O Teatro Municipal de Santo Amaro Paulo Eiró, em São Paulo (SP), foi o palco da apresentação do espetáculo Na Lona de Benjamim no dia 8 de fevereiro de 2025, que segue em turnê após estrear no final de janeiro no mesmo local.
Criado pelo Coletivo Catappum, o trabalho resgata e exalta o legado de Benjamim de Oliveira (1870-1954), o primeiro palhaço negro registrado na história brasileira, pioneiro no circo-teatro no início do século XX.
Com direção de Mafalda Pequenino e dramaturgia de Chico Vinícius e Fagner Saraiva, a peça não é biográfica, mas uma homenagem ao artista que, apesar de sua importância para as artes brasileiras, foi apagado da história.
O enredo acompanha uma trupe de palhaços que viaja no tempo e no espaço, remendando histórias do passado e em busca da herança de Benjamim. No palco, os atores encontram uma lona de circo, onde um morador desmemoriado, que não lembra de sua própria história e muito menos da de Benjamim, se torna o foco da trama. O espetáculo mistura samba, músicas do congado mineiro, folias de reis, mágicas, números cômicos, teatro de revista e melodrama para combater um surto de desmemória aguda. O antídoto? Canela em pó!
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Em entrevista, Mafalda Pequenino explicou o processo de pesquisa que antecedeu o espetáculo. “A gente começou um pouco antes de escrever o projeto, então estamos envolvidos com isso há cerca de dois anos”, contou Mafalda.
De acordo com a diretora, a pesquisa foi conduzida a partir de diversas fontes e referências históricas que impactaram o espetáculo como um todo. “Começamos no ano passado, em janeiro, a fazer toda a pesquisa sobre a vida dele, usando o livro de Ermínia Silva sobre o circo-teatro, que fala sobre o circo e a história do circo-teatro, e costurando isso com a história de Benjamim. Porque Benjamim de Oliveira é quem consolida o circo-teatro, em 1900, no Rio de Janeiro, quando ele tem essa ascensão”, explicou a diretora.
Além disso, ela destacou que a pesquisa foi enriquecida pela tese do professor Daniel Silva, que aborda o circo-teatro e os deslocamentos sociais após a falsa abolição. “A tese do professor Daniel também fala sobre o circo-teatro, mas foca nesse momento em que Benjamim ascende, logo após a falsa abolição, em 1900. E para mim, isso era o grande ponto. Tipo, como esse cara... ele fugiu com o circo, tinha 12 anos e ainda não era alforriado”, observou Mafalda.
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Mafalda também explicou como a história de Benjamim se entrelaça com a formação da cidade do Rio de Janeiro no período da Belle Époque. “O Daniel Silva fala desse momento, da Belle Époque Carioca, essa 'Paris Tropical'. Onde os artistas negros e a população negra da época se concentram na Gamboa. Isso também foi uma pesquisa importante para nós. Fomos à Gamboa para entender mais”, disse a diretora.
Ela ressaltou que a música foi uma parte essencial da pesquisa. “Benjamim era um trovador, tocava chula. Os palhaços da época eram trovadores, então fizemos uma pesquisa extensa sobre o Batuque e entendemos todo o contexto musical para poder trabalhar essa pesquisa musical”, explicou.
A equipe também mergulhou nas manifestações culturais afro-brasileiras, como a Congada e a Folia de Reis. “Entramos no universo da cultura popular brasileira, que nos serve de referência para trabalhar as corporeidades da palhaçaria preta, como trazer essas gestualidades junto com a nossa cultura popular afro-brasileira”, acrescentou Mafalda.
Fagner Saraiva, dramaturgo e diretor de arte da peça, também falou sobre o processo de criação do espetáculo. “Minha direção de arte seguiu a estética afrofuturista, e o cenógrafo Clau Carmo foi responsável por trazer tridimensionalidade ao cenário. Ele criou soluções incríveis, como transformar o circo que se desmanchava em dois e virava outras coisas. A ideia era partir de uma proposição e deixar o artista criar, e o Clau fez isso com maestria. Foi um trabalho maravilhoso!”.
Um dos espectadores presentes, o cineasta Beto Brant, falou sobre a fusão de elementos presentes no espetáculo. Durante a conversa com Mafalda, Brant destacou o impacto da narrativa, especialmente ao observar como a história de Benjamim se conecta com outros eventos históricos e figuras importantes. “A história é incrível, e é bom ver como vocês conseguiram contar tanto por meio da palhaçada. E a fusão de tudo isso é boa. Vocês, de cara, contextualizam Benjamim em companhia de Almirante Negro e adiante, trazem a influência que ele teve na história Grande Otelo, o que faz a gente perceber que Benjamim é contemporâneo e tem a estatura dessas grandes figuras”, ressaltou Brant.
