O grupo teatral ‘Senta Que o Leão é Manso’, da Universidade Católica Dom Bosco (UCDB), estreou às 20h da 4ª feira (27.set.23), o espetáculo “O Burguês Fidalgo”, texto original do dramaturgo francês Molière, nesta ocasião adaptado por Marcelo Piccolli, com direção do professor Roberto Figueiredo.
A apresentação de estreia ocorreu no teatro Glauce Rocha, no Campus da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.
A comédia teatral de Molière, originalmente entremeada com música e dança, foi apresentada, pela primeira vez, com música de Jean-Baptiste Lully, em 1670, para a corte de Luís XIV, no Castelo de Chambord.
De acordo com o diretor Roberto Figueiredo, o Senta que o Leão é Manso — o mais longevo grupo teatral em atividade na Capital de MS — tem como característica colocar clássicos da dramaturgia nacional, ou mesmo internacional no palco. “Ou pegamos Shakespeare, ou pegamos João Cabral de Mello Neto, Morte e Vida Severina, ou O Rapto das Cebolinhas, que também é um clássico. Então, a gente tem essa característica de pegar autores que tem a dramaturgia que a gente coloca essa palavra clássico”, introduziu.
No enredo do espetáculo, um comerciante chamado Jordain enfrenta aventuras bastante cômicas tentando se fazer pertencido como membro de alto nível social. Ele, inclusive, passa a pagar para que falem de seu nome para o rei. “A comédia é mais gostosa, acho que o momento é para a gente rir um pouco, mas ela tem uma crítica social aos novos ricos, que acabam tendo os mesmos defeitos que os ricos têm quando assumem algum poder”, analisou Figueredo.
Para o ator protagonista e autor da adaptação, Marcelo Piccolli, a peça original é uma sátira muito incisiva ao burguês burro e uma exaltação a monarquia. Em sua adaptação, apesar de se manter fiel ao texto original, Piccolli adicionou momentos históricos não vividos por Molière, bem como, assuntos debatidos na política atual.
“Moliére não viu a queda da monarquia na França. Então, eu queria não mudar a originalidade da peça, mas ao mesmo tempo falar: ‘pô, Moliére, olha o que aconteceu depois!’. Então, encaixar essa brincadeira do burguês que parece bobo, mas está enganando todo mundo para derrubar a monarquia. Eu pensei nesse sentido: não trair a pegada original, de satirizar a burguesia, que estava tentando tomar o poder, mas ao mesmo tempo trazer para uma questão atual com algumas leves críticas da realidade política atual e mostrar que, na verdade, quem venceu foi a burguesia. Então, se substituiu a opressão da monarquia pela opressão da burguesia, e os que estão ao redor disso continuam sendo oprimidos”, explicou o protagonista e adaptador.
A produção do espetáculo é assinada por Arno Neves, Michel Bacargi e Pedro Martins.
REVELANDO TALENTOS
Dos mais de 40 anos de existência do Senta Que o Leão é Manso, Piccoli integrou 20, tendo montado diversos trabalhos com o grupo. O adaptador comentou que montar clássicos na Capital é de fato uma característica do Senta, além disso, formar novos atores, pessoas que de outra forma nunca estariam nos palcos. “Eu acho que isso é uma característica do próprio Senta, e aqui nós tínhamos pelo menos 5 [atores e atrizes] que estrearam, nunca tinham feito teatro, e a nossa realidade é sempre essa. É uma experiência muito interessante porque você tem que segurar a galera, dar força, e ao mesmo tempo entender que vão ter erros, que vão ter momentos que vai ficar meio complicado, e você tem que ir puxando as cenas. É cansativo para caramba, porque você tem que dar as forças para eles, mas ao mesmo tempo é recompensador, quando você vê que a coisa vai e vai criando um vínculo com eles. Eu acho que é uma experiência que só o Senta tem, porque a gente trabalha exatamente com não-atores. Eles são acadêmicos e a gente os coloca nessa condição de ator”, detalhou.
Anita Caires, de 19 anos, acadêmica de Design, contou sobre sua primeira vez no palco. Antes disso ela havia feito apenas um curso de teatro e dança, mas nunca havia ‘falado sobre o palco’ para um público tão grande quanto o que se fez presente. “Atuar assim, com fala, nunca havia acontecido. Eu fiquei muito nervosa, eu estava tremendo com o leque na mão para ventilar um pouco (risos), mas foi emocionante”.
De acordo com Caires, os ensaios começaram no início de 2023 e Roberto Figueiredo distribuiu os papéis ao longo dos meses. Para conquistar o papel desenvolvido pelo adaptador – professora de Etiqueta’ – Caires teve que superar alguns desafios. “No começo eu falava extremamente baixo, ninguém sentado aqui na primeira cadeira conseguia me ouvir e tremendo, tremendo, e só estava apresentando para eles, para a galera do grupo. E com o tempo eu comecei a controlar esse medo e aumentar um pouco a voz”, lembrou. “A minha maior dificuldade foi tanto levantar a voz e decorar texto, porque o nervosismo não deixa eu lembrar as coisas…”, considerou.
Maria Eduarda Oliveira, de 19 anos, acadêmica de Arquitetura e Urbanismo, revelou que enfrentou desafios semelhantes aos de Caires e o porquê, ainda assim, decidiu entrar para o Senta Que o Leão é Manso. “É um espaço muito interessante, além de um projeto muito bom, a gente conhece outras pessoas, se solta. E eu queria participar em razão da questão técnica: ter um diálogo melhor, conseguir ter mais coragem de falar com outras pessoas, então eu acho que é por isso que entrei para o teatro e é claro, me apaixonei muito pelo professor, eu gosto muito do Betinho”, definiu.
No começo, Oliveira disse que se sentia muito engraçada vivendo uma personagem, no entanto, ao lado de Caires, conseguiu evoluir para a composição das cenas. “Eu fui escolhida para a personagem de gastronomia, eu gostei muito como o adaptador, o Marcelo introduziu isso na peça… Minhas maiores felicidades na cena foram conseguir superar a dureza, fiz muitos gestos, articulei, porque no início eu estava muito dura! E minha maior dificuldade mesmo foi alcançar o volume da voz, porque a gente não conseguiu fazer o ensaio geral aqui no teatro, faltou isso, eu sabia o quanto eu poderia gastar minha voz”, apontou.
Aliada da professora de etiqueta, a chef de gastronomia vivida por Oliveira, na história da peça, entrega pratos luxuosos, consumidos pela alta sociedade, ao burguês Jordain. O homem que deseja ser aceito no convívio do alto escalão social, passeia entre os pratos, sempre com uma desculpa para não consumir a iguaria, findando por se alimentar de panquecas. “Eu já dancei muito, mas no palco, atuando, é a primeira vez. Eu achei que iria ficar muito nervosa, mas até que não fiquei e graças a Deus não errei nenhuma fala”, compartilhou Oliveira.
Ambas as atrizes estreantes, colegas de cena, avaliaram que o acolhimento dos veteranos do Senta que o Leão é Manso, foi o principal fator para a estreia de sucesso. “As experiências que estou tendo agora são maravilhosas, o grupo é acolhedor, a galera é super gente boa, apesar de eu ter chegado recentemente é como se eles fossem minha família. Eu acho isso maravilhoso, o Roberto Figueiredo, trazer teatro para as pessoas, porque o teatro é uma aula”, anotou Caires.
“Eles chegavam em mim e falavam: vai dar tudo certo, merda para você, tudo de bom, vou te ajudar, vou te dar dicas… Então, eu me senti muito acolhida, não me senti aterrorizada. Eu senti muita tranquilidade, principalmente com as ajudas do Marcelo, que foi o ator principal. Então, eu fiquei muito emocionada e nutro um carinho muito grande pelo grupo”, concluiu Oliveira.
Além de Piccolli, Caires e Oliveira, também integram o elenco de ‘O Burguês Fidalgo’, os seguintes atores e atrizes: Alfredo Jara da Silva; Ana Clara Falcão da Silva; Arthur Camargo Razuela Aras Alves; Carolina Bueno; Felipe Carlos da Costa Ferreira; Felipe da Silva Pereira; Guilherme Nunes Freitas; Isadora Garone Henriques Sena; Lucas da Cruz Viçosa Martins; Livia Alves Martins; Mateus Vilalba Defendi Petuco; Matheus Serra Sevilha Viegas; Tayna Maria Borges Costa e Thiago Augusto Medina de Almeida
PROPOSTAS E DESAFIOS DO GRUPO
O Senta Que o Leão é Manso completa 41 anos em 2023. Roberto Figueiredo, um dos fundadores do grupo, responsável pela área de Cultura e Arte, vinculada à Pró-Reitoria de Pastoral e Assuntos Comunitários da UCDB, explicou que até ano passado o coletivo já havia "formado" quase 700 alunos e além da nova montagem, o grupo está prestes a lançar um livro.
Sobre as propostas do grupo, Roberto comentou que o campo-grandense ganha com a oferta dos clássicos adaptados. “Porque não Moliére em Campo Grande? A nossa cidade merece ter todo tipo de estilos de teatro: do clássico ao regional, clássico no sentido de textos antigos que podem ser trazidos para a atualidade”.
Figueiredo sustentou que a facilidade de captação de mão de obra, visto que os membros são alunos da UCDB, permite a adaptação de grandes clássicos, mas sempre em torno das características do elenco. “Como o nosso grupo é muito grande, acaba possibilitando montar peças que tem um elenco muito grande, acaba possibilitando montar peças que tem elenco grande, então a gente não economiza no elenco porque é da Universidade. Então, a gente aproveita todas essas características nossas e procuramos peças que tenham as características do nosso elenco, e não ao contrário”, observou.
No entanto, ainda que a mão de obra esteja facilitada, Piccolli disse que precisa haver equipamentos capazes de receber essas produções para que chegue ao grande público. “A questão do Senta, a dificuldade é a questão do espaço, de não haver teatro na cidade ou no estado, isso prejudica a gente no sentido de circulação. Antigamente, a gente circulava muito mais, porque a gente trabalha com peças muito grandes, então eu não consigo colocar uma peça com 17 atores em qualquer local, então a gente precisa de um espaço adequado e Campo Grande não tem. Isso dificulta um pouco a nossa circulação. Diferente de quando nós tínhamos o Aracy Balabanian, o Prosa aberto, quando tínhamos mais acessos a outros teatros, enfim, quando tínhamos teatros para apresentar a gente conseguia fazer essas circulações”.
O adaptador finalizou explicando que seu desejo é que o coletivo tenha sempre a oportunidade de criar, apesar de não haver uma sustentabilidade financeira oriunda das montagens. “Enquanto fazedor de teatro eu quero poder discutir com o público alguns assuntos, porque eu não sou profissional, eu não ganho a vida com teatro. A UCDB nos dá uma base financeira e de estrutura, mas não é minha forma de trabalho, eu sou professor, mas de coração eu sou ator. E o ator ele fala, ele quer debater, quer colocar discussão, e isso que eu quero fazer enquanto ator. Quero trazer jovens para cá, discutir assuntos, quero falar”.
COMO FOI VIABILIZADA
Essa estreia do espetáculo em teatro foi possibilitada, pois a montagem integra a 9ª edição do Mais Cultura, realizado pela UFMS. O festival teve início em 25 de setembro e encerrou no dia 29 de setembro. Ao longo desses 4 dias, ocorreram manifestações artísticas nas unidades, palestras, oficinas e apresentações no Teatro Glauce Rocha. Todas as atividades foram oferecidas de maneira gratuita, abertas ao público geral.
Além do espetáculo do Senta Que o Leão é Manso, no mesmo teatro ocorreram apresentações, de segunda a sexta-feira, sempre às 20h, do Quinteto da Orquestra Sinfônica da Unicamp; o Concerto de Coros; do espetáculo “Assim contava meu avô”, do Clube de Artes Cênicas do Colégio Militar de Campo Grande; a apresentação de dança “Chafica”, da Cia do Mato e uma apresentação do Grupo ACABA.