A peça teatral Dom Casmurro — montagem do Grupo Casa - Coletivo de Artistas — será apresentada às 20h do sábado (16.nov.24), na Rua Visconde de Taunay, 306, Bairro Amambai, em Campo Grande (MS).
Dom Casmurro, peça publicada em 1899, é uma das grandes obras de Machado de Assis, que critica as questões sociais do Brasil do século XIX, mas não continha personagens negros.
O texto de Assis trouxe ao mundo os icônicos personagens Capitu e Bento Santiago, sendo a primeira uma das principais personagens femininas da literatura brasileira, descrita como branca, que, na época, teve seu caráter colocado em debate, acusada de traição ao amor de Bento.
Na montagem do Casa, Capitu e Bento são acompanhados por uma banda de sambistas, que tocam músicas autorais e canções já conhecidas do público, como "Com Que Roupa", de Noel Rosa.
Em sua montagem, o grupo requinta as questões de Assis, propondo reflexões mais enfáticas sobre questões retratadas pelo autor de forma sutil, que atualmente possuem nomenclaturas: racismo e misoginia. "Uma Capitu negra representa um marco importante na discussão sobre raça, gênero e poder no teatro brasileiro. Ao reimaginar a obra de Machado de Assis e colocar em cena personagens femininas complexas e multifacetadas, a peça desafia as representações racistas e machistas da obra original, abrindo novas possibilidades de interpretação e diálogo com questões contemporâneas", explicou a atriz Amanda Pessoa, que interpreta Capitu e que também é historiadora.
A peça teatral faz parte do repertório do coletivo desde 2020, ano em que estreou on-line no Festival FEMA, em São Paulo, durante a pandemia de covid-19, vencendo o prêmio de melhor espetáculo no mesmo ano.
Além da apresentação na Capital de MS, Dom Casmurro também será apresentado em Presidente Prudente, em São Paulo, pelo SESC, no dia 21 de novembro. "Por ser uma obra tão contemporânea no sentido de falar sobre nosso tempo, é um espetáculo que vale muito a pena viajar por todos os cantos. Estar presencialmente em São Paulo, lugar em que o espetáculo estreou, é revolucionário para a gente. Temos muitas expectativas e a certeza de que vai ser o começo de uma grande trajetória desse espetáculo para fora do nosso estado", comentou a diretora do espetáculo Ligia Tristão Prieto, que também está em cena dando vida a Bento Santiago.
A banda é composta pelo diretor musical Leonardo de Castro, e os intérpretes musicistas: Isabela Lopes, Leonardo de Medeiros, Caroline Mazetto e Giulia Schröder — essa última que está retornando à montagem para comandar o atabaque, instrumento musical de origem africana e que pretende dar uma nova camada de significado ao espetáculo. "O atabaque é considerado sagrado dentro das religiões de matriz africana, como o candomblé e a umbanda, e traz historicamente uma força simbólica que caracteriza os movimentos negros, que é o enfoque principal do espetáculo também", explicou o diretor musical.
Castro adiantou ao público como a banda se insere ao vivo na história de Capitu e Bento. "As músicas fazem o recheio sonoro da época e brincam com as possibilidades da história, como quando temos o casamento das crianças, que é feito pela brincadeira delas, ou quando temos as rodas de samba, a composição das cenas de violência, principalmente quando se fala dos escravizados que tentaram fugir", completou.
A abordagem do espetáculo é pertinente com a data de 20 de novembro, em que se comemora-se o Dia da Consciência Negra e também o Dia Nacional de Zumbi dos Palmares.
Os ingressos estão disponíveis pelo contato (67)
9 9290-6961. O valor da entrada é R$ 60,00 (inteira) e R$ 30,00 (meia). Antecipado todos pagam meia.Completam a equipe técnica do trabalho: Fernando Averaldo (iluminação e sonoplastia) e Jéssica Santos, Gabriella Thais, Sofe Poar, Lethícia Rodrigues, Érika Oelke, Beatriz Guardiano e Vinicius Rocha (produção e cobertura audiovisual).
MACHADO DE ASSIS E A NEGRITUDE
O escritor nasceu em 1839 no Morro do Livramento (RJ). Filho de Francisco José de Assis (pintor de paredes) e de Maria Leopoldina Machado (lavadeira portuguesa).
Antes de enveredar pela vida de escritor, ele foi vendedor de balas e sacristão da Igreja Nossa Senhora da Lampadosa. Nunca frequentou escola ou faculdade.
Assis era um homem negro; no entanto, autores que escreveram sobre ele citaram-no como sendo branco, inclusive, na sua certidão de óbito constava tal cor.
O jornalista negro José do Patrocínio acusava Assis de omissão em defender o povo ao qual pertencia, por aliar-se aos racistas.
A rede de amizades do escritor carioca era composta por pessoas do alto escalão.
Autores relatam que Assis viveu sob a dor oculta de ser negro, estigmatizado pela gagueira e epilepsia.