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Mafalda, ao comentar sobre o impacto da peça, expressou sua satisfação com o trabalho do elenco: “Quando eles ensaiaram, eu pensei: 'Caramba, isso vai dar muito certo', porque é algo que realmente prende a atenção, e a cena tem muito a oferecer. E o Chico, que também é dramaturgo, fez um trabalho maravilhoso”. Ela também elogiou a grande contribuição de Chico em outras áreas do trabalho: “Ele é nosso produtor também, fazendo de tudo para levar Na Lona de Benjamim ao mundo”.
A montagem segue sua trajetória após estreias entre janeiro e fevereiro. “Fizemos o Festival de Comédia em São José do Rio Preto, abrindo também para o festival em homenagem a Ermínia, que estreou no Sesc Bom Retiro. Tudo foi uma grande temporada. Agora, estamos indo para o Teatro Arthur Azevedo. O mais legal é que esses teatros fazem parte de um projeto de fomento da prefeitura, e é muito importante que eles existam para que a arte continue se expandindo. E quem sabe o João Caetano também? Estamos tentando rodar o mundo com esse trabalho”, finalizou a diretora.
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NOTA CRÍTICA
O jovem espetáculo Na Lona de Benjamim apresenta características únicas. Para além da história original – e acertada – que lamentavelmente surge do apagamento de Benjamim na história das artes brasileiras, a peça se destaca pela sua profundidade e originalidade.
Na Lona de Benjamim conta com cinco performances de atuação altamente trabalhadas, proporcionando cenas incríveis, igualmente executadas pelo elenco, o que resulta em uma unidade e parceria complexas em cena. Para os atores, isso se configura como um presente, permitindo que alcancem um nível de atuação especialmente potente.
Destaco ainda o trabalho musical do espetáculo, que traz à cena músicas autorais lindas de Benjamim. Além de cantar, o elenco também executa instrumentos de sopro e percussão, conferindo ainda mais riqueza à apresentação.
A mudança de cenário e figurino diante dos olhos do público, com a energia e contribuição dos atores, é um diferencial que coloca o espetáculo, dirigido por Mafalda Pequenino, no pódio dos melhores trabalhos brasileiros que já assisti em meus dez anos de carreira.
A diretora consegue, brilhantemente, apresentar a história preta, a história do artista negro e a história do circo-teatro de forma individualizada, mas ao mesmo tempo unificada. Ou seja, é um espetáculo que alcança níveis de complexidade e se torna especularmente engajador. O público acompanha o conto-homenagem-fantástico do começo ao fim, sem pestanejar.
Não tenho dúvidas que Na Lona de Benjamim trilhará caminhos de sucesso no cenário das artes brasileiras, pois, com o tempo, tende a se tornar ainda mais afinado, especialmente em aspectos como iluminação e assertividade na escolha do que permanece e do que é dispensado na história-homenagem a Benjamim.
FICHA TÉCNICA
- Direção: Mafalda Pequenino
- Dramaturgia: Chico Vinícius e Fagner Saraiva
- Elenco: Chico Vinícius, Fagner Saraiva, Monique Salustiano, Jéssica Turbiani e Raquel Gandolfi
- Assistentes de Direção: Chico Vinícius e Fagner Saraiva
- Direção Musical, Arranjos e Sonoplastia: Di Ganzá
- Músicos Intérpretes: Danilo Rocha, Cauê Silva e Monique Salustiano
- Figurinista: Karine Lopes
- Equipe de Figurino: Geny Ribeiro, Yas Santos, Bioncinha de Oliveira, Jeancely Castillo, Felipe Lara e Beatriz Ri
- Cenário: Clau Carmo
- Pintura de Arte: Alexandra Siqueira e Clau Carmo
- Cenotécnico: Casa Malagueta
- Visagismo e Maquiagem: Roberto Reis
- Perucaria: Silva Rocha Penteados e Michele Barbosa
- Iluminador: Rodrigo de Sousa
- Técnico de Som: Adriano Almeida
- Direção de Arte: Fagner Saraiva
- Preparador Acrobático: Gui Awazu
- Preparador Corporal: Ricardo Rodrigues
- Preparadora de Canto e Voz: Glaucia Verena | Lab Voz
- Preparadora Instrumental: Girlei Miranda
- Social Mídia: Fagner Saraiva
- Criador de Conteúdo para Redes Sociais: Bruno Sperança
- Designer Gráfico: Marcos Fellipe
- Contrarregras: Su Martins e Doug Vendramini
- Assessoria de Imprensa: Nossa Senhora da Pauta
- Direção de Produção: Chico Vinícius
- Assistente de Produção: Nathalia Mafort
- Produção Executiva: Jean Salustiano