na cidade com 14.289 habitantes.   

Seguindo o modus operandi das cidades aliadas em censura, Coronel Sapucaia, nos últimos anos, realizou financiamentos a cultura exclusivamente com recursos da Lei Paulo Gustavo. (*Fizemos uma correção nesse trecho. Leia no final do texto). 

Neste maio de 2024 a reportagem não localizou a lista de projetos habilitados na LPG de Coronel Sapucaia, portanto, não é possível saber ainda qual foi o perfil de habilitados na cidade.

O prefeito de Paranhos Donizete Viaro. Foto: ReproduçãoO prefeito de Paranhos Donizete Viaro. Foto: Reprodução

Paranhos foi outro município que cancelou o apoio a realização do projeto cultural na cidade. O município tem como prefeito o emedebista Donizete Viaro que de maneira nada transparente lançou editais na ordem de R$ 153.473,57 da Lei Paulo Gustavo. Não é possível localizar em nenhum ambiente virtual qualquer publicidade sobre qual foi a destinação desse recurso. 

Até o momento, figuras como o ex-deputado Rafael Tavares, cassado por esquema do PRTB na cota feminina, foi um dos que tentou tirar proveito político atacando o projeto do UBU. Em um vídeo que espalhou nos grupos na internet, o bolsonarista claramente não sabe do que se trata o projeto, mas profere ataques a proposta cultural.  Além dele, uma professora tem disparado áudios produtos de fake news misturando de propósito outros projetos do grupo UBU, aprovados na Fundação Nacional de Artes (Funart), para distorcer a realidade. 

CENSURA REPETIDA

Como já mostramos aqui no TeatrineTV, essa não é primeira vez que uma obra de Bosh é censurada, apesar de o artista ser um dos mais conceituados profissionais das artes em MS.

Além de lamentar o episódio, Bosh defendeu que esses ataques devam ser levados à justiça. “Saíram por aí dizendo que estamos fazendo um projeto com pessoas trans, e eles falam como se pessoas trans não fossem pessoas. É terrível isso. São pessoas, pagam impostos, tem todos os direitos e deveres. Tem que trabalhar como todo mundo... Enfim, estamos abalados psicologicamente com tudo isso”, disse Bosh. 

O profissional garantiu que irá adotar as medidas legais contra os extremistas pelas mentiras e cobrou uma posição do poder público. “A gente se sente ameaçado, físico e integralmente porque essas pessoas podem nos atacar a qualquer momento. Elas precisam ser responsabilizadas. É um prejuízo enorme para o Grupo e para o estado, essas cidades em que seus prefeitos cancelaram as apresentações por falta de esclarecimento, ignorância ou opção mesmo, não podemos descartar isso. Eles fazendo isso quem perde é a população, porque são dois espetáculos premiados no país inteiro. Grupo Galpão, um dos maiores grupos de teatro do país, montou pelega e Porca Prenha, Rodrigo Galvão montou Uma Moça da Cidade no Rio de Janeiro. São espetáculos que só falam de amor. A nossa oficina fala sobre a importância da nossa história”, concluiu. 

AUTORIDADES DA CULTURA

 

O chefe da Setesc Marcelo Miranda. Foto: Alvaro RezendeO chefe da Setesc Marcelo Miranda. Foto: Alvaro Rezende

O Secretário de Esporte, Turismo e Cultura (Setesc), Marcelo Miranda, classificou o episódio como um momento lamentável. “A gente lamenta muito essa posição absurda que causou um transtorno tão grande para os artistas, para o público e para a arte sul-mato-grossense. O que a gente está fazendo é uma nota para orientar esses gestores das cidades que vão receber esse projeto, para que fiquem a par do que se trata e não caiam nessas fake news, nessas falas absurdas e má intencionadas”, garantiu. 

Miranda disse que deseja resiliência e que haja uma reflexão sobre as ações por parte de quem atacou o trabalho sem conhecer. “Que tenham cautela, que os nossos artistas não desanimem, que façam um trabalho de realidade dos fatos combatendo essas informações absurdas. Olha a irresponsabilidade desse comentário sem conhecer o trabalho do grupo, fazer essas publicações que só atrapalham a cultura do estado. Então, nossos artistas não desanimem e que as pessoas que têm esse poder de influenciar as pessoas, que tenham cautela nos seus comentários, que se informem, que tomem conhecimento”.

Ainda de acordo com o secretário, a pasta está preocupada em orientar os locais onde tem as próximas agendas para que se informem. “Estou realmente triste com isso, porque a gente vive um momento de retomada da cultura depois de um período devastador. Aí se tem uma situação como essa, desanima. Estou me colocando na situação deles. Foi corajoso por parte do grupo propôr esse projeto, numa faixa de fronteira, em regiões que são complexas. É uma pena que esse conservadorismo doentio esteja atrapalhando”, apontou. 

O secretário completou garantindo que a Setesc trabalha para ajudar o grupo na solução de qualquer problema causado pelos cancelamentos repentinos. “Estamos estudando juridicamente para que o público não tenha prejuízo”, completou. 

O diretor presidente da Fundação de Cultura (FCMS), Edu Mendes, não atendeu às nossas tentativas de contato até a publicação da matéria. A entidade, entretanto, publicou uma nota em que se solidariza ao grupo Ubu e condena os ataques ao projeto. Leia aqui.  

Mais cedo, nesta 6ª.feira (3.mai.24), o Fórum Estadual de Cultura (Fesc), havia emitido uma nota de apoio ao projeto do Grupo UBU, classificando a medida dos prefeitos como um flerte com a censura. Leia a íntegra do documento: 

Atenção: *ERRAMOS! Anexamos documentos e citamos erroneamente um edital de Sapucaia do Sul, quando nos referimos ao edital da Lei Paulo Gustavo de Coronel Sapucaia. Pelo erro, pedimos desculpas! Ainda não localizamos o edital da LPG de Coronel Sapucaia.  


